Álvaro Cunhal deixou um legado de conhecimentos e esperança

Quem teve a oportunidade de conhecer e ouvir o camarada Álvaro Cunhal, ou que hoje estude os documentos da sua vida e procure entender a fusão alcançada por ele entre o ser humano, o intelectual, o artista, o militante e o dirigente comunista, assume o dever de participar e contribuir no processo de transformação que ocorre no presente fazendo uso do seu exemplo e do legado científico e filosófico que nos deixou.

Por Zillah Branco*, de Lisboa, especial para o Vermelho

A luta dos povos durante o século passado deu-se contra as formas de opressão política e patronal que constituem a estrutura do sistema capitalista mas, também, contra os seus reflexos no interior das várias culturas humanas carregadas de medos e preconceitos, que levam ao uso prepotente da força e à incapacidade de respeitar os mais frágeis, conhecer plenamente a realidade e compreender a justiça e a ética.

No calor do processo revolucionário os militantes comunistas amadureceram incorporando as qualidades humanas que abriram múltiplos caminhos de luta: pela democracia, pelos direitos trabalhistas, pela igualdade de direitos das mulheres, pela valorização dos idosos e das crianças, contra os preconceitos raciais, de crenças, de gênero, de condições de saúde e opções de vida.

A queda da URSS e do sistema socialista na Europa não destruiu as conquistas ideológicas que foram desenvolvidas com a Revolução de Outubro e absorvidas em todo o mundo. 
O longo trabalho de formação nas escolas soviéticas e dos demais países socialistas – de quadros profissionais e militantes de todos os continente – assegurou o êxito das transformações revolucionária empreendidas por povos que lutavam contra a opressão colonialista e imperialista que os asfixiava. 

O apoio à divulgação de textos teóricos e notícias das lutas de libertação em todo o mundo, para a formação de uma cultura livre do controle mediático capitalista, permitiu o esclarecimento de grandes massas sobre o caminho da emancipação social como base dos Direitos Humanos fundamentais.

A existência por 80 anos de uma sociedade socialista mudou o curso da história mundial abrindo caminhos de luta para que a humanidade não aceite a escravização imposta por elites que se apropriaram das riquezas nacionais.

O camarada Álvaro Cunhal defendeu sempre a necessidade de "ouvir 

o outro", dialogar, compreender as diferenças, procurar o caminho para promover "alianças", com o objetivo de ampliar as bases de apoio ao caminho revolucionário e conquistar as massas trabalhadoras.

Foi assim que, na década de 1940 o jovem dirigente orienta o PCP no sentido de estimular a organização de setores democráticos não comunistas a desencadearem lutas contra o fascismo e a opressão ditatorial.

O resultado do longo percurso partidário permitiu, meio século depois, a eclosão do 25 de Abril com o êxito da ação do MFA, o fortalecimento do movimento sindical, o fim da guerra colonial e a queda do regime ditatorial em Portugal, com amplo apoio da população e de organismos internacionais defensores da Paz mundial.

Em 2003, Álvaro Cunhal enviou a sua reflexão para o Encontro Interna

cional da "América Latina: sua potencialidade transformadora no mundo de hoje". Compreendeu que as diferentes culturas seguem cursos históricos específicos, alternativos às experiências europeias.
Naquele texto recomenda: "os trabalhadores, os povos e as nações não podem aceitar que a ofensiva global seja irreversível" e deverão organizar "as forças capazes de impedir que o imperialismo alcance o seu supremo objetivo".

Faz um alerta: "apesar de ser por caminhos diferenciados, complexos e sujeitos a extremas dificuldades, é essencial para a humanidade que alcancem com êxito tal objetivo".
Aponta as bases para a luta que continua e hoje exige a nossa decidida participação em todo o mundo:

"Primeiro: os países nos quais os comunistas no poder (China, Cuba, Vietname, Laos, Coreia do Norte) insistem em que o seu objetivo é a construção de uma sociedade socialista.

Segundo: os movimentos e organizações sindicais de classe, lutando corajosamente em defesa dos interesses e direitos dos trabalhadores.

Terceiro: partidos comunistas e outros partidos revolucionários, firmes, corajosos e confiantes.

Quarto: movimentos patrióticos, com as mais variadas composições políticas, atuando em defesa dos interesses nacionais e da independência nacional.

Quinto: movimentos pacifistas, ecologistas e outros movimentos progressistas de massas."

Na América Latina cresce o número de nações com governos progressistas que, apesar das pressões políticas ostensivas e das infiltrações imperialistas em setores de oposição que agem dentro dos Estados e através de redes do crime organizado, têm reunido um conhecimento aprofundado da realidade social que permite atender e valorizar populações antes marginalizadas integrando-as com os direitos de cidadãos na vida nacional. Retiram das condições desumanas de fome e miséria milhões de pessoas, integrando-as como cidadãos na sociedade.

Esta grandiosa tarefa só é possível com o apoio fundamental e revolucionário dos movimentos sociais, sindicais e de moradores, as iniciativas de participação popular organizadas e a efetiva aliança com partidos de esquerda. Os Partidos Comunistas levam a esses movimentos a experiência revolucionária centenária no mundo e a capacidade organizativa adquirida na luta.

Este vínculo direto de Governos democráticos com a realidade em que vive o povo, permite canalizar os recursos necessários ao desenvolvimento de novas atividades e usufruir da capacidade criativa na produção de bens e ideias construtivas.

A contribuição levada por professores e estudantes neste processo democrático de desenvolvimento estabelece uma aproximação do sistema educacional com a realidade profunda contribuindo para o enriquecimento intelectual e profissional das sociedades.
A militância organizada dos comunistas alimenta-se e contribui para o aprofundamento da educação social e da formação profissional nos múltiplos setores do desenvolvimento econômico e da organização das forças produtivas.

O camarada Álvaro Cunhal referiu-se em carta (de 28 de Fevereiro de 2003), ao processo de eleições presidenciais democráticas vitoriosas na América Latina como "grande acontecimento político positivo que não exclui contradições e dificuldades graves. Anoto também, (diz Álvaro Cunhal) que quaisquer comparações com acontecimentos em Portugal, antes e depois da revolução de Abril, com extrema prudência podem ser avançadas."

Hoje vemos que, não só na América Latina mas na Ásia e na África, caminhos revolucionários adequados às condições históricas e culturais que formaram nações e povos independentes, têm alcançado significativos êxitos nacionais e internacionais no processo democrático mundial.

Camaradas, unidos em todo o mundo, venceremos!

*Zillah Branco é cientista social, militante comunista, colaboradora do Vermelho e integrante do Conselho do Cebrapaz.