Alexandre Braga: A consciência negra hoje
Em 2001, a Organização das Nações Unidas (ONU) realizou sua mais importante inserção no campo da preservação dos direitos humanos com a aprovação dos textos da 3ª Conferência Mundial com o Racismo, Discriminação Racial, Xenofobia e Intolerância Conexa, na cidade de Durban, na África do Sul, em que participaram 2.300 representantes de 163 países, 16 chefes de Estados, 100 ministros e 4.000 Organizações Não Governamentais.
Por Alexandre Braga, Unegro
Publicado 19/11/2013 16:16
Como resultado dessa atividade e das intensas negociações para aprovarem os temas controversos e polêmicos, deliberou-se um Plano de Ação e um Programa para a execução de políticas públicas em pelo menos 140 países no Globo. Nestes, são beneficiários os grupos étnicos que passaram por diversas tragédias históricas, como a escravidão, o genocídio, o feminicídio, as guerras civis, os massacres e outras formas de extermínio em massas.
Portanto, para lá da questão de “raça”, o conjunto de políticas que visam à promoção humana é motivado por uma inequívoca situação étnica, mas não somente isso, que explodiu justamente devido à falta de mecanismos governamentais que zelassem pelo fortalecimento da malha democrática, da liberdade e pela presença positiva desses agrupamentos minoritários nos meios de comunicação no grupo de 140 países e nos demais mundo afora. Assim, ficou latente que raça não existe, mas existe racismo. E com base nessa constatação, os governos – por meio de seu aparato intergovernamental – e a sociedade civil foram provocados a assumirem uma atitude mais intervencionista para eliminar a tragédia histórica do racismo, por um lado, mas também, por outro, a executarem ações que promovessem a inclusão desses agrupamentos humanos nas políticas públicas dos governos, isso com agenda própria, com focagem específica e com orçamento direcionado para tal objetivo.
Daí que o Brasil, na vaga dos contextos internacionais, passou imediatamente a colocar em sua visão política e em seu desenho institucional instrumentos que tivessem como mira as populações negra e indígena. Ou seja, depois de mais de 10 anos da Conferência da ONU que pautou a problemática racial, o país possui um significativo cabedal para lidar com a questão étnica, que por situações diversas e em épocas díspares, deixou as elites perplexas, sanduichou-se de sangue e mostrou a força da desobediência civil tupiniquim, coroando uma presença maciça e constante de um povo sensual, fogoso e politizado. Só como exemplo, somando-se às propostas aprovadas em conferências temáticas dos 1º e 2º governos Lula e os do atual Governo Federal, chegaremos a em torno de mais 3.000 propostas, frutos das conferências de juventude, mulheres, cultura, saúde, bem como outros temas de caráter nacional, estadual e municipal. Isto é, o povo brasileiro, seja no âmbito das lutas sociais, seja na trava institucional, quando foi chamado, sempre participou para melhorar os rumos do país.
E é nesse contexto de mobilizações populares que sacodem o Brasil e com as pautas efervescentes da questão racial que estamos comemorando e lembrando nosso pertencimento étnico negro e dando um olhar positivo à memória de Francisco Zumbi, do Quilombo dos Palmares, nossa principal experiência “socialista” e uma das sagas mais vitoriosas das lutas do povo brasileiro para construir uma nação soberana, forte e desenvolvida. É isso o que significa a consciência negra. E é para fazer dessa conscientização um projeto de país que as recentes políticas públicas em prol da população negra precisam ser contínuas e influenciar também nos parlamentos, loco mais contundente do apartheid que separa negros e brancos na representação parlamentar. Outro exemplo, enquanto a autodeclaração étnica afro pode chegar a 52% de negros no Brasil, no Congresso Nacional e nas Assembleias Legislativas a presença de parlamentares negros e negras não ultrapassam os 9%. Ou seja, oficialmente, além de racista, o Brasil tem um regime perverso de separação racial. Por isso, a consciência negra, hoje, está na agenda da sociedade para exigir uma reforma política com financiamento público de campanhas eleitorais, democratização e revezamento das direções partidárias, cota para candidaturas negras nos certames, inserção da estética afro nos meios de comunicação e pela valorização dos direitos humanos, e, claro, a eliminação gradual das desigualdades sociais e regionais.
*Alexandre Braga é Diretor Nacional de Comunicação da União de Negros Pela Igualdade (Unegro) e estudante de Ciências do Estado na UFMG