O linhão paraguaio, o porto de Mariel e a paralisia nacional

Nos últimos dias, dois importantes fatos marcaram a nossa política externa e a participação do Brasil no processo de desenvolvimento e integração da América Latina. A linha de alta tensão entre a usina hidrelétrica de Itaipu e Assunção, e a abertura, a investidores estrangeiros, da nova Zona de Desenvolvimento de Mariel, junto ao porto cubano de mesmo nome.

Por Mauro Santayana*, na Carta Maior

A linha Itaipu-Assunção, de 500 kW, custou 555 milhões de dólares, e é a primeira grande obra financiada pelo Fundo de Convergência Estrutural do Mercosul (Focem), criado para fomentar projetos nas menores economias do grupo.

A maior parte do financiamento, quase 400 milhões de dólares, ficou a cargo do Brasil, no contexto dos acordos firmados entre os ex-presidentes Lula e e Fernando Lugo.

Na mesma época, aumentou-se também a compensação paga ao Paraguai pela energia de Itaipu, que passou de 120 para 360 milhões de dólares por ano.

A obra, de cuja inauguração participou a presidente Dilma Rousseff, ao lado do novo presidente Horacio Cartes, é emblemática para o futuro do Mercado Comum do Sul (Mercosul) e o processo de integração sul-americano.

Primeiro, porque mostramos à Europa e aos Estados Unidos que podemos cuidar – técnica e financeiramente – dos grandes desafios de infraestrutura regional, sem precisar de nenhuma ajuda ou interferência deles.

Segundo, porque permitirá que inúmeras empresas brasileiras, que sofrem com a concorrência chinesa, aqui e em terceiros mercados, devido à diferença do custo de energia elétrica entre os dois países, possam melhorar suas condições de competição, instalando-se em território paraguaio, para fabricar para o mercado brasileiro e o internacional.

Mas, sobretudo, porque, abrindo caminho para o desenvolvimento econômico e social do país vizinho, essa obra contribuirá para erodir o discurso de radical antagonismo aos sócios do Mercosul.

A tática da direita paraguaia é a de manter sempre acesa a chama (que tremula na mente do público mais conservador) do ressentimento histórico contra o Uruguai, a Argentina, e, principalmente o Brasil, por causa da derrota do país na Guerra da Tríplice Aliança.

É esse ressentimento que faz com que o Paraguai, seja visto, hoje, por muitos, como o melhor instrumento (um verdadeiro cavalo de Tróia institucional) para as inúmeras tentativas de sabotagem e enfraquecimento do Mercado Comum do Sul e da União das Nações Sul-americanas.

Os EUA, a Espanha e o México, com a “Aliança do Pacífico” (que não passa de um mito, os mexicanos crescerão neste ano 1,2%, menos da metade que o Brasil) querem transformar o Paraguai em enclave ideológico neoliberal na região.

E há paraguaios que defendem não só a saída do país do Mercosul, mas também a abertura de seu território para a instalação de bases militares norte-americanas.

Se o linhão paraguaio é grande exemplo de que a integração sul-americana, do ponto de vista da infraestrutura, pode ser bem sucedida, o mesmo acontece com o novo porto cubano de Mariel, e com a Zona de Desenvolvimento Econômico que está sendo construída em seu entorno, no âmbito latino-americano.

Cuba precisa provar que pode seguir em frente, com um modelo de desenvolvimento próprio, apesar da pressão e do bloqueio norte-americano. E o Brasil está presente nesse contexto, financiando e construindo (também em seu próprio benefício) o maior projeto em execução na ilha desde a revolução cubana de 1959.

Os cubanos querem descobrir (como os chineses já o fizeram) se o capitalismo de estado pode funcionar como instrumento de desenvolvimento e de melhora da qualidade de vida da população. E assim evitar que, no futuro, tenham que agregar, sem alternativa, o país ao projeto imperial norte-americano, como já fez Porto Rico, e, em certa medida, o México.

Para isso, além da modernização da indústria açucareira e da agricultura (também com cooperação brasileira) Havana está de olho na duplicação do Canal do Panamá, que deverá aumentar, exponencialmente, a movimentação de cargas na região, a partir de 2015.

Essa é a razão que está por trás do novo Porto de Mariel (construído pela Odebrecht e financiado pelo Brasil em 80%) que contará com capacidade para o transbordo de um milhão de contêineres por ano. E, também, da área industrial em torno dele, criada para atrair empresas latino-americanas que queiram produzir mercadorias com destino ao Pacífico e fábricas japonesas, chinesas, e vietnamitas, por exemplo, que fabriquem produtos para os mercados do Atlântico e da América Latina.

Mariel e a Linha Itaipu-Assunção, representam duas importantes vitórias geopolíticas para o Brasil, em nossa região do mundo.

Que suscitam a questão seguinte: se podemos fazer isso lá fora, com prazo, competência e preço, porque não podemos fazer aqui dentro?

Em território brasileiro, há dezenas de grandes projetos de infraestrutura paralisados neste momento. É preciso descobrir o que os está travando. Se a burocracia, falhas de projeto, ou mera sabotagem mesmo.

*Mauro Santayana é colunista político do Jornal do Brasil, diário de que foi correspondente na Europa (1968 a 1973). Foi redator-secretário da Ultima Hora (1959), e trabalhou na Folha de S. Paulo (1976-82), onde foi colunista político e correspondente na Península Ibérica e na África do Norte.