Queda no PIB e o debate entre desenvolvimentismo e especulação

Os dados da economia referentes ao terceiro trimestre do ano (julho, agosto e setembro) provocaram um alarme entre economistas e analistas financeiros.

Por José Carlos Ruy

PIB terceiro trimestre 2013

A economia, dizem as manchetes, com escândalo, recuou 0,5% nestes três meses. É um recuo severo. Normalmente o terceiro trimestre do ano registra dificuldades na economia mas, este ano, foi além do esperado pelos economistas, que estimavam um desempenho negativo em torno de 0,2 ou 0,25%. Foi maior.

O alarme precisa ser melhor compreendido. Primeiro porque a comparação entre períodos tão curtos está longe de indicar as tendências mais concretas do ritmo da economia – indicam tropeços que resultam desde momentos particulares da economia até efeitos da política econômica que afetam o comportamento dos agentes econômicos.

Depois, há uma luta em curso, no Brasil, em torno da orientação econômica do governo, que não pode ser negligenciada. Nela os porta-vozes da especulação financeira pressionam pela mudança na orientação econômica e insistem em clamar pela manutenção dos esteios principais da economia neoliberal que garante seus lucros. Resistem contra qualquer medida oficial no rumo oposto, que prevê a retomada do desenvolvimento fortalecendo investimentos produtivos do capital, em detrimento da estéril especulação financeira.

Deste ponto de vista, para os ventríloquos da especulação financeira o recuo no crescimento do PIB, anunciado nesta terça-feira (3) é apresentado como uma prova forte da catástrofe que anunciam.

Vários aspectos precisam ser levados em conta para a compreensão daquele número negativo. Em primeiro lugar, o terceiro trimestre é, entra ano sai ano, uma época de crescimento lento (ou mesmo negativo) devido à entressafra na agropecuária, quando os investimentos normalmente caem e o setor se prepara a retomada nos meses seguintes. Isto significa que, apesar da queda de 3,5% no setor (que, juntamente com o recuo de 2,2% no investimento, condicionou a queda de 0,5% no terceiro trimestre) a agropecuária vai fechar o ano com crescimento de 6,5%, diz a da Agricultura e Pecuária do Brasil (CNA).

Outro aspecto se refere aos dados, divulgados pelo IBGE n dia seguinte, na quarta-feira (4), sobre o crescimento da indústria. São números que contrastam com o alarmismo causado pelo recuo do PIB no terceiro trimestre. Em outubro a indústria cresceu (0,6% em relação ao mês anterior, e 0,9% em relação ao mesmo mês no ano passado), indicando uma tendência divergente em relação ao dado da queda no PIB no trimestre encerrado em setembro. Este crescimento revela a disposição investidora dos empresários da indústria e da agropecuária. Um dos setores que registrou maior crescimento foi justamente aquele que indica que os empresários se preparam para novos avanços produtivos: o setor de máquinas e equipamentos. Segundo o IBGE, o avanço da produção industrial acumula um crescimento de 1,6% em 2013 e 1% em doze meses.

Finalmente é preciso levar em conta o reflexo provocado nas decisões de investir pelo pessimismo interesseiro intensamente divulgado pelos analistas ligados à especulação financeira. Luiz Gonzaga Belluzzo, um dos mais atentos observadores do comportamento da economia brasileira, registrou isso ao atribuir a queda de 0,5% do PIB no terceiro trimestre ao efeito das “análises muito pessimistas das contas fiscais brasileiras de parte de organismos internacionais, agências de rating e consultorias”. Análises que são fortemente reproduzidas pela mídia conservadora brasileira. Isso explica, pensa ele, a retração “muito forte da confiança empresarial no desempenho da economia e na situação fiscal”.

A economia não é uma ciência exata, como pregam os porta-vozes do conservadorismo. Seu objeto são as relações de produção, o desempenho das forças produtivas e a luta em torno da apropriação dos resultados desta ação humana fundamental que consiste na produção e distribuição dos bens necessários à vida. Este é o sentido da luta em curso. Ela opõe a especulação financeira àqueles que defendem o desenvolvimento e a aplicação produtiva do capital. O objetivo da especulação financeira é obter lucros cada vez maiores com riscos sempre menores e, para isso, exigem do governo um comportamento que atenda a seus interesses; os desenvolvimentistas pretendem o crescimento da economia com fortalecimento da renda dos trabalhadores para fortalecer o mercado interno e a produção nacional.

Há uma contradição na orientação do governo, e ela decorre – como reconhece uma das resoluções do 13º Congresso do PCdoB – da correlação de forças existente no país, que impõe a formação de “coalizões amplas e heterogêneas, necessárias à estabilidade do governo, mas limitadoras de maior avanço da aplicação da plataforma programática”. Isso fortalece duas tendências: de um lado, a “permanente pressão da oposição conservadora para bloquear as mudanças”; de outro, “a insuficiente mobilização popular limitaram o ritmo da democratização do Estado nacional e obstruíram a realização das reformas estruturais democráticas”.

João Sicsú, outro arguto analista da economia brasileira, constata essa contradição em artigo publicado na edição eletrônica da revista Carta Capital. O crescimento econômico do Brasil, hoje, está abaixo da média anual alcançada entre 2007 a 2010 (que foi de 4,6% ao ano). Hoje, é de meros 2% ao ano, diz ele. Essa lentidão no crescimento decorre, assegura, de “erros de política econômica não são poucos e nem pequenos”, embora não sejam os apontados pelos analistas conservadores, cujas “críticas contumazes são contra acertos do governo”. Foi, diz ele, a “aceitação do receituário conservador que levou a economia para a trajetória modesta dos pibinhos dos últimos anos”. E aponta os erros dizendo que “qualquer economia seria derrubada pelo arrocho monetário, fiscal e cambial promovido em 2011”, lembrando que em 2010, a economia cresceu 7,5% mas, já em 2011, recuou para apenas 2,7%. Consequência da “subida de juros, elevação de compulsório, aumento do resultado primário e dificuldade cambial”. É preciso, diz, “adotar uma (nova!) política econômica na direção do desenvolvimento industrial e social, sem vacilações que produzam sinais de paralisia”, com uma “clara política de redução de todas as taxas de juros da economia, de desoneração da atividade empresarial, de busca de uma taxa de câmbio competitiva, de inflação controlada e ter uma administração fiscal equilibrada e que faça justiça social”.

O que se impõe, pensa ele, é o enfrentamento sem vacilações das pressões da especulação financeira, de modo a relançar, resolutamente, o país na rota do crescimento econômico.

Esta luta repercute fortemente no interior do governo, onde as tendências opostas se opõem – a especulação financeira ainda mantém forte poder na sociedade e, com base nele, exige a aplicação do arcaico e desmoralizado programa neoliberal (e isto se traduz na retomada da ascensão dos juros pelo aumento da taxa Selic), os desenvolvimentistas dão as cartas em setores estratégicos do governo, como o ministério da Fazenda.

Neste sentido, as palavras do ministro Guido Mantega, sobre o forte declínio registrado no terceiro trimestre, devem ser ouvidas com atenção. O país está “em trajetória de crescimento”, disse, embora “não na velocidade que gostaríamos”, disse. E o crescimento do PIB pode fechar o ano avançando 2,5%. É uma previsão que deve ser registrada neste momento.