Temos que fazer do Brasil o país que ele merece ser

Em entrevista ao blog do Fábio Sena que é jornalista e político de Vitória da Conquista, na Bahia, a deputada federal pelo PCdoB baiano, Alice Portugal fala sobre o cenário político do seu estado, eleições 2014, e sobre sua vida política. Leia abaixo:

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Alice Portugal fez fama na Assembleia Legislativa da Bahia ao fustigar, com mordaz rigor, o carlismo e seus sinistros esquemas de corrupção, exigindo a abertura de diversas CPI´s, como as que investigaram fraudes no Sistema Único de Saúde e no Fundef, a extinção do IAPSEB, as irregularidades do Planserv, o rombo do SAC e prostituição infanto-juvenil na Bahia. Denunciou os processos de privatização da Coelba, do Baneb, de hospitais públicos e a extinção da Bahiafarma. Propõe a e propôs a recriação da Fundação Baiana de Amparo à Pesquisa (FAPESB), e a criação do Conselho Estadual do Direito da Mulher.

Exercendo o terceiro mandato sucessivo na Câmara Federal, depois de duas incursões pela Assembleia Legislativa da Bahia, a comunista Alice Portugal pode ostentar, ainda – e com muito merecimento –, o raro título de combativa. Firme na defesa que faz de suas ideias, mas principalmente coerente com sua matriz ideológica, Alice foi líder estudantil e sindical e elegeu-se ao parlamento, pela primeira vez, em 1994, sendo reeleita em 1998. Eleita deputada federal, carrega consigo o slogan que marca suas campanhas eleitorais: rebele-se. Assim, esta leonina de cinquenta e poucos anos ostenta a rebeldia dos tempos estudantis.

Em visita a Vitória da Conquista, onde participou da audiência que celebrou os 30 anos da União de Mulheres, Alice conversou demoradamente com o Blog do Fábio Sena sobre diversos assuntos, explicitando, por exemplo, a compreensão de que o seu partido cometeu sério equívoco ao abrir mão da oportunidade de lançar candidatura própria à Prefeitura de Salvador nas eleições do ano passado – “eu estava preparada, pronta pra enfrentar aquele debate”.

Blog do Fábio Sena: Alice, há quem diga que você carrega consigo muito de um certo discurso estudantil, juvenil. Isso tem a ver um pouco com a não-perda da certa ideologia? O que significa isso, esta força, esta intensidade nos debates?
Alice Portugal: Que bom, que bom. É um prazer estar falando com você e, na verdade, eu fico até lisonjeada, porque na maturidade a gente ainda ter lampejos. Antigamente, dizia-se: ‘os incendiários aos 18 serão bombeiros aos 50’. Eu, felizmente não vou dizer quantos aos 50, mas, continuo incendiando, mas com ideias. Portanto, procuro colocar intensidade e prazer em tudo o que faço e participo desta representação popular como deputada federal a três mandatos, anteriormente a dois mandatos como deputada estadual, como muita satisfação. Respeito a sociedade com coerências. Há sofrimentos, há decepções, mas eu não deixo que esta parte tome conta na minha atuação, por isso, talvez esta comparação, que muita me deixa lisonjeada. A ideologia de fato está de pé.

Blog do Fábio Sena: Alice, vamos para um governo de oito anos na Bahia, que foi o governo que sucedeu um modelo de fazer política que você combateu visceralmente, o carlismo. O que você acha que mudou de fato?
Alice Portugal: Mudou muita coisa. Primeiro a cultura da política. Você não ouve falar em prefeitos perseguidos, de telefonemas de um governador para um presidente de tribunal ou a prefeitos, impondo: vote no meu neto! Então, isso já não há na Bahia. Há na Bahia uma cultura republicana que todas as prefeituras, de acordo com as possibilidades são reconhecidas, são atendidas, tem suas reivindicações pelo menos gritadas diante do governo. As estradas foram requalificadas, milhares de quilômetros que estavam completamente deteriorados, temos hospitais sendo construídos, nós temos políticas públicas importantes, por exemplo, para mulheres, para jovens, enfim, a Bahia deu um salto de qualidade nestas questões relacionadas com a cidadania, mas falta muita coisa, porque o estado estava desconstruído, estava no rodapé das condições sociais. Oito anos deram uma virada, mas ainda não é uma virada completa. É preciso continuar este projeto de mudança, de avançar nas mudanças, e de ter mais resultados na Bahia, por isso nós achamos que foram oito anos de grande êxito, mas é preciso renovar o projeto para que possamos alcançar mais êxito.

Blog do Fábio Sena: Você acha que este republicanismo consegue atingir as almas, ele se erguerá para além da política partidária em si, ou seja, ele atinge simbolicamente as pessoas comuns?
Alice Portugal: Eu acredito que sim. Quando a superestrutura politica se humaniza, você muda culturas. A Bahia passou pela maior seca dos últimos 60 anos. Nós não ouvimos dizer que uma pessoa morreu por desidratação, ou que crianças morreram de epidemia de gastroenterite. Então, evidentemente, isso é o quê? É Água Para Todos, é Luz Para Todos, É a Minha Casa Minha Vida, com precariedade, com problemas, mas tá aí, atendendo a população. Então, não há dúvida, você saber que seu filho não vai ser vítima da fome, dos ascaris lumbricoides, ou seja, a chamada barriga d’água, você efetivamente humaniza, muda seu olhar para com os demais. Então, nós estamos fazendo isso na Bahia e no Brasil. A grande obra da presidenta Dilma foi continuar o trabalho de Lula, mas com este olhar focado na diminuição da extrema pobreza e nós temos sido realmente vitoriosos neste patamar. Uma pena que uma boa parte da mídia somente foca os problemas, os desvios, os deslizes e muitas vezes até comete injustiças, mas efetivamente não mostra o que se produz. Nós precisamos alertar corações e mentes. Aqui portanto que é uma região sacrificada, linda. Vitória da Conquista é esta pérola do Sudoeste baiano, mas sofre, a região sofre com a falta d’água, sofre com a seca e sabe do que estou falando em relação ao que motivava as lágrimas de muitas mães enterrando seus filhos e cantadores registraram isso. Portanto, nós estamos mudando mesmo e temos que seguir adiante para confirmar esta mudança e fazer do país, um país que ele merece ser, deste estado, o estado que ele merece ser.

Blog do Fábio Sena: O PCdoB, em sua propaganda eleitoral da última quinta, pregou crescimento e força. Ele tem força pra disputar uma vaga na chapa majoritária em 2014?
Alice Portugal: Olha, nós vamos participar deste projeto, a nossa ideia é manter o projeto que o governador Wagner hoje conduz. Achamos que dividir as forças é um equívoco. Nós podemos favorecer retrocessos. Então, por isso, o PCdoB vai estar com esta mesma coalizão que elegeu Wagner, que elegeu Lula, que elegeu Dilma, é esta coalizão que nós entendemos que vem mudando o Brasil. O partido hoje é um partido de médio a grande. Depois de tudo que este partido sofreu na história deste país… Nós somos o partido mais antigo em exercício político no Brasil, o velho PCdoB, temos as digitais impressas nas mais importantes lutas do povo brasileiro. Mas, por exemplo, quando o PT foi fundado em 80, nós ainda ficamos na ilegalidade até 85. É como se você soltasse um corredor e segurasse o outro meia hora. E nós, portanto, hoje, nos consideramos um partido médio, mas ainda não temos força pra um voo desta magnitude. Então, vamos apoiar, vamos tentar eleger três deputados federais, vamos tentar eleger de 3 a 5 deputados estaduais. Muito nos honra, por exemplo, a participação de Fabrício na Assembleia Legislativa da Bahia. Tão reconhecido foi que agora acabou de eleito por nosso comitê central, Então, nossos voos eles são calculados de acordo com nossa musculatura e no momento é isso, esperamos o apoio do povo.

Blog do Fábio Sena: Como você avaliou nos planos nacional e estadual o PSB se apresentando como alternativa, uma espécie de terceira via?
Alice Portugal: Acabei de falar sobre isso. Acho que dividir pode auxiliar o retrocesso. Eu sou parceria, tenho grande amizade e parceria com o PSB, e enfim… É uma opção, é um direito legítimo com seus atores e atrizes, são mais do que legítimos. É um direito deles, mas, é necessário na história a gente calcular o momento e a oportunidade. Na nossa compreensão, dividir na Bahia, nesse momento, abre a possibilidade de um retrocesso e eu não gostaria de ver o nosso povo novamente sob o tacão de oligarquias, daqueles que fizeram da Bahia um Estado coronelista, um estado submetido, humilhado. Eu, efetivamente, acho que a Bahia não merece, nossos filhos e netos não merecem viver o que nós vivemos.

Blog do Fábio Sena: Você ainda sonha ver o aeroporto de Salvador com o nome de Dois de Julho?

Alice Portugal: Sonho, não, eu ‘tô lutando. E nós vamos conseguir. Eu sou autora do projeto que a presidenta Dilma sancionou, a lei que eleva a data do Dois de Julho a condição de data nacional, de efeméride nacional. É muito importante falar para as criancinhas de Conquista que a Bahia podia ser um país ou uma colônia portuguesa até hoje e que foi uma luta de muitos baianos que levou a gente a conseguir a confirmação da independência. Isso se deu em um ano de luta, de guerra e que o livro de história não constava e isto agora vai constar e esta decisão facilita a garantia da mudança do nome do aeroporto e nós esperamos que isso aconteça em breve votação na Comissão de Cultura na Câmara dos Deputados.

Blog do Fábio Sena: Como você avaliou, do ponto de vista histórico, político, partidário, esta questão das prisões de Zé Dirceu e Genoíno. Te abateu?
Alice Portugal: Acho que abate a democracia no Brasil. Primeiro porque existe uma campanha para desmoralizar a política e os políticos. As pessoas não são iguais, decididamente. O que houve ali, acho que o Brasil inteligente sabe, que a campanha cada vez mais cara e a busca de aliados políticos leva a busca de financiamentos que nem sempre são financiamentos registrados, e isso foi o que aconteceu, caixa 2 pra campanha e lamentavelmente acabou num processo criminal que levou pessoas da mais tradicional história democrática a estarem numa situação vexatória. Como eu lamento a situação de José Genoíno Neto, que de fato é um homem pobre, e os que o visitaram lá ainda veem as marcas de sangue em sua camisa, porque a sua cicatriz ainda não está fechada da sua última cirurgia; é uma verdadeira perseguição. Então o que houve foi um caixa dois, foi dinheiro pra campanha. Nós devemos mudar as regras dos jogos, porque os ricos usam fortunas e as empresas de seus aliados, os que não são ricos vão atrás de financiamentos, muitos acabam sendo penas alugadas, ao invés de serem representantes da população. É preciso ter o financiamento público, que é esse fundo partidário requalificado, onde você possa gastar até um determinado número de recursos e a partir dali é crime. Então, nós temos que mudar a regra do jogo, porque estes são os primeiros, poderão vir outros. Se as campanhas continuarem tão caras, tão facilitadoras do poder econômico comandar por trás da política as regras das política…

Blog do Fábio Sena:
Na conferência estadual do PCdoB, uma das vozes que mais manifestou contrariedade ao fato de o partido não ter lançado uma candidatura à prefeitura de Salvador foi a sua, e parece que houve um eco à sua manifestação. Estrategicamente, você acha que foi um erro, o que deveria ter sido feito?
Alice Portugal: Pois é! Alguns dizem que naquela época nós não poderíamos ter uma antevisão que a sua presença poderia significar um debate diferenciado, não que fosse ganhar, mas que poderia até facilitar não haver o retrocesso… A eleição em dois turno, não é? Que houve… Enfim, o meu partido fez esta opção, eu respeitei, mas isso não impede de eu dizer que de fato eu estava preparada, pronta pra enfrentar aquele debate. Eu acho que perdemos uma chance, mas vamos para frente, vamos enfrentar estas adversidades políticas, vamos enfrentar os debates sobre o valor da política. Há gente séria, há gente dedicada. Em todos os partidos nós vamos achar pessoas dedicadas. É muito importante que a população abra os olhos, tenha olhos de ver às vezes aquilo que atende na sua comunidade, você tem que ver como ele vota lá, se ele vota a seu favor. Por exemplo, agora a decisão sobre os 10% de multa para quem demite sem justa causa. Os empresários foram lá e forçaram a barra contra e este dinheiro, este 1% de multa vai para o Minha Casa Minha Vida e a presidenta Dilma corajosamente vetou. Quantos votaram a favos os trabalhadores? Dos 513, apenas 103. É muito pouco. Então tem que observar, olhar o perfil, que melhorará na medida que as pessoas façam escolhas certas. O Congresso Nacional é o espelho plano da sociedade brasileira. É o reflexo. Só que a imagem é distorcida pelo poder econômico. Nós precisamos votar em quem vota em você, em quem respeita os compromissos que assumiu durante uma campanha, em quem levanta bandeiras que tem a ver com a melhoria das condições de vida do povo.

Blog do Fábio Sena: Há uma verdadeira explosão de comissões da verdade Brasil afora. Na Argentina, Chile e Uruguai estas comissões funcionaram no sentido de punir verdadeiramente jornalistas, donos de jornais, militares, ou seja, houve um processo de julgamento, houve um processo de condenação real. O Brasil parece que engatinha ainda num processo de indenizações. Você acha que é possível avançar para que se apure de fato quem conduziu torturas, por exemplo?
Alice Portugal: A cultura é diferente no Brasil; no resto da América Latina o processo político se deu de maneira diferenciada. A ditadura que durou no Brasil durante 21 anos, ela não foi a que mais matou, mas foi a mais competente porque desmemoriou a nação brasileira. Então quando derrubamos a ditadura do ponto de vista institucional, eleitoral, nós não trouxemos conosco a rebeldia do povo em relação aos acontecimentos passados com intensidade devida, então faltava correlação de forças e esta correlação de força está sendo adquirida de pouco a pouco e nós hoje chegamos ao ponto das indenizações, passamos dela. Semana passada, nós anulamos a ata que deu vacância a Jango. Uma mentira. João Goulart, presidente, em 64, estava no Brasil e num golpe foram ao Congresso Nacional e declararam a vacância para que os militares tomassem o poder. O golpe começou aí e nós anulamos a ata, começamos a mexer na história e começamos a anistiar politicamente Carlos Marighela, o que ainda deixa indignadas as viúvas por este Brasil afora. Eles se apropriaram da história, estão com os documentos, sabem onde os corpos estão e estas famílias têm o direito de enterrar seus filhos. Elas têm o direito de dizer adeus aos seus entes queridos e os que estão vivos tem que ter obrigação e ajudar e a justiça já reiterou esta obrigação. Então nós vamos até o fim na busca destas revelações. Devolvemos, por exemplo, os mandatos dos 46 deputados do poder, do PCB, antigamente, mas conhecido como Partido Comunista do Brasil, devolvemos os mandatos, simbolicamente, numa sessão emocionante, com a família de Luiz Carlos Prestes, com a família de Jorge Amado, com Paloma Amado fazendo uma fala emocionante. Jorge Amado foi deputado pelo PCdoB, cassado injustamente em 46 e esses mandatos foram devolvidos às famílias que saíram com um diploma e um broche, e nenhuma página de jornal deu primeira. Então nós já passamos das indenizações. Vamos chegar lá.

Blog do Fábio Sena: Por fim, deputada, alguma consideração sobre algum tema que não tenha sido pautado?
Alice Portugal: Eu quero agradecer a profundidade da sua entrevista, dizer que é sempre um prazer vir a Vitória da Conquista pra conversar com você, que tenho um compromisso com esta terra, que me acolhe como filha e eu, de tão distante que estou, agracio Vitória da Conquista com emendas do orçamento, recursos do povo, é minha obrigação de ter solidariedade com meus amigos, Jean Fabrício, os vereadores amigos que temos na Câmara Municipal, o movimento nacional, o movimento das mulheres na figura de Lídia, são trinta anos de mulheres de Vitória da Conquista, os secretários municipais acolhidos pelo prefeito Guilherme Menezes, nosso querido Miguel Felício, Élvio Dourado, Hudson Castro. Então eu tenho esta parceria e a orientação é do professor Elias Dourado sempre, então, minha relação é muito forte com Vitória da Conquista e fico muito honrada de ter acolhida nesta terra.