Entrevista com João Batista: É preciso democratizar o Judiciário

Em entrevista a revista Retrato do Brasil, o atual presidente do PCdoB do Rio de Janeiro, João Batista Lemos, afirma que há uma interferência indevida do poder Judiciário nos assuntos do Legislativo e que essa judicialização da política é “uma forma de criar condições para as elites voltarem para o governo federal”. Ele também defende a importância dos partidos políticos e diz que a luta contra a corrupção não é um atributo da direita.

João Batista Lemos em entrevista no Retrato do Brasil

Lemos foi um dos três operários que, ao lado de Luiz Inácio Lula da Silva, lideraram a famosa greve operária do ABC, em 1980, que durou mais de 40 dias e abalou as bases do regime. Ele foi indicado pela diretoria de Lula para participar de um grupo especial de 16 lideranças para substituir os diretores caso estes fossem presos. A greve durou 41 dias, com intervenção no sindicato e Lula e parte da diretoria presos. Lemos assumiu o comando da greve com os outros 15 operários do grupo especial de lideranças, que se reunia clandestinamente.

Em julho de 1982, junto com outros companheiros do PCdoB, Lemos liderou a primeira ocupação de moradias ainda durante a ditadura militar, o Conjunto Centreville,que estava abandonado havia cinco anos. Ocuparam 640 casas e mais alguns terrenos do entorno. Hoje moram ali mais de mil famílias.

Em 1983, ele foi eleito para compor o comitê central do PCdoB. Foi secretário sindical nacional do partido no período de 1992 até 2011, quando foi deslocado para o Rio de Janeiro.

Leia a seguir sua entrevista na íntegra.

Retrato do Brasil – As manifestações de junho deixaram evidente um grande descontentamento com os partidos e os políticos. Militantes foram agredidos, bandeiras foram rasgadas. E o PT foi o partido mais atacado, vários grupos de manifestantes queriam pôr já na prisão os réus do mensalão petista. Como o senhor vê a conjuntura atual para o PT e os partidos da base aliada do governo?
João Batista Lemos – Uma das questões fundamentais é a questão de 2014. Vai estar colocado se o ciclo histórico de mudanças iniciado por Lula em 2003 continua ou não. Foram dez anos, continuados por Dilma. Houve legados importantes nesse processo, com um caráter mais democrático do governo, maior participação das organizações sociais através dos conselhos setoriais e outros conselhos que foram formados. Há o próprio clima de democracia no recebimento das organizações dos trabalhadores. Teve também um caráter importante social de enfrentar o problema da fome, da valorização do salário mínimo, o Prouni. Outro aspecto fundamental foi a política externa. Os governos Lula e Dilma levaram o Brasil a um espaço de maior soberania, através do Mercosul, do Unasul, das relações com os países africanos. Essas questões colocaram em xeque os interesses das elites no Brasil. Os governos Lula e Dilma levaram 40 milhões de brasileiros a uma situação de maior soberania.

As manifestações de junho apareceram ali para dizer: ‘Queremos mais’. As elites, representadas por seus partidos, não têm alternativa. Aécio tem poucas condições de disputar. Então os instrumentos deles hoje são a grande mídia, que tem condições de manipular a opinião pública. Outro meio é judicializar a política. Ficou claro que a cobertura tendenciosa do julgamento do mensalão – com todos os erros que possam ter sido cometidos contra a gestão pública pelos réus – foi uma forma de criar condições para as elites voltarem para o governo federal. Os acontecimentos de junho colocaram muito claro que, além de precisarmos de mais escola, mais saúde, precisamos resolver a crise de representação dos partidos políticos. Quando as massas foram para a rua, o PT e o PCdoB também foram pegos de surpresa. Há uma luta a ser feita, pelo aprofundamento da democracia no País. É muito importante, para fazer avançar as reformas propostas por Lula, avançar numa democracia mais representativa.

Há uma geração que se manifesta hoje que não viveu a ditadura, não viveu a ofensiva neoliberal, a privatização, a desregulamentação. É uma geração formada no monopólio da mídia, que sempre fez a propaganda de que partido é sinônimo de corrupção. Vi isso aqui nas manifestações do dia 21 de junho. ‘O povo unido não precisa de partido’, eles diziam. Eles não veem que o partido é um instrumento para levar a luta do povo na perspectiva do poder, para democratizar o Estado. Não veem que o partido, ou ele está a serviço da elite ou está a serviço do povo.

RB – Mas o PT, que se apresentou como a novidade, com um discurso de ética política, contra os corruptos, agora foi pego nesse escândalo de caixa 2 e isso deixou muita gente desiludida com os partidos de esquerda também.
JBL – O PT surgiu com um discurso moralista, dizendo que era um partido puro. E surgiu com o objetivo de ser um partido que defendia os interesses históricos da classe trabalhadora. Mas não era um partido de ruptura, era um partido de procurar, a partir do capitalismo, de dentro dele, promover as reformas, no sentido de melhorar a situação dos trabalhadores. Com o mensalão, eles amargam aquilo que eles próprios combatiam de forma moralista e não política. É como o velho discurso udenista. O PT errou quando colocou a bandeira da ética moralista. O discurso udenista usou a bandeira anticorrupção para derrubar o Getúlio, o Jango. Assim foi historicamente no Brasil. As ações golpistas sempre atuaram através da ética moralista. Mas tem uma diferença entre o udenismo, com o discurso da ética moralista, e a luta contra a corrupção. Porque a bandeira de não misturar bens públicos e privados, não se apropriar do bem público, também é uma bandeira de esquerda. Mas nós podemos ver que essa questão do julgamento do mensalão é uma questão política, porque o crime de como foram feitas as privatizações das teles no Brasil, por exemplo, na época do Fernando Henrique Cardoso, isso não foi apurado. E a privataria tucana? Não deu em nada. Então é um movimento da oposição conservadora, para derrotar a esquerda.

RB – Como os partidos de esquerda vão enfrentar esse movimento da oposição conservadora, que está se apoiando na mídia, na politização do julgamento da AP 470?
JBL – A corrupção faz parte desse sistema capitalista e eleitoral, com financiamento empresarial de campanhas. Só vamos conseguir combater o caixa dois na medida em que a gente consiga acabar com o financiamento privado. Estamos numa proposta da Coalizão Democrática por Eleições Limpas, junto com a CNBB, o MST, a UNE, a OAB, e outros movimentos sociais organizados, porque ali tem os pilares importantes para combater a corrupção, o financiamento privado, e buscar os mecanismos de maior participação popular também. Aqui no Rio, formamos um fórum, com assembleias de lutas populares, e estamos num processo de construção de uma plataforma comum, em torno dessas bandeiras – financiamento público, plebiscito, consultas populares e também a bandeira da democratização da mídia e da universalização dos serviços públicos. Aí estão juntos PCdoB, PT, PSB e movimentos sociais do estado – CTB, MST, UEE, Consulta Popular, Federação da Associação de Moradores do Rio de Janeiro, entre outros. Nós somos contra o projeto de minirreforma que está sendo proposto na Câmara dos Deputados pela oposição. Ele não enfrenta o principal problema da representação política, não aumenta a participação do povo no processo político.

RB – E em que pé está essa mobilização pela reforma política da Coalização Democrática por Eleições Limpas?
JBL – Estamos tentando construir um consenso em torno de quais serão nossas maiores bandeiras, quais as perguntas a serem colocadas no plebiscito. Lula dizia que esse negócio de sistema proporcional é ruim porque cria disputa dentro dos partidos. “Eu tinha que disputar com o Menegelli”, ele dizia. Mas há uma preferência do eleitor por votar em pessoas. Então, a OAB bolou essa proposta: num primeiro momento, o eleitor vota no partido. Isso define quantas cadeiras o partido tem direito de eleger. Num segundo momento, o eleitor vota no candidato. Para 2014 vai ser difícil implantar a reforma, porque há necessidade de combinar pressão popular com articulação no Congresso. A maioria dos parlamentares eleitos foi eleita com financiamento privado e não quer mudar o status quo. É uma mobilização central, de caráter estratégico, porque aprofundar a democracia é criar melhores condições na luta do povo brasileiro. O PT, como outros partidos, estão sujeitos a vícios e contradições, como qualquer outro partido. A pressão popular é importante para direcionar o partido.

RB – Alguns acham que, como os políticos são corruptos, a Justiça pode resolver o problema, fazer leis, interferir nas decisões do Legislativo, deixar o Executivo a cargo dos juízes. Não à toa o ministro Joaquim Barbosa foi apontado como candidato favorito para substituir Dilma em pesquisa feita em junho.
JBL – O Tribunal Superior Eleitoral, o Supremo Tribunal Federal, os juízes, estão acima de tudo, estão imunes. Mas é bom não esquecer que os juízes não foram eleitos pelo povo, eles não podem sobrepor-se ao Parlamento, pelas instituições que passaram pelo crivo das eleições. Há uma necessidade de democratização do Poder Judiciário. Eles não podem interferir no processo legislativo. No fundo, os juízes querem se sobrepor à soberania popular, aos deputados eleitos pelo povo.

RB – O que o senhor achou daquele projeto apresentado na Câmara por um deputado petista, que previa a criação de um órgão, dentro da Câmara, para rever as decisões do Supremo?
JBL – Esse projeto não é necessariamente ruim. O legislativo tem o poder de legislar, e não o Judiciário. Há um sistema de oposição hoje no Brasil, pelo fato de os partidos conservadores, como o DEM e o PSDB, terem sido derrotados, há uma articulação entre a grande mídia e o Poder Judiciário, para trazer de volta os partidos neoliberais para o poder. Até mesmo eles tentaram jogar tanto o mensalão, quanto as manifestações de junho, contra a presidente Dilma. A mídia também tomou rabeira nessas manifestações de rua. A Ana Maria Braga pautava as manifestações, colocava no ar o roteiro das manifestações, pelo menos o roteiro que a TV Globo aprovava. Eles tentaram pautar as manifestações e influenciar a plataforma do movimento. O Arnaldo Jabor foi contra a primeira manifestação, disse que era um bando de baderneiros Na segunda, disse que era bom, mas que tinha que ser contra a corrupção, contra os partidos políticos. Foi montado um esquema de mobilização conservadora, porque a mídia quer a volta dos partidos neoliberais.

O que nós pensamos é que ficou muito claro que o Brasil tem uma certa clivagem. A classe média tradicional sente seu espaço ocupado pela massa, com o desenvolvimento econômico e social do País – porque a massa hoje tem plano de saúde, parcela viagem de avião, ocupa um espaço que antes não ocupava. Mas há uma grande massa da classe trabalhadora que não é a classe média de Lula e Dilma, que conseguiu ter acesso a eletrodoméstico, universidade. Essa outra massa, que corresponde a 75% da população brasileira, quer mais. E é para essa massa que devemos estar atentos, para resolver seus anseios, via reformas de cunho mais estrutural.

RB – Quais seriam essas reformas?
JBL – Aprofundar a democracia, para que ela seja mais participativa; uma reforma tributária, com tributação das grandes fortunas; a reforma da mídia, estipulando um marco regulatório; a reforma agrária, com o fortalecimento da agricultura familiar e o enfrentamento do agronegócio. São reformas de fundo. Tem também a reforma urbana. Essas reformas estruturais significam rupturas em todas as frentes, na educação, na saúde. A Amil está hoje nas mãos de um grupo internacional. RB fez um bom trabalho sobre a questão da desnacionalização das empresas. Nós precisamos independer da exportação de commodities, tudo isso tem que estar relacionado a um novo projeto econômico também.

RB – Como o senhor vê a candidatura do Eduardo Campos, pelo PSB?
JBL – Acho que o Eduardo Campos é um homem de bem, de esquerda, e acredito que ele não vai fazer o jogo das forças conservadoras. Mas ele não está ocupando um espaço de esquerda. Ele pode ser utilizado pelas forças conservadoras. E nós queremos o Eduardo do nosso lado. O que nos preocupa é que ele filiou o Bonhausen, visitou o Aécio. Ele está num jogo muito arriscado.