Contra o quê protestam os paraguaios

Nos últimos dias o povo paraguaio saiu às ruas para protestar contra a corrupção e isso virou notícia no mundo todo: “Primavera paraguaia”, “indignados” e “o gigante acordou” foram adjetivos usados pela imprensa. Mas por que os que vão às ruas agora não o fizeram quando foi desferido o golpe contra o ex-presidente Fernando Lugo? Para Ricardo Canese, a resposta está na incerteza política daquele momento e no grande descontentamento que Cartes tem gerado.

Por Vanessa Silva, do Portal Vermelho

Volta de Paraguai ao Mercosul pode trazer mais problemas que soluções, avalia Ricardo Canese| Foto: Clécio de Almeida

Em entrevista ao Portal Vermelho, o candidato paraguaio ao Parlatino e dirigente da Frente Guasu – agrupamento de partidos políticos e movimentos sociais do país — Ricardo Canese avaliou que o cenário de neoliberalização do país, entrega das riquezas e militarização tem despertado o povo para a truculência do governo, fomentando o descontentamento da população: “isso faz com que nos agrupemos de maneira democrática para questionar sua gestão. Isso começou no dia 28 de outubro, quando fizemos a maior mobilização social da história recente do Paraguai. E vai crescer”, garante.

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Após cem dias de mandato, Canese, que participou do Seminário Tendências da Situação Internacional promovido pelo PCdoB no âmbito de seu 13º Congresso em novembro, avalia que o presidente Cartes tem um “governo a mando dos Estados Unidos, do império” e por isso questiona se o melhor cenário para a região é a volta de seu país para o Mercosul: “Cartes vai avaliar se romper com o Mercosul é a melhor estratégia, ou se vai integrar ao bloco para criar dificuldades. Não creio que vá se integrar de boa vontade para colaborar com a integração dos povos… isso não”.

Acompanhe a íntegra da entrevista:

Portal Vermelho: O presidente Horácio Cartes completou recentemente 100 dias à frente da presidência do Paraguai. Como você avalia a atual situação do país?
Ricardo Canese: É uma situação difícil, preocupante. Cartes tem um plano neoliberal, uma mescla mal feita do que foi [o ex-presidente argentino Carlos Saúl] Menen e [ex-presidente colombiano Álvaro] Uribe. E ao mesmo tempo há esperança porque o povo está reagindo. É uma situação difícil e estamos trabalhando com articulação, coordenação, conscientização e mobilização do povo para que isso possa ser revertido.

É motivo de preocupação para o restante da América Latina a militarização do Paraguai?
Creio que é um tema grave porque Cartes pode intervir com as Forças Armadas em qualquer lugar da república para conflitos internos, como ocorreu durante as ditaduras quando as forças armadas eram utilizadas para reprimir o povo. Voltamos ao passado autoritário. Com a Constituição sendo violada, concentração de todo poderio militar, econômico e político nas mãos de Cartes, com a exclusão do Congresso, do poder judicial. É um autoritarismo realmente preocupante, não é uma ditadura aberta como a de [Alfredo] Stroessner, mas ele também começou assim.

A impressão que dá por seus discursos é que Cartes quer vender o país para empresários estrangeiros…
Sim, eu digo que só não vai vender o ar, mas os rios, a água, a energia elétrica, a telefonia, a educação, a saúde, as penitenciárias, cimento, petróleo… tudo o que possa imaginar, está a venda. Mas vai fazer algo pior do que vender: vai entregar as riquezas por 30, 40 anos sem que o Estado receba nada e corra todos os riscos. O que haverá é um saque através da entrega dos bens que talvez nunca mais serão devolvidos ao Estado. Se ler a lei atentamente, parece que foi criada por transnacionais.

Isso tem que ser entendido pelo que o Paraguai já é: um enclave de extração de riqueza e Cartes visa aprofundar o modelo de saque. Qual é sua principal riqueza? A agroexportação de carne, soja, milho e trigo, um negócio extrativo centrado na agricultura, na criação de gado. Querem estender esta lógica a toda estrutura pública, com a filosofia de extrair e não de produzir riqueza, o que vai gerar uma enorme concentração em poucas mãos e uma pobreza ainda maior para a população. Inclusive toda a classe camponesa pode deixar de existir porque este modelo visa a expansão do latifúndio, a criação de gado, a expulsão e morte dos camponeses.

 

Por isso estamos nos agrupando de maneira democrática para questionar sua gestão em um processo que começou no dia 28 de outubro. Costumo dizer que esta foi a maior mobilização social da história recente do Paraguai. E vai crescer. Queremos a revogação destas leis, que elas sejam anuladas.

Quando ocorreu o golpe, houve manifestações, mas foi aquém do esperado. Por que agora as pessoas saem às ruas?
Por que depois do golpe não tivemos as manifestações como deveriam? Isso foi muito bem elaborado pela direita. O golpe começou com o massacre de Curuguaty, quando 11 camponeses e seis policiais morreram. Toda a imprensa culpou Lugo. Foi tudo tão rápido que o movimento camponês ficou paralisado. Hoje todos sabem que não foi ele, mas naquele momento havia uma grande confusão até mesmo dentro do movimento social. Temos que lembrar que o golpe começou quinta-feira de manhã e terminou sexta a tarde, não houve tempo de reagir. Seguiu-se uma mobilização, mas não houve condição para uma resistência massiva, ainda assim umas 15 mil pessoas se reuniram diante do Congresso.

Agora com estas leis as pessoas estão se surpreendendo com a truculência do governo Cartes. No caso dos professores, além de não ter dado o que pediram, declarou a greve ilegal e descontou o salário dos manifestantes. Então os que votaram nele, agora sentem o golpe na cabeça.

Qual é o papel que os Estados Unidos têm no movimento de militarização do país?
Os Estados Unidos estão por trás de Cartes, é inquestionável que atuaram no planejamento do golpe. Nós temos a informação de que a quantidade de assessores dos Estados Unidos no governo se multiplicou. Há pessoas da Moussad [o serviço de espionagem de Israel] em torno de Cartes, o senhor [Francisco Javier] Cuadra que foi ministro do [ex-ditador do Chile, Augusto] Pinochet é um de seus principais assessores.

Tem outra coisa. Estão falando em instalar uma base militar e o argumento é sempre o EPP [Exército do Povo Paraguaio], que seria como o Comando Vermelho aqui no Brasil. Sua origem é na extrema esquerda, mas temos informação de que estão muito envolvidos com o narcotráfico. Nós estranhamos esse discurso porque o EPP apareceu muito oportunamente para favorecer as medidas truculentas do governo, como a militarização. É o argumento que faltava: ‘como não dá para derrotar o narcotráfico, vamos colocar uma base dos Estados Unidos onde está a guerrilha’.

E quanto à integração? Como o governo está encarando este tema, sobretudo no âmbito do Mercosul?
Por ser um governo a mando dos Estados Unidos, Cartes vai avaliar se romper com o Mercosul é a melhor estratégia, ou se vai integrar ao bloco para criar dificuldades. Não creio que vá se integrar de boa vontade para colaborar com a integração dos povos… isso não. Os governos progressistas têm que entender que ele criará dificuldades em um ou outro sentido.

Como avalia a entrada do Paraguai na Aliança do Pacífico com Colômbia, México, Peru e Chile?
O Paraguai não tem saída para o Pacífico. Teríamos que sair pela Bolívia, mas a Bolívia também não tem. Então não tem consistência. A Aliança do Pacífico é algo artificial, uma guerra verbal. O objetivo é criar problemas no Mercosul e na Unasul.

Desde a articulação do golpe que o objetivo dos Estados Unidos é atingir o Mercosul. Temos que lembrar que todas as decisões do bloco são tomadas por consenso. Os governos progressistas da região estão fazendo um grande esforço para que Cartes volte, mas eu tenho dúvidas sobre se essa é a melhor solução para a região. É a melhor saída? Não sei. Tenho a convicção de que se Cartes entra no Mercosul o fará para criar problemas. Se ele disser não, paralisa tudo. Este é um tema muito delicado. O que descarto é que entre no Mercosul para constituir a união do povo e avançar no Mercosul. Este não é o objetivo.