Crise e arrocho definem redução da população de Portugal

Mesmo que retorne a taxas de crescimento positivas em breve, Portugal terá uma marca profunda deixada pela crise e pelas políticas de arrocho dos últimos anos: uma redução significativa de população. É um caso inédito entre os países mais pressionados para corrigir o que a troika Banco Central Europeu (BCE), Comissão Europeia (CE) e Fundo Monetário Internacional (FMI) denomina “desequilíbrios orçamentais”, retratados como gastos públicos (especialmente sociais) excessivos.

Portugal e FMI - Nélson Garrido / Público

As previsões são da Comissão Europeia. Portugal será o único dos países que tiveram uma intervenção da troika a registrar uma redução da sua população residente entre o início da crise financeira internacional e 2015, o ano que se prevê para uma recuperação em toda a Europa. A redução acumulada será, calcula Bruxelas, de 1,3%, cerca de 130 mil pessoas.

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Na zona do euro, apenas dois países registram uma quebra na população no mesmo período: a Letônia, com uma diminuição de 8,9% e a Estônia, com uma perda de 0,3%.

Em toda a União Europeia (UE), acompanham Portugal nesta queda da população sete países: Letônia e Estônia, a Bulgária, Croácia, Lituânia, Hungria e Romênia, todos eles do Leste europeu, que sofrem desde a sua adesão à organização, uma pressão muito forte de saída da população para os países mais ricos do continente, devido ao enorme diferencial de rendimentos existente.

Em Portugal, a tendência de diminuição da população acentuou-se a partir de 2012, quando se registrou uma quebra de 0,4%, prolongando-se este ano, durante o qual se estima uma diminuição de 0,7%. Para 2014 e 2015, a Comissão Europeia prevê a continuação da tendência negativa, com reduções anuais mais leves, de 0,1%. No passado recente, antes da crise, a população residente em Portugal crescia. Entre 2004 e 2008, mais 0,4% e, entre 1999 e 2003, mais 0,6%.

Nos outros países com programas de arrocho impostos pela troika, e que registram taxas de desemprego elevadas, apesar de se verificar também uma pressão demográfica que antes não existia, consegue-se evitar uma perda acumulada de população entre 2009 e 2015. Na Grécia, se registra um aumento da população durante esse período, de 0,4%. Na Irlanda, o aumento projetado da população é de 5%, com uma aceleração acentuada desde 2013.

Na Espanha, país com taxas de desemprego mais elevadas do que Portugal, aponta-se ainda assim para um aumento da população residente entre 2009 e 2015, de 0,6%. Desde 2013, no entanto, a tendência também já é negativa.

Contexto estrutural e conjuntural

Como explica o geógrafo português Jorge Malheiros, a redução registrada na população portuguesa deve-se à acumulação de fatores de ordem estrutural e outros de ordem conjuntural.
“A componente mais estrutural deste fenômeno tem a ver com a forma como as pessoas avaliam o próprio fato de terem filhos. É um fenômeno que ocorre na maioria dos países europeus e que explica uma parte da redução”, afirma.

Além disso, deve-se à conjuntura, que em Portugal tem sido bastante difícil nos últimos anos, a nível econômico. “As pessoas retraem-se quando querem ter filhos, porque as suas expectativas em relação ao futuro são negativas. É o oposto do que aconteceu, por exemplo, a seguir ao 25 de Abril [revolução que derrubou o regime ditatorial] e próximo da adesão à Comunidade Econômica Europeia”, quando se verificou uma subida da fecundidade, explica o professor da Universidade de Lisboa.

Também por causa da conjuntura, assiste-se a uma inversão completa dos fluxos migratórios, que tem, principalmente desde 2012, um grande impacto na evolução da população. Há menos estrangeiros chegando a Portugal e muitos mais portugueses deixando o país, um resultado esperado quando a taxa de desemprego está acima dos 15% da população ativa. “Isto tem dois efeitos sobre a população: um direto, que é a saída líquida de pessoas, e o outro é o envelhecimento da população, o que reduz ainda mais a taxa de natalidade”, afirma Jorge Malheiros.

Efeito na economia

Se a redução da população em Portugal está diretamente relacionada com a atual conjuntura econômica difícil, existe também a preocupação sobre o impacto que, agora, esta redução da população pode vir a ter na evolução futura da economia.

Jorge Malheiros assinala que, “no curto prazo, até pode haver alguns resultados que são vistos de forma positiva”. Começam a chegar mais remessas do estrangeiro, o que ajuda a equilibrar a balança externa, e a pressão sobre a taxa de desemprego diminui, o que reduz o valor dos subsídios a pagar e minimiza a tensão social dentro do país.

A prazo mais longo, contudo, os efeitos podem ser bastante negativos. “Nenhum país que tenha perdas demográficas prolongadas consegue dar saltos do ponto de vista econômico. A perda de população tira do país potencialidades de crescimento a longo prazo”, afirma Jorge Malheiros.

Na prática, com menos população, especialmente se a que saiu estava entre a que tinha mais qualificações, a capacidade do país para ser mais produtivo, competitivo, inovador pode-se perder, durante um período muito longo de tempo.

Saber de que forma a economia portuguesa pode ser afetada depende em larga medida de quem está, neste momento, deixando o país. Se forem os mais qualificados, com profissões associadas a níveis de produtividade mais elevados, o impacto econômico pode ser mais significativo. Dos estudos existentes, esta tem sido a conclusão parcial sobre a situação.

Para o economista Augusto Mateus, “além da fraca competitividade e do elevado endividamento, este pode ser um terceiro elemento muito preocupante na crise portuguesa”, lembrando que as consequências de uma redução da população são “a formação de menos famílias, comprando-se menos coisas” e “a perda de população qualificada”.

O ex-ministro da Economia lembra ainda o que aconteceu no último surto migratório em Portugal, no início da década de 1960, quando saíam 250 mil pessoas por ano do país. “Na altura, as pessoas que emigravam não eram muito qualificadas, mas a verdade é que eram, em muitos casos, as mais dinâmicas e capazes. Portugal teve nessa altura uma perda fortíssima de capital humano que se notou no crescimento dos anos seguintes”, afirma.

Esse fenômeno acabou depois por ser compensado, em 1975, com o regresso ao país de muitos milhares de pessoas em resultado do processo de descolonização e de abertura democrática.

No mesmo sentido, as denúncias reiteradas da população portuguesa sobre o seu empobrecimento, consequência direta da submissão do governo às imposições de arrocho feitas pela troika, incluem também a fuga massiva de cidadãos dadas as condições econômicas, sobretudo de desemprego massivo e cortes profundos.

Com informações do Público,
Da redação do Vermelho