Erros de Cartes nos 100 dias foram grande acerto para o Paraguai

As eleições realizadas em abril no Paraguai, após o golpe parlamentar que destituiu o presidente constitucionalmente eleito, Fernando Lugo, não trouxe mais democracia ao país. Ao invés de liberdade, direitos e conquistas sociais, o que se vê após os primeiros cem dias de governo de Horácio Cartes é o contrário: centralização do poder, militarização, e mais, muito mais neoliberalismo.

Por Vanessa Silva, do Portal Vermelho

Centenas de paraguaios saíram às ruas na quinta-feira (21) em um dos protestos no país contra o governo | Foto: José Villalba Carrillo

Mas, apesar da direitização, o saldo positivo destes dias é a crescente indignação que tem tomado conta do país devido às denúncias de corrupção e políticas impopulares adotadas já nos primeiros dias de governo. Na última segunda-feira (25), um massivo protesto foi realizado na capital Assunção para expressar o descontentamento dos paraguaios e os manifestantes prometem mais.

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Descontentamento em números

Tal sentimento pode ser traduzido em números. De acordo com o informe anual produzido pelo Instituto Latinbarómetro, apenas 30% dos paraguaios apoiam a gestão Cartes. Número baixo considerando que o empresário venceu o pleito eleitoral de abril com 45,8% dos votos.

Vale observar que em 2011, durante a gestão do presidente Fernando Lugo, a percepção de que o país avançava era compartilhada por 34% dos paraguaios. Hoje, apenas 18% consideram que a nação guarani está progredindo. Além disso, apenas 17% consideram que a situação econômica é boa ou muito boa. Apesar disso, os paraguaios são otimistas: para 62% é provável que o governo consiga resolver estes problemas nos próximos cinco anos.

Neoliberalização

O Paraguai é um dos países com menor arrecadação de impostos do mundo. A agricultura — sua principal fonte de divisas — é pouco ou nada tributada, sendo este um dos fatores para que o gasto social com projetos de combate à pobreza seja mínimo, o que faz aumentar a desigualdade social.

Neste sentido a proposta de Cartes foi privatizar os poucos recursos que restam nas mãos do Estado. Para isso, elaborou a Lei de Aliança Público Privada (APP), aprovada à revelia dos milhares de manifestantes que saíram às ruas para protestar contra o processo de venda do país. A APP prevê a entrega dos patrimônios do Estado para o capital privado através de alianças de concessão que podem durar até 40 anos com pouco ou nenhum retorno aos cofres públicos.

Também faz parte do pacote de medidas “antissociais” adotado por ele a Lei de Responsabilidade Fiscal, que nada mais é que uma fórmula para frear o aumento de despesas do Estado e adequar o país aos interesses de empresas estrangeiras, atraindo assim mais investimentos. Investimentos estes que não converterão em infraestrutura ou recursos para as periferias, ou para o sistema de saúde e educação precários.

Completam o quadro das iniciativas de Cartes a lei de Militarização, que permite intervenções militares em situações “de risco”, a ser definidas pelo presidente e a Lei de Proteção à Intervenção Estrangeira, que ainda tem conteúdo desconhecido.

Mais cidadania

Diante deste cenário, movimentos sociais do país estão se organizando e prometem uma “cidadanização da democracia” com protestos e mobilizações para exigir mais direitos sociais e o fim da corrupção.

À Prensa Latina, um dos integrantes do coletivo orientador dos protestos no país, Carlos López, afirmou que "o principal objetivo é que a cidadania seja ativa e protagonista dentro de um processo democrático, saia a reclamar de forma ativa, sem distinções, em um espaço no qual estejam todos”.

O movimento de indignados paraguaios não quer só criticar e lutar contra as irregularidades do governo, mas também debater o futuro político e social do país, além de propor outro sistema eleitoral com o fim das listas fechadas: “não queremos votar em partidos ou cores, mas diretamente em quem desejamos e isso o que o sistema atual não favorece”, esclareceu López.

Como escreveu um colunista do jornal paraguaio Ultima Hora, o que de melhor aconteceu nos primeiros cem dias foi justamente o que Cartes fez de “errado”, o que gerou a indignação popular e permitiu a mobilização dos cidadãos que saíram das redes sociais e ocuparam as ruas e praças do país.