Chile: Piñera tenta acelerar medidas criticadas por Bachelet

A três meses do fim do seu mandato (sendo que metade desse período estará marcado pelo recesso parlamentário e pelos rituais de posse dos novos legisladores eleitos), o presidente chileno, Sebastián Piñera, corre contra o tempo para levar adiante os últimos projetos da sua agenda.

Por Victor Farinelli, de Santiago para o Opera Mundi

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Com as pesquisas indicando uma baixa probabilidade de vitória para a candidata Evelyn Matthei, o governo de direita tenta encontrar uma forma de impor pelo menos três medidas novas e deixar um legado para as próximas décadas.

A mais significativa delas diz respeito ao principal projeto da política exterior de Piñera. Trata-se do Tratado Trans-Pacífico (TPP, sigla em inglês), acordo de livre comércio que inspirou grande parte das viagens internacionais do atual presidente e cuja implementação é vista como um movimento importante para o fortalecimento da Aliança do Pacífico (bloco formado recentemente por Chile, Peru, Colômbia e México).

O TPP pretende criar, segundo recentes palavras do chanceler do Chile, Alfredo Moreno, “a maior área de livre circulação de capitais do mundo”, além de estabelecer complexas legislações em todos os países latino-americanos e asiáticos (além de Estados Unidos, Canadá, Austrália e Nova Zelândia) baseadas na proteção rigorosa dos direitos autorais ou de patente, além de maior controle aos conteúdos de internet.

A confirmação do TPP depende da aprovação do Congresso e o governo avalia que a atual legislatura é muito mais propícia para conseguir os votos suficientes, já que o próximo parlamento terá não só uma clara hegemonia da Nova Maioria (grupo político liderado por Michelle Bachelet, favorita para vencer o segundo turno deste domingo), como também será marcado por um aumento da bancada progressista – o Partido Comunista dobrou sua participação, enquanto o moderado Partido Democrata Cristão foi o único da Nova Maioria que perdeu cadeiras na recente eleição.

Se conseguir emplacar o TPP agora, Piñera poderia também abrir caminho para sua projeção como figura internacional. “Esse acordo deixaria uma marca do seu esforço em favor da Aliança do Pacífico, o que poderia levar naturalmente a uma posição de representação dentro do grupo”, acredita o analista político Eugenio Guzmán.

Guzmán também acredita que essa discussão no Congresso poderá render problemas para a coalizão política de Bachelet, uma vez eleita: “os setores mais moderados da Nova Maioria se sentem ameaçados pelo aumento da representação dos comunistas e de referentes independentes de esquerda, como Gabriel Boric e Giorgio Jackson. Diante desse quadro, vão querer mostrar força, além de serem naturalmente simpáticos à economia de livre mercado”.

O TPP é tema recorrente em protestos organizados por diversos movimentos sociais. Embora não tenha provocado nenhuma manifestação especifica contra ele, o acordo é frequentemente citado em protestos do Movimento Estudantil e do movimento pela Assembleia Constituinte, como exemplo de medida tomada por interesses econômicos e sem maior debate da sociedade a seu respeito.


A rapper franco-chilena Ana Tijoux lançou nas redes sociais, em setembro passado, uma canção sobre o tema, intitulada “No al TPP” (Não ao TPP).

A declaração acionou os alarmes no governo, que imprimiu prioridade à sua votação. “A lei diz respeito a compromissos internacionais relativos à propriedade intelectual, adquiridos pelo Estado desde governos anteriores, incluindo o primeiro mandato de Bachelet”, explicou a senadora governista Ena Von Baer.

Concessões de hospitais

Outra medida importante que o atual governo pretende tornar irreversível, e que vem criando uma forte polêmica com o favoritismo de Bachelet, é o da concessão de hospitais públicos.

Desde setembro, o ministro da Saúde, Jaime Mañalich, vem seguindo uma agenda de inaugurações de hospitais remodelados (três na capital Santiago e cinco em províncias), algumas das quais, segundo políticos de oposição, demonstram certo afã de improvisação. O comando de campanha de Bachelet acusa o governo de estar adiantando as inaugurações, pois a socialista pretendia rever as licitações.

“A atual administração sabe que nosso projeto prevê o fortalecimento da saúde com recursos públicos e está tentando ganhar essa disputa acelerando os tempos”, reclamou a porta-voz da candidatura oposicionista, Javiera Blanco. Por sua parte, Mañalich respondeu que as inaugurações “são a realização das promessas feitas pelo presidente Piñera de melhorar a cobertura hospitalar no país”.

Lei Monsanto

Na mesma linha da política de proteção de patentes do TPP está a nova lei de sementes que tramita no Congresso chileno. Conhecido pela opinião pública como Lei Monsanto – porque, caso seja definitivamente aprovada, proibirá o uso de sementes não catalogadas –, o projeto está na agenda de votação para o mês de janeiro de 2014, depois de ser aprovado na Comissão de Agricultura.

Porém, a candidata e ex-presidente Michelle Bachelet, ao receber o apoio eleitoral de Alfredo Sfeir (candidato presidencial do Partido Ecologista Verde no primeiro turno), afirmou que pretende revisar o projeto, alegando que “ele pode prejudicar os pequenos produtores, afetar o ecossistema e colocar em risco a segurança alimentar no Chile”.