Fafá Viana: Por que comemorar 25 anos da Constituição Cidadã?

Livre não sou, que nem a própria vida
Me consente.
Mas a minha aguerrida
Teimosia
É quebrar dia a dia
Um grilhão da corrente.
(Miguel Torga)

Promulgação da Constituição de 1988
O Brasil e seu povo vivem o mais longo período de liberdade e de estabilidade política, iniciado com a eleição do primeiro presidente civil após o golpe militar de 1964, cuja base e expressão mais genuína repousam na Carta Constitucional ou “Constituição Cidadã”, promulgada pelo Congresso Nacional em 05 de outubro de 1988.

A Constituição Cidadã resulta da luta ininterrupta dos brasileiros pela construção da independência, da soberania e do desenvolvimento nacional. Esse sonho, acalentado por séculos, motivou a edição dessa e de todas as Constituições promulgadas no país.

A Proclamação da República em 1889 e o fim da Monarquia deram origem a uma nova ordem política, expressa legalmente na Constituição Republicana, promulgada em 1891, para consagrar a adoção do federalismo no Brasil.

A Revolução Constitucionalista de 1932, durante o primeiro governo de Getúlio Vargas, serviu de fundamento ao texto da Constituição de 1934, com vários avanços, entre os quais se destacam o direito de voto às mulheres e a criação da Justiça do Trabalho.

Todavia, a Constituição liberal de 1934 teve vida curta, logo substituída pela Carta de 1937, outorgada por Getúlio Vargas após o golpe de Estado, que implantou a ditadura do “Estado Novo”. A nova Carta instituiu a pena de morte e pôs fim à independência entre os poderes da República.

O fim da Segunda Guerra Mundial e do “Estado Novo” produziu ambiente político incompatível com a ordem institucional de 1937, dando ensejo a uma nova Carta Constitucional. A referida Carta, promulgada em 1946 durante o governo Gaspar Dutra, de caráter democrático, pôs fim à pena de morte, restabeleceu os direitos individuais e as eleições diretas para presidente da República.

Novamente, em 1964, a normalidade democrática foi interrompida com a deposição do Presidente João Goulart pelos militares e a implantação de uma ditadura militar, que perdurou por 21 anos. O ambiente de restrição das liberdades e exceção política levou à outorga da Constituição de 1967, no governo do general Castelo Branco.

A Constituição de 1967 foi alterada em 1968, pelo Ato Institucional nº 5 e, em 1969, pela Emenda nº 1, considerada pelos historiadores como a Constituição de 1969. Muito embora, oficialmente, a Constituição do regime militar tenha sido a de 1967.

No início dos anos 1980, a luta popular e a crise econômica desencadearam a transição para o regime democrático, que evoluiu da Lei da Anistia, para a emenda Dante de Oliveira, a eleição de um civil para a presidência da República no colégio eleitoral, até a convocação da Assembleia Nacional Constituinte, em 1987.

A Assembleia Nacional Constituinte instalada pelo então presidente do Supremo Tribunal Federal, ministro Moreira Alves, em 1º de fevereiro de 1987, teve duração de 01 ano e 07 meses. Durante esse período, os constituintes analisaram aproximadamente 40 mil emendas, sendo 122 de iniciativa popular, assinadas por mais de 12 milhões de brasileiros, das quais 83 foram incorporadas ao texto final.

A nova Constituição Brasileira restabeleceu a ordem democrática ao definir que a “República Federativa do Brasil constitui-se em Estado Democrático de Direito”, tendo como fundamento a soberania, a cidadania, a dignidade da pessoa humana, os valores sociais do trabalho e da livre iniciativa e o pluralismo político, além de afirmar como princípios a autodeterminação dos povos, os direitos humanos e a defesa da paz.

Para preservar a ordem democrática, o constituinte estabeleceu como cláusulas pétreas – que não podem ser alteradas por emenda constitucional -, a forma federativa de Estado, o voto direto, secreto, universal e periódico, a separação dos poderes, os direitos e as garantias individuais.

A Constituição Cidadã é sem dúvidas uma conquista do povo brasileiro e permanece sendo considerada como uma das mais avançadas e democráticas do mundo. Seu conteúdo reflete a força das mobilizações populares, mediadas pelos interesses de uma sociedade divida em classes sociais, na qual predomina a força política do capital.

O aniversário de 25 anos da Carta de 1988 é uma data muito importante e merece todas as comemorações. Mas é também uma oportunidade para reforçar os pressupostos de sua elaboração e para passar em revista a regulamentação e efetiva aplicação de seus preceitos.

Passados 25 anos da promulgação, muitos dos artigos da Constituição Cidadã restam apenas proclamados, sem regulamentação, como é o caso dos artigos relativos à comunicação social e à taxação das grandes fortunas. Mais gritante ainda é a falta efetividade do direito constitucional à educação e à saúde.

A restituição da liberdade e da ordem democrática constitui-se em um marco relevante da História nacional, mas a liberdade não pode ser vista como um fim, senão como meio importante e necessário para alcançar a justiça social, no patamar mais elevado da compreensão da sociedade brasileira sobre o valor JUSTIÇA

Fafá Viana é dirigente sindical do SINDIPETRO/RN, socióloga, advogada e militante do PCdoB.