Embaixador da Palestina defende solução negociada com Israel

A solução para o conflito entre israelenses e palestinos não passa pela religião. É o que defende o embaixador do Estado da Palestina no Brasil, Ibrahim Alzeben. Durante recente visita ao Ceará, para promover o turismo em países árabes, ele defendeu que, para solucionar o impasse, o caminho é cumprir o que diz o direito internacional, criando o Estado palestino e dando cumprimento às resoluções da Organização das Nações Unidas (ONU) que tratam do tema.

Para romper com o histórico ressentimento e promover a reconciliação entre israelenses e palestinos, ele defende educação e cooperação. Alzeben argumenta que o mesmo território pode servir para uma vida digna para ambos os povos. A seguir, confira os trechos principais da conversa de Ibrahim Alzeben em entrevista concedida ao jornal O Povo na última quinta-feira (17/10).

Origem do conflito

“Desde a raiz da Primeira Guerra Mundial, que começa o conflito atual, quando a Inglaterra promete resolver aquela questão judaica da Europa, criando na palestina um estado judeu, um Estado de Israel. Todos aqueles massacres que foram cometidos em dois mil anos na Europa, seriam resolvidos através de uma declaração da Inglaterra, criando um Estado para os judeus fora da Europa. Isso foi o pecado original. Por que a Europa, que discriminou também judeus europeus, não resolveu dentro da Europa? Por que a Alemanha, Polônia etc não resolveram o holocausto dentro da Europa? Se eles se sentem tão mal, por que exportam, deportam, enviam, de uma maneira ou outra, os judeus para fora da Europa? A primeira discriminação é quando eles não conseguem conviver com o outro e esse é um problema europeu, fundamentalmente. A segunda, quando eles resolvem o problema fora do território, sem observar que existe naquele território um povo que há milhares de anos estava vivendo tranquilo, tendo uma vida tranquila. Sem tecnologia, está certo, porque a revolução industrial não tinha chegado aos nossos lados ainda. Só que a gente vivia, criava, rezava à nossa maneira, vivia à nossa maneira. Por que os que cometeram o holocausto não foram capazes de resolver isto? O nosso problema não é com judeus. O nosso problema é com este momento político, que politizou esta dor dos judeus, criando um Estado, substituindo um outro povo que estava no lugar. Não tenho problema com judeus, tenho vizinhos judeus”.

Cobertura da mídia

“Nosso problema é informação. Além de territorial e político, de informação. Até poucos anos atrás, os palestinos eram os que agridem os israelenses. E eles são os ‘pobrezinhos’ que estão sendo cercados por 200 milhões, 300 milhões de árabes, que não deixam eles viverem. Aparentemente, esta era a versão. Até que, com esta revolução da informática e também com o trabalho de formiga que a gente está fazendo, estamos mostrando que essa não é a verdade. (…) A informação não era conhecida. A informação era que o povo judeu, desterrado, voltou à terra prometida. Não diziam que (os judeus) foram discriminados durante dois mil anos na Europa ou que os judeus são uma religião. O cristianismo, o judaísmo, o budismo, o islã são religiões. Sempre foram religiões. Não existe nacionalidade. Todos os muçulmanos são da nossa nacionalidade? Os cristãos? E por que os judeus são? É uma falácia. Aquilo que une os judeus no mundo, aquilo que une os muçulmanos no mundo, é a religião. Quero deixar claro que houve um problema de desinformação. Ao longo destes anos. E eu posso só sugerir que os jornalistas devem aprofundar sempre as informações.

Reconhecimento

“Sem dúvida (foi muito importante o reconhecimento da Palestina). Já podemos recorrer a outras instâncias dentro do mapa da ONU. O mundo já reconhece que existe um território ocupado, não só um território disputado. Os nazistas ocuparam a França e a França não deixou de existir. O território palestino está ocupado por Israel literalmente. Tem coisas básicas. Quem ocupa a quê? Quem impede o direito de quem? São perguntas básicas. Os presos políticos são israelenses nas casas palestinas? Ou vice-versa? A partir daí podemos analisar”.

Concessão de territórios

“Os israelenses iriam querer todo o território palestino. Em face de que ia resolver problema habitacional à custa dos palestinos. Existe um direito internacional. Nós aceitamos um mandato, no direito internacional, de que para a Palestina só sobram 22%. Já aceitamos. E desafio qualquer povo do mundo a aceitar, em 50 anos de conflito, abrir mão de 78% do seu território. Nós abrimos mão e já aceitamos em troca de paz. Só 22% para criar nosso Estado. Existe o direito internacional. Existe o direito divino. Ou aplicamos o que disse a religião ou aplicamos o que diz o direito internacional”.

Acordo é possível?

“Eu sinto a solução bem clara. Vamos aplicar a lei. Se aplicamos a lei internacional, se implementarmos, está resolvido o problema. Por que não se implementa a resolução 181 de novembro de 1948, que fala do Estado palestino? Simplesmente implementa a resolução 242 (da ONU), que decide a retirada de Israel. A resolução 194 fala de retorno dos refugiados. Vamos negociar”.

Negociação

“Quando há discórdia, qual é a solução? Não é negociar? Já tem a equipe negociadora que está resolvendo isso. E se está negociando, é porque é possível chegar a um acordo. Se nos aceitarmos mutuamente, chegamos a um acordo. Se aceitarmos o direito internacional, temos solução. Se aceitarmos que a força é a solução, então Israel tem que esperar, porque a força vem. E nós não queremos que seja solucionado pela força. Porque Israel até agora tem resolvido tudo pela força. E recorda que existe uma defesa física? A cada ação corresponde uma reação equivalente e contrária. E pode ser maior. Ou não. Então o povo de Israel tem que pôr fim a esse ciclo de violência e atender e respeitar o direito internacional. Devem entender o curso da história. Mais forte do que Roma não existia naquela época. E onde está Roma? Está nessas ruínas. Onde está Hittler? Mussolini? Onde ficou a União Soviética? Stálin? Israel tem que entender que o mundo está em constante movimento. A única garantia da segurança de Israel é a paz. Porque quando cria muro não dá para jogar pedra, mas existem mísseis. Quando se cria escudo antiaéreo, existem outros etc etc. Uma realidade é a mentalidade perturbada do homem. Tem muitos na história que caíram meio malucos e levaram toda a gente a uma situação sem saída, não?

Reconciliação?

“Precisa de educação. Educa-se o israelense que eu sou o seu vizinho. Em 20 anos, meus netos vão aceitar. Se sigo educando que nós somos gente, meus filhos, meus netos não vão brigar. Ensina nos seminários aos judeus que nós palestinos somos gente. Manda seus filhos servirem no território ocupado. Manda sentir lástima se você mata, porque estão matando gente. Como eu poderia conviver com gente assim? Educação. Eles têm que revisar sua educação. E eu tenho que revisar minha educação. Eles têm que ensinar que essa terra prometida, conforme Deus, não é somente para eles e sim para todos os monoteístas, porque essa ideia de terra prometida é de quando nasce o monoteísmo, essa terra prometida. A terra prometida é para o monoteísmo, não para judeus. O judaísmo vem 700 anos depois de terem sido levados da Babilônia. O judaísmo não nasce na Palestina, se desenvolve na Palestina. O islã não nasce na Palestina, se desenvolve na Palestina. O único que nasce na Palestina é o cristianismo. Se há de ter direito histórico na Palestina, ninguém, mais do que o cristianismo, porque nasce, se desenvolve e de lá se expande ao mundo”.

Israelenses apoiam

"Apoiamos essa gente. São nossos parceiros. Também temos gente que não acredita, como no outro lado, que tem fanáticos. Só que o fanatismo do lado de Israel é maior, porque a ocupação é bastante benéfica para eles. Manter a ocupação é ter seis vezes mais água que nós, é fazer uso e abuso de todos os nossos recursos hídricos, é ter mão de obra barata e escrava, que é a mão de obra palestina. É ter consumidores obrigados a comprar os produtos deles. É só benefício. A ocupação é a empresa mais lucrativa de Israel”.

Posição brasileira

“Para nós, é muito importante. Sem dúvida, porque o Brasil é uma potência continental muito importante em nível mundial. E tem parcerias com grupos muito importantes. Então a presença brasileira e a opinião brasileira é muito importante para nós. E sempre tem sido uma posição muito equilibrada, a favor do direito internacional. Contra a ocupação, porque o direito internacional está contra a ocupação, contra a colonização, contra os assentamentos, porque o direito internacional não admite. Contra os assassinatos políticos”.

Primavera árabe

“Sem dúvida, influencia, mas aparentemente a hora é negativa. Porque todo o mundo está com toda a atenção dirigida ao Egito, Síria etc etc. A longo prazo é favorável para pôr fim a este conflito. Acredito que o que está acontecendo com o mundo árabe é uma nova república. É uma nova independência, porque desde a primeira independência não houve grandes movimentos importantes do povo, de poder contar com seus próprios recursos nacionais e acredito que no final quem vai ganhar são os povos árabes, dominando seus destinos e melhorando a vida de seu cidadãos. E, neste caso, não aceitando o que está acontecendo com palestinos.

Fonte: O Povo