Filme explora posição israelense sobre a "catástrofe" de 1948

A cena que dá nome a “On the Side of the Road” [“À margem da Estrada”], um documentário que explora a postura israelense relativa à Nakba, ou catástrofe palestina, ocorre no meio do filme, em uma estrada de terra, às portas da colônia de Ariel, na Cisjordânia. Interrompida por uma família israelense curiosa que saiu para um passeio pastoril, a diretora Lia Tarachansky pára para responder sobre o que está filmando (“em que canal será transmitido?”).

Por Lisa Goldman*, na +972 Magazine

Nakba - AFP/Getty Images

Enquanto avançam, as crianças acenando e sorrindo para se despedir, Tarachansky fica sozinha, ao lado da estrada, e de repente, começa a chorar. “Quero dizer, todos os que amo estão aqui”, choraminga, enquanto fica de frente para a colônia que se alastra. “Entende?”

Tarachansky, uma jornalista que trabalha para The Real News [uma rede de notícias independente], foi criada desde os seis anos de idade em Ariel, uma das maiores colônias na Cisjordânia. Prostrada naquele pedaço silencioso de estrada, cercada por vilas palestinas, ela diz: “É daqui que eu sou. Não conheço nada mais”.

Ambas as declarações são sentidas, mas nenhuma é completamente verdadeira. Tarachansky nasceu em Kiev, na antiga União Soviética, mas foi criada desde os seis anos em Ariel. Como a maior parte das crianças israelenses, ela não aprendeu qualquer coisa na escola sobre a Nakba, ou catástrofe – a destituição e o exílio do povo palestino em 1948.

Ler “The Ethnic Cleasing of Palestine” [“A Limpeza Étnica da Palestina”], de Ilan Pappé, ainda uma jovem adulta “foi meu primeiro encontro com esta história”, disse ela, em uma entrevista dada através do Skype.

Sua busca por mais informações a levou à ONG israelense Zochorot, que documenta vilas e cidades palestinas destruídas, em um esforço de conscientização sobre a desapropriação de 1948. Finalmente, ela decidiu fazer um documentário sobre o tema e sobre a forma como ele é visto pela sociedade israelense.

Hoje, ela vive em Jaffa e é profundamente imersa na comunidade ativista. Mas o que ela está dizendo e mostrando, nesta cena, às portas de Ariel, é que a comunidade na qual ela é enraizada é a que a nutriu e a que ela ainda ama, embora a divergência de visões políticas agora a tenha deixado marginalizada na sociedade israelense típica – e assim, metaforicamente, “à margem da estrada”. Fazer questionamentos sobre a Nakba é o maior tabu na sociedade israelense judia.

As cenas de introdução do filme ocorrem em Tel-Aviv [no litoral], na véspera do Dia da Independência de Israel. Pessoas dançam com música ao vivo, na Praça do Rabino, e atiram espuma umas às outras, enquanto fogos de artifício iluminam o céu. Enquanto isso, no escritório da Zochrot, na outra quadra, um grupo de voluntários está se preparando para sair com panfletos para conscientizar as pessoas sobre a Lei da Nakba.

Aprovada pelo Knesset [Parlamento israelense] em 2011, a lei dá ao governo autoridade para impor penalidades financeiras severas a qualquer organização financiada publicamente que marque o Dia da Independência como um dia de luto.

Nem todos na rua são abertamente hostis contra os voluntários da Zochrot com seus pôsteres, mas aqueles que são expressam sua raiva com linguagem extrema. Uma mulher, que se descreve como filha de sobreviventes e que perdeu três irmãos durante o Holocausto, diz com orgulho a um ativista: “Eu sou uma racista. Eu não quero árabes aqui e eu não quero você por lá, tampouco.” Finalmente, a polícia envolve-se e suspende o ativismo da Zochrot, alegando que está causando uma provocação que se classificaria como perturbar a paz.

Um dos aspectos interessantes e impressionantes desta cena, em particular, e o filme inteiro, em geral, é que Tarachansky consegue mostrar uma realidade perturbadora sem desumanizar as pessoas que entrevista e grava. É claro que ela identifica-se ou simpatiza mais com alguns dos entrevistados do que com outros, mas ela mantém uma compaixão descompromissada com todos.

A questão que Tarachansky explora no filme é como um israelense responde à questão da Nakba. Israelenses são cercados por fantasmas sobre aquela grande destituição palestina – por exemplo, das vilas já cobertas por mato em Lifta, suas casas desmoronadas e agarradas de forma pitoresca às colinas, bem perto de Jerusalém.

Nas entrevistas com os antigos combatentes Palmach [das forças paramilitares da comunidade judia durante o Mandato Britânico] da guerra de 1948, como Tikva Honig Parnass, que se tornou um ativista antissionista na década de 1960, e Amnon Noiman, atualmente ativo na Zochrot, os dois veteranos israelenses falaram abertamente sobre a experiência chocante de tornar-se consciente das memórias que suprimiram – das vilas que ajudaram a destruir e dos civis que viram mortos.

Honig Parnass relembra da sua perplexidade ao se dar conta de que ela tinha esquecido completamente, por anos, de ter vagado por uma vila abandonada em que os pratos ainda estavam sobre a mesa.

Tarachansky, também, lembra o seu próprio choque quando ouviu a chamada muçulmana para as orações, desde as mesquitas das vilas vizinhas de Ariel. Ela havia crescido em Ariel, mas só depois de passar alguns anos fora do local, durante o tempo em que ela tomou conhecimento da Nakba, foi que ela realmente notou o que estava à sua volta.

“Para compreender a negação”, explicou Tarachansky, “você precisa entender a desumanização. Se você olhar para todos os lugares onde houve desapropriação em massa, houve antes uma campanha massiva de desumanização. Os sionistas não foram diferentes, neste sentido. Não foram os sobreviventes do Holocausto os que planejaram a destituição. Eles chegaram a uma situação que já estava, havia muito, predeterminada. Não é possível que eles estivessem expulsando se não tivessem planejado isso”.

Mas o objetivo de Tarachansky não é o de culpar, e nem o de ensinar. É apenas de examinar e de narrar.

“A narrativa israelense nacionalista é tão acelerada pelo trauma do Holocausto e pela campanha do governo que, além de ser destrutiva, é também fascinante. Mas eu sou uma israelense, e amo este lugar e este povo.”

Poderá este filme mudar concepções? “Eu não sei,” ela responde. “Nunca houve um filme israelense que conectasse 1948 a 1967 e as histórias de israelenses, colonos e palestinos. Neste sentido, é um filme único. Eu, pessoalmente, não acho que seja um filme radical. Mas em Israel, hoje, falar de igualdade e de justiça histórica é bastante radical.”

*Lisa Goldman é uma jornalista israelense-canadense que já escreveu para a mídia de Israel e internacional desde Tel-Aviv.

Título original: Um documentário explora a postura israelense frente à Nakba

Fonte: +972 Magazine
Tradução de Moara Crivelente, da redação do Vermelho