Vannuchi: sessão da Corte Interamericana pode derrubar anistia

O analista político Paulo Vannuchi avalia que a sessão da Corte Interamericana de Direitos Humanos realizada esta semana em Brasília pode encorajar ministros do Supremo Tribunal Federal (STF) a reabrir o debate sobre a decisão de 2010 de avaliar que a Lei de Anistia englobava graves violações cometidas durante a ditadura (1964-85).

“O evento tem uma enorme importância para o Brasil”, disse nesta terça (12), na Rádio Brasil Atual. “Sobretudo porque está pendente a solução do problema da guerrilha do Araguaia, em que esta mesma Corte já tomou uma decisão correta, em dezembro de 2010, determinando que o Estado localize os corpos de aproximadamente 70 guerrilheiros, cujas famílias não tiveram ainda sequer o direito de sepultar os seus mortos, que o Estado brasileiro apure as necessidades institucionais e individuais de prender quem torturou e quem matou, promova a reparação simbólica, porque a reparação indenizatória já foi feita, e aprove novas políticas públicas para a não repetição.”

Em dezembro de 2010, a Corte Interamericana definiu que o Estado brasileiro era culpado no caso da Guerrilha do Araguaia, realizada entre os atuais estados de Tocantins e Pará, por não promover esforços para conhecer a verdade sobre a repressão ao movimento de resistência à ditadura e de não punir os agentes do Estado responsáveis por violações.

Em abril daquele ano, porém, a maioria dos ministros do STF já havia manifestado o entendimento de que a Lei de Anistia valia para todos os casos de desrespeito aos direitos humanos. Em seguida, a Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), responsável pela arguição de descumprimento de preceito fundamental, apresentou recursos, que até hoje não foram julgados. O responsável pelo voto vencedor, Eros Grau, não está mais na Corte, que de lá para cá ganhou uma composição que pode favorecer a revisão da decisão de 2010 para que se adeque à determinação do órgão regional.

Do ponto de vista da Convenção Interamericana de Direitos Humanos, o Brasil tem descumprido as determinações da Corte Interamericana em vários aspectos, entre eles o de continuar a considerar válida a Lei de Anistia, sem punição a agentes que cometeram uma série de violações. Na visão de Paulo Vannuchi, que foi ministro da Secretaria de Direitos Humanos da Presidência da República no segundo mandato de Luiz Inácio Lula da Silva, o STF agiu de maneira equivocada.

“Ela não protege e nós, como democratas, temos que insistir no caminho de levar o Supremo a rever sua decisão. Agora com sua nova composição, com algumas pessoas mais vinculadas à história do respeito aos direitos humanos, o Brasil inteiro aguarda esta decisão”, disse, elogiando a disposição do presidente do STF, Joaquim Barbosa, de promover a sessão da Corte Interamericana no Brasil – a segunda desde 2006. Até quinta-feira, é realizado em Brasília o julgamento de violações cometidas por forças militares da Colômbia, em fevereiro de 1985, que resultou na execução de um militante do movimento guerrilheiro M-19 e no desaparecimento forçado de outros 12, no episódio conhecido como “A Tomada do Palácio da Justiça”.

“Fica mais difícil, depois disso, para os juízes do Supremo brasileiro ao examinarem em decisão final a sentença da Corte sobre o Araguaia, o Supremo, por maioria, encaminhar contra a decisão como fez equivocadamente no caso de abril de 2010, depois de ter promovido um evento dessa importância”, complementa Vannuchi. “É relevante registrar a ausência na abertura ontem de ministros como Gilmar Mendes e outros que sinalizam, dessa forma, a prerrogativa de que não concordam com essa parceria, porque ela pode representar sim o passo que ainda falta ao Brasil no reconhecimento pleno de que a Lei de Anistia, de 1979, não pode seguir um obstáculo à profunda apuração e responsabilização individual de todos os torturadores brasileiros.”

Na segunda (11), durante a abertura dos trabalhos, a presidenta Dilma Rousseff manifestou que a Corte Interamericana é um “fator fundamental” na consolidação da democracia na América Latina. Por meio de mensagem lida pelo ministro da Justiça, José Eduardo Cardozo, Dilma afirmou ainda que o órgão representa "o compromisso do continente com a defesa da democracia, do Estado de Direito e dos direitos humanos, que são parte fundamental do exercício democrático". Ela citou a Comissão Nacional da Verdade como exemplo dos esforços que o Executivo vem promovendo na busca do resgate do que ocorreu durante a ditadura. O problema, porém, é que Legislativo e principalmente o Judiciário não têm cumprido com outras determinações da Corte.

O presidente da Corte Interamericana, Diego García-Sayán, deixou claro mais uma vez, agora em Brasília, que não aceita lidar com anistias e autoanistias, como é o caso do Brasil. A visão corrente no Direito internacional é de que violações aos direitos humanos são crimes imprescritíveis porque não cessam enquanto não forem punidos. No caso brasileiro, em especial o desaparecimento de pessoas e a tortura se enquadram nessa definição.

Fonte: Rede Brasil Atual