Miguel Silva: A greve nas universidades Estaduais do Ceará

Por *Miguel Silva

A greve nas universidades estaduais do Ceará teve inicio pela UECE, a partir de uma ampla mobilização no Campus de Itapipoca, depois chegando aos campus do Itapery e aos outros campus do interior do estado. O movimento grevista chegou a URCA e posteriormente a UVA. É importante destacar que esta não é uma greve econômica, ou seja, não é uma greve onde os professores estão reivindicando melhorias salariais, mas a suspensão imediata no corte de verbas destas universidades, impetradas pelo governo do estado desde o início do segundo semestre letivo de 2013, além de melhorias nas condições de trabalho, garantia de uma política efetiva de assistência estudantil, concurso público para professores efetivos e servidores técnicos administrativos e a efetivação do PCCV, que vem sendo discutido desde 2008.

Está claro então que esta é uma greve mais do que justa, pelas suas causas e bandeiras, porque busca garantir as condições mínimas para que as universidades cearenses cumpram seu papel histórico, que é contribuir com o desenvolvimento equitativo e sustentável do nosso estado.

Dito isto gostaria de me reportar especificamente à situação da Universidade Estadual Vale do Acaraú – UVA, onde atuo desde 1991 como dirigente do movimento estudantil e agora como professor, portanto, conheço relativamente os nossos desafios, que além destes que estão elencados na pauta geral das três universidades, têm agravantes mais significativos e que precisam ser superados urgentemente.

A assembleia geral de professores, que deflagrou a greve na UVA foi realizada no dia 07/11/2013 e, apesar de naquele momento ter a opinião que deveríamos discutir um pouco mais com um conjunto maior dos professores(as), a maioria dos(as) docentes presentes entendeu que aquele era o momento para a deflagração da greve. Aprovada esta resolução, me emparelhei com estes, compondo o Comando de Greve da UVA, para contribuir com a sua condução, na busca de superarmos o impasse que, diga-se de passagem, é resultado da negativa do governo do estado em dialogar com o movimento, mesmo antes deste entrar em greve.

Esta dificuldade do governo do estado em dialogar com o movimento docente e discente das universidades estaduais está ancorada na sua concepção de que não é papel do ente estadual, responsabilizar-se pelo ensino superior. Esta é uma visão equivocada, que não considera a história do desenvolvimento destas instituições, nem a sua necessidade histórica, do período em que foram constituídas. As razões históricas que levaram homens e mulheres a erguerem as três universidades estaduais cearenses, na capital e no interior. Estão mais presentes do que nunca, pois estas instituições têm contribuído singularmente para o desenvolvimento do nosso estado, que ainda tem alta concentração de riqueza e um nível de pobreza significativo.

No caso específico da UVA, que fica encravada no sertão do Ceará, dentro do semiárido brasileiro, fico a me perguntar, o que seria de Sobral sem a UVA? Será que seríamos esta cidade polo? Será que teríamos este nível de desenvolvimento? Será que seria a cidade de referência da região? Será que seríamos quem e o que somos, sem a presença da UVA?

Desde a fundação desta instituição, lá pelo final da década de 1960, os seus estudantes são os trabalhadores, que não podendo estudar em Fortaleza encontraram na UVA uma possibilidade de emancipação pela formação superior, de aquisição do conhecimento e de qualificação profissional destes trabalhadores para qualificarem suas intervenções na sociedade.

Hoje, talvez mais do que nunca, a UVA recebe os filhos dos trabalhadores como estudantes, aqueles cujos antepassados, nunca tiveram oportunidade de frequentar uma universidade ou até mesmo uma escola de nível médio. O perfil sócio econômico destes estudantes, revela que a maioria é oriunda de famílias que recebem até dois salários mínimos de renda. Esta é uma informação extremamente relevante, uma vez que esclarece o caráter social que tem esta universidade e que, por isto, precisa de uma política de assistência estudantil ousada, intensiva e de qualidade. Mas a despeito disto, enquanto na UECE e URCA os estudantes têm residência e restaurante universitário, aqui na UVA não temos nenhum dos dois, criando ainda mais dificuldades para os estudantes da nossa universidade.

A UVA nasceu de um esforço de lideranças políticas e sociais, dentre as quais o pai do atual governador do estado, que compreenderam num determinado momento histórico, que aqui poderia sim ser instalada uma universidade. Com o espírito empreendedor e teimoso do sertanejo, que não se dobra diante das dificuldades, a UVA começou como instituição municipal e na década de 1980 foi encampada pelo estado, fruto de muita luta e mobilização junto ao governo da época. Na década de 1990, a UVA foi reconhecida com universidade, coincidentemente no período em que o governo do estado do Ceará era exercido pelo irmão do atual governador, e hoje, seu secretário de saúde.

É fundamental que o governador compreenda com clareza que as universidades estaduais (UECE, UVA e URCA), já existiam antes da sua chegada ao poder e continuarão existindo, após a sua passagem por ele, visto que estas instituições são históricas e serão permanentes, enquanto sua passagem pelo poder é circunstancial e transitória.

A UVA tem uma história e uma referência regional, tem contribuições importantes na vida política, econômica e social desta região, apesar dos dirigentes que se sucederam após o seu reconhecimento, desenvolverem aqui uma visão mercadológica de instituição superior e não terem preocupação de estado com esta instituição. Estes dirigentes buscarem atuar na UVA com pensamento e princípio mercantilista e privatizador. Em boa medida isto aconteceu porque o processo de escolha dos dirigentes da UVA foi, até agora, absolutamente alheio à comunidade acadêmica, aos seus anseios e as suas perspectivas, reduzindo-se a uma consulta meramente formal, onde um pequeno grupo de indicados elegem o reitor da UVA. Este processo está absolutamente superado e tem sido causa de muitos dos problemas que enfrentamos nesta instituição.

Esta é uma questão central da nossa luta em defesa da universidade pública, gratuita, de qualidade social e democrática. Este movimento grevista na UVA precisa entender com muita clareza, que não é mais possível, nem aceitável, que um processo antidemocrático, fechado, limitado, sem debate ou qualquer discussão com a comunidade universitária sobre os rumos da UVA, continue a determinar quem dirigirá esta universidade.

Em determinados momentos o estatuto foi mudado a toque de caixa, mutilado, sem o menor pudor ou preocupação com a instituição, apenas para possibilitar que os amigos do “rei” continuassem usando a instituição com suas concepções mercadológicas, mercantilistas e privatistas, deixando de lado a comunidade universitária e seus mais legítimos anseios de termos aqui uma universidade socialmente referenciada.

Apesar disto e destes, a UVA tem demonstrado todo o seu potencial, superado obstáculos e tentado encontrar o seu caminho de universidade pública, gratuita, de qualidade social, referenciada pela comunidade acadêmica e reconhecida pela sociedade, fruto da compreensão, da força, da mobilização, do debate e dos embates travados por professores e estudantes em defesa desta causa, além do esforço dos servidores que, apesar de intensamente reduzidos, têm buscado oferecer o melhor do seu trabalho para manter a UVA com a sua bandeira erguida bem alto e tremulante.

Este momento grave em que vivemos, como diz o filósofo Sérgio Cortella, é também um momento grávido, pois traz possibilidades para a nossa universidade. A nossa tarefa é então fazermos este “parto”, que não será natural, mas se dará a partir desta greve, pois ela precisa garantir a convocação imediata de uma ESTATUINTE PARA A UVA, que possa mobilizar toda a comunidade acadêmica e promover um intenso e frutífero debate sobre a concepção de universidade que queremos, seus rumos, suas perspectivas e que possamos de forma participativa, plural e representativa, derrubar o último bastião da ditadura, do período de restrições democráticas e livremente fazermos a escolha do dirigente máximo da UVA, que é o seu (sua) reitor(a).

Não haverá vitória para este movimento de greve se não conseguirmos o feito da convocação da ESTATUINTE DA UVA. Esta bandeira não pode ser arriada, nem menosprezada, pois é uma bandeira histórica do movimento docente e discente da UVA, e agora é a hora de hasteá-la bem alto e com firmeza.

*Miguel Jocélio Alves da Silva é professor do Curso de Licenciatura em Matemática/UVA

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