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Mazé Leite: Brasil, país do presente

Mais uma vez volto a abordar o tema da Cultura, martelando a ideia de que este tema não continue a ser menosprezado nas pautas de discussões e estudos dentro do PCdoB. Este 13º Congresso do nosso Partido deveria incluir em suas resoluções uma que indicasse a criação de secretarias e coletivos de cultura ligados às diversas instâncias partidárias.
Por Mazé Leite*

Da Escola Nacional de Formação às secretarias locais dos organismos de base, é necessário, para a formação comunista, além de conhecer os clássicos do marxismo e a conjuntura econômica e política, nos deter sobre o estudo dos tempos atuais em seu amplo leque de pontos de vista. E isto significa também refletir sobre os importantíssimos aspectos culturais.

Há onze anos, os governos de Lula e Dilma vêm dirigindo os rumos do Brasil e trazendo mudanças bastante importantes para nossa sociedade: milhões de brasileiros saíram da profunda miséria; milhões de filhos de trabalhadores têm acesso à universidade; milhões viram aumentar seu poder de consumo de produtos antes restritos às classes médias e altas; milhões têm acesso à internet e ao mundo de possibilidades abertos por essa tecnologia.

São apenas alguns poucos exemplos do bastante que já foi feito. Mas só isso já aponta para mudanças importantes em nossa sociedade, e até mesmo mudanças em nossa visão sobre o Brasil. Há que se repensar o Brasil, mais uma vez. Este também deve ser um dos nossos papeis.

E isso inclui repensar velhos mitos sobre o Brasil, mitos do passado: de um país que “não deu certo”, dos nossos complexos de inferioridade em relação a outros países, ou mesmo o mito do “Brasil, país do futuro”. Porque não há como negar que a nível internacional, a imagem do Brasil sofreu uma mudança. O que é esse novo país, que cada vez mais assume postos importantes no mundo? Que país é esse cuja presidenta se impõe diante daqueles que estavam acostumados a nos ver abaixar a cabeça? Que presidenta é essa que vai à televisão saudar as manifestações de junho, como um direito democrático do povo que deseja ainda mais do que foi feito? É o Brasil contraditório, que se rebela em sua subserviência? É o Brasil, país que se faz Presente? O futuro é agora?

Esse novo país que surge a partir de 2002 dando possibilidades àquela imensa parcela do povo brasileiro que antes não via possibilidade alguma, deverá trazer novidades que precisarão ser enxergadas e estudadas.

Vivemos um momento fértil, problemático. Os mesmos que pedem mais mudanças duvidam das mudanças feitas. Milhões saíram da miséria, mas a violência nunca foi tão generalizada. Mais jovens tem acesso à universidade e ao emprego, mas os horizontes ainda são pequenos. Descobrimos uma das nossas maiores riquezas nos campos do pré-sal quando não somos capazes de ir buscá-lo com nossos próprios meios. Seremos anfitriões de dois eventos esportivos de escala mundial, nos desdobrando para revolver nossas estruturas que os possam receber. Somos grandes, mas nossa pequena elite tenta a todo custo nos rebaixar o tempo inteiro.

Essas e outras inúmeras contradições que fazem parte da nossa alma brasileira, são o que nos torna ricos culturalmente, pelo bem e pelo mal. Maniqueísmos à parte, nossas contradições movem nossos mundos e nos fazem criativos. Entre o céu e o inferno de ser brasileiros, nós chegamos aqui! Apresentamos ao mundo o espírito brasileiro construído em cinco séculos de história de miscigenação de três povos, três culturas, três cosmologias.

Brasil, país do presente, inovando o presente, trazendo em nossos ombros a cultura que se construiu nesses séculos: somos o país do futebol, sim! Por que não? Cada menino deste lugar ensaia seus primeiros chutes logo cedo, e nossos meninos encantam o mundo com esse jeito brazuca de jogar. Somos o país do carnaval, sim senhor! Nosso prazer é ocupar ruas, praças e passarelas anualmente para expurgar nossas mazelas, esquecendo por três dias qualquer tristeza, com nossas máscaras de pierrôs e arlequins. Somos do samba, do pagode, das romarias, dos terreiros, das promessas aos santos, das comidas, da cachaça. A tristeza do nosso samba vista por nosso poeta Vinícius de Moraes, é exorcizada em nossas rodas, em nossos bares, cantando em grupo. Assim como cantam em grupos as periferias das nossas cidades, em seus raps, em seus funks.

Talvez seja o momento de novamente nos debruçar sobre Gilberto Freire, Sérgio Buarque de Holanda, Caio Prado, Nelson Werneck, Celso Furtado. Para estudar o Brasil e como ele foi, para entender o Brasil que hoje começa a ser.

Estava chegando na parte final deste texto, quando foi divulgado o discurso do escritor mineiro Luiz Ruffato na Feira de Livros de Frankfurt, que acontece neste ano tendo como tema o Brasil. Discurso triste, de cão vira-lata, envergonhado de seu país. Pessimista, Ruffato fala ainda do ponto de vista do “Brasil, país que não deu certo”, e daquele tempo distante lá do futuro pressuposto. Ruffato não vê que pode ter chegado o tempo onde o futuro começa a se fazer presente; e mesmo que tenhamos ainda os piores índices – aqueles que estatísticas transformam em números que descem para adoçar a boca dos que enxergam mal o Brasil – temos também os maiores potenciais.

E a ele respondeu o meu professor – a quem homenageio hoje, 15 de outubro – José Miguel Wisnik, dizendo sobre o discurso de Luiz Ruffato: “O que é inteiramente ausente do seu discurso é o fato de que existe uma espessura cultural brasileira, uma acumulação artística de longa data, que de muitos modos responde a essas situações e que se desenvolveu com elas e apesar delas. É com essa espessura cultural que o país ganha corpo, opacidade e resistência, mesmo quando obscura. “

O Brasil é um país complexo, todos sabemos. É o Brasil da elite conservadora de São Paulo, mas é o Brasil do povo trabalhador que enxerga o que a elite não vê: “Cirandeiro, cirandeiro, ó, a pedra do teu anel brilha mais do que o sol”! Por trás da obscuridade aparente, reluz a nossa força, o nosso otimismo, a nossa “resistência”, como bem disse Wisnik.

Por isso, para finalizar, mais uma vez me reportando às teses do 13º Congresso: vamos, como comunistas, fazer a devida defesa da “espessura cultural brasileira”, inclusive estudando-a. Essa espessura que intuímos e defendemos quando nos dispomos a colaborar com a política cultural do governo Lula, especialmente, com os Pontos de Cultura, o Programa Cultura Viva, entre outros. E que Dilma deveria incrementar.

Mazé Leite é membro da Célula Comunista de Cultura Paulistana.