Português faz atos simbólicos de protesto contra a fome

Em Portugal, Nelson Arraiolos, desempregado de 41 anos, avisou com antecedência que tencionava ir nesta quarta-feira (4) a um supermercado e que sairia com um pacote de arroz sem pagar. E foi com esse objetivo que ele dirigiu-se a um espaço comercial da capital, Lisboa, como uma forma de protesto contra a situação do país, mas acabou por receber a oferta de uma cesta de Natal.

Portugal - Enric Vives-Rubio / Público

“O Pingo Doce [rede de supermercados em Portugal] fez mais uma manobra de charme aproveitando uma ação de resistência”, concluiu Rita Neves, uma desempregada presente nesta ação simbólica de Nelson Arraiolos, o desempregado que em setembro entregou uma carta ao presidente da República comunicando que não pagaria mais impostos, por falta de condições financeiras.


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À porta, dizia entrar no supermercado para buscar um quilo de arroz sem pagar, para chamar a atenção de forma simbólica para os problemas de fome do país. À saída, a satisfação por ter conseguido transmitir a sua mensagem era indisfarçável.

Ao meio-dia, entrou no supermercado e foi imediatamente recebido pelo gerente de loja que o aguardava. Conduzido pelos corredores até ao responsável da marca pelas lojas de Lisboa, ouviu palavras de compreensão: “Sabemos que as suas intenções não são a de roubar, e por isso oferecemos-lhe uma cesta de Natal.”

Nelson entrou com um documento explicativo na mão – que não entregou– e saiu com uma cesta. Dizia estar satisfeito, porque o importante era o resultado. “Mesmo que não trouxesse o pacote [de arroz], valeria pelo ato em si”. Deixa uma mensagem para o governo: “Parem de salvar os bancos e salvem as pessoas.” E fez um apelo aos cidadãos na mesma situação. “Espero que mais gente se junte a esta luta.”

Antes da hora marcada para o que Nelson classificou como um “ato de resistência involuntária”, algumas pessoas reuniram-se diante da loja. Queriam assistir a mais um capítulo desta luta de Nelson, que está desempregado há dois anos e sofre de uma doença degenerativa.

Depois da carta entregue em setembro ao presidente de Portugal, Cavaco Silva, e de uma viagem de ônibus em Lisboa sem pagar o bilhete, esta foi mais uma forma de Nelson chamar a atenção para o desemprego e a pobreza.

À porta, havia quem mostrasse uma camiseta alusiva à privatização dos correios e à situação dos Estaleiros de Viana. O ambiente era de tensão. “Espero compreensão quando entrar, tentarei explicar lá dentro as razões do meu protesto”, dizia Nelson à entrada. “Um ato de coragem e de valentia impressionante”, disse Rita Neves, apoiante do gesto. “Pode acontecer a qualquer um de nós e sou solidária a esta ação. Se todos fizéssemos o mesmo seria um sinal a dar ao governo”.

Já fora da loja, nem todos estavam satisfeitos: “apelo a todos os desempregados que venham ao Pingo Doce, porque pode ser que a próxima campanha seja a de uma cesta por desempregado”, disse Rita Neves ao Público.

Arraiolos diz sair desta ação com mais força para as que ainda virão: “Tem de haver respeito pela dignidade humana; não havendo, iremos até ao tribunal internacional dos direitos do homem mover uma ação contra o Estado português.”

Com Público