The Guardian pode ser criminalizado por denúncia de espionagem

A polícia do Reino Unido lançou uma investigação para averiguar se o jornal britânico The Guardian cometeu “possíveis” crimes de terrorismo ao publicar os documentos sobre a espionagem das agências de inteligência dos EUA e da Grã Bretanha, vazados pelo ex-técnico Edward Snowden. Alan Rusbridger, editor do jornal, testemunhou perante um comitê parlamentar nesta terça-feira (3).

Alan Rusbridger - Reuters / Luke MacGregor

Os parlamentares que ouviam o depoimento de Rusbriger insinuaram que o Guardian ajudou terroristas ao revelar a atividade clandestina conduzida pela Agência de Segurança Nacional (NSA, na sigla em inglês) estadunidense e pela Central de Comunicações do Governo (GCHQ) britânica. As agências de inteligência e espionagem trabalhavam frequentemente em conjunto.

Cressida Dick, comissária-adjunto da polícia britânica, a Scotland Yard, disse aos parlamentares que “parece possível que algumas podem ter cometido alguns crimes” em conexão com o material coletado do computador portátil de David Miranda, confiscado quando o parceiro do jornalista Glenn Greenwald, que escrevia para o Guardian, passou pelo Reino Unido.

Miranda foi detido no aeroporto por horas afio enquanto era interrogado sobre as matérias escritas por Greenwald, a partir dos documentos que o jornalista recebeu de Snowden. As autoridades britânicas confiscaram o computador, o celular e outros dispositivos que Miranda carregava, inclusive com outros documentos enviados por Snowden.

As autoridades britânicas alegam que as informações enviadas pelo ex-técnico informático da NSA identificavam também seus espiões, e a sua publicação poderia colocar vidas em perigo direto. Rusbridger, por outro lado, disse que o jornal não publicaria este tipo de informação, e que seus editores nem sequer analisaram algumas das informações sobre a guerra no Iraque.

Parlamentares também ameaçaram o editor do Guardian ao insinuar que a sua equipe havia violado a Seção 58ª do Ato sobre Terrorismo, que estipula como crime a publicação ou apenas a transmissão de qualquer informação sobre membros das forças armadas ou funcionários da inteligência.

“Não é apenas sobre o que vocês publicaram, é sobre o que comunicaram”, disse Michael Ellis, membro do comitê. “Isso corresponde, ou pode corresponder, a um crime ofensivo”.

As autoridades britânicas fizeram buscas anteriormente nos escritórios do Guardian em Londres e destruíram discos rígidos que Rusbridger disse conterem documentos já enviados ao escritório do jornal em Nova York.

O editor defendeu constantemente seu direito legal e moral de publicar os documentos, afirmando que a atividade do governo detalhada por eles deve ser transmitida ao público.

Denúncias sobre a espionagem

A série de artigos revelou que os Estados Unidos, o Reino Unido e outros países monitoram chamadas telefônicas, correios eletrônicos e atividades das redes sociais de civis que não são necessariamente suspeitos de qualquer conduta criminosa.

“Publicamos 26 dos mais de 58.000 que vimos. Por isso, fizemos julgamentos muito seletivos sobre o que publicamos”, disse Rusbridger. “Não publicamos nomes e não perdemos o controle sobre eles.”

Críticos já compararam a linha de questionamento dos parlamentares às infames audiências anti-comunismo conduzidas pelo senador estadunidense Joseph McCarthy, no auge da Guerra Fria. Em artigo publicado no Guardian, Ben Emmerson, enviado especial da Organização das Nações Unidas para o contraterrorismo, disse que a audiência desta terça foi decepcionante para os que esperam por menos vigilância no futuro.

“A insinuação chocante de que este tipo de jornalismo pode ser igualado à ajuda e à incitação ao terrorismo precisa ser eliminada decisivamente”, escreve Emmerson.

“Atacar o Guardian é uma tentativa de orquestrar os serviços eles mesmos, ao distrair a atenção das questões reais. É papel de uma imprensa livre responsabilizar o governo, e ainda assim, há insinuações revoltantes de alguns parlamentares conservadores de que o Guardian deve enfrentar uma investigação criminal.”

Fonte: Russia Today
Tradução de Moara Crivelente, da redação do Vermelho