Direitos Humanos: Combate ao ‘medo do outro’ é uma prioridade

Apesar de reconhecer avanços nos últimos 20 anos, Navi Pillay, alta-comissária da ONU para Direitos Humanos, chama atenção para “fracassos trágicos” na prevenção de atrocidades e na proteção. “Os protestos pacíficos por parte de pessoas que exercem – e pedem – os seus direitos legítimos estão sendo brutalmente esmagados pelas autoridades praticamente todos os dias”, alertou.

Navi Pillay - ONU

Em 1993, a Declaração de Viena foi adotada pelos países que participaram da Conferência Mundial sobre Direitos Humanos, na Áustria. Desde então, reconhece Navi Pillay, houve muitos avanços na promoção destes direitos e na sua proteção, mas ainda há falhas gravíssimas.

A representante critica o uso da tecnologia para a espionagem e para a violência, como é o caso da "vigilância eletrônica" e do uso de drones, aviões não tripulados, para ataques militares, principalmente. Ressalta também a ineficiência de alguns Estados na proteção dos direitos humanos dos seus próprios civis, quando não são os próprios os agentes repressores, por exemplo.

Leia a declaração, na íntegra, da alta-comissária da ONU para os Direitos Humanos, marcando o Dia dos Direitos Humanos, 10 de dezembro:

Há vinte anos, foi adotado um documento histórico em Viena. A Declaração de Viena cristalizou o princípio de que os direitos humanos são universais e comprometeu os Estados na promoção e proteção de todos os direitos humanos para todas as pessoas, independentemente dos seus sistemas políticos, econômicos e culturais.

Entre muitas outras importantes e inovadoras conquistas, a Declaração de Viena levou à criação do meu Escritório – o Alto Comissariado para os Direitos Humanos. Desde então, têm-se verificado muitos avanços – de fato, mais do que as pessoas por vezes imaginam.

Os fundamentos para a proteção e promoção dos direitos humanos estão amplamente criados: estes incluem um órgão forte e em evolução do direito internacional dos direitos humanos, assim como instituições para interpretar as leis, para supervisionar o seu cumprimento e aplicá-las às novas questões emergentes de direitos humanos.

Agora é crucial implementar essas leis e normas de modo a tornar os direitos humanos uma realidade no terreno. A vontade política e os recursos humanos e financeiros para o alcançar estão demasiadas vezes em falta.

Infelizmente, os 20 anos desde Viena têm também sido marcados por vários retrocessos e por vários fracassos trágicos na prevenção de atrocidades e na salvaguarda dos direitos humanos.

Por várias vezes, onde estavam a acontecer deploráveis violações e de larga escala do direito internacional dos direitos humanos, a comunidade internacional foi demasiado lenta, demasiado dividida e com uma visão demasiado curta – ou apenas inadequada na sua resposta aos avisos dos defensores de direitos humanos e aos gritos das vítimas.

A Declaração de Viena deve ser vista como um plano para o magnífico edifício que está construído apenas pela metade.

A conduta dos Estados é mais investigada do que antes e a expansão das organizações da sociedade civil e os ativistas de direitos humanos tem sido verdadeiramente notável. Juntamente com instituições nacionais independentes de direitos humanos, esses são os alicerces do desenvolvimento dos direitos humanos a nível nacional.

Contudo, o fato de que os mesmos enfrentam também uma perseguição e intimidação crescentes em muitos países constitui uma matéria de profunda preocupação.

As mulheres continuam a sofrer discriminação, violência e perseguição, tal como as minorias étnicas, raciais e religiosas, os migrantes e também os indivíduos devido à sua orientação sexual. Isto mostra-nos o quão longe ainda temos de ir.

Os conflitos internos continuam a fomentar e a produzir abusos horrendos de direitos humanos. Os protestos pacíficos por parte de pessoas que exercem – e pedem – os seus direitos legítimos estão sendo brutalmente esmagados pelas autoridades praticamente todos os dias.

Mudar e deslocar populações, motivadas pela pobreza crescente, movimentos de refugiados e uma economia global volátil fazem do combate ao “medo do outro” uma prioridade.

E continuam a emergir novos desafios complexos, tais como a mudança climática e os movimentos globais terroristas. A forma como operam neste mundo está também a mudar num ritmo cada vez mais acelerado.

As tecnologias modernas estão transformando a forma como os direitos humanos funcionam. Em 1993, a Internet tinha apenas quatro anos de idade e o seu uso futuro e alcance dificilmente poderiam então ser imaginados, nem a forma como a Internet poderia afetar fundamentalmente as nossas vidas.

Juntamente com as redes sociais e as inovações informáticas, essas tecnologias estão melhorando drasticamente as comunicações em tempo real e o compartilhamento de informação. Estão também ampliando a voz dos defensores dos direitos humanos, denunciando os abusos e mobilizando apoio para diferentes causas em várias partes do mundo.

Mas também temos visto a forma como as novas tecnologias estão facilitando a violação dos direitos humanos, com uma eficiência arrepiante no século 21. Numa violação do direito internacional, a vigilância eletrônica massiva e a coleta de dados estão ameaçando os direitos individuais e o livre funcionamento de uma sociedade civil vibrante.

Um “tweet” ou uma publicação no Facebook feita por um defensor dos direitos humanos podem ser suficientes para o/a conduzir à prisão. Os “drones” podem ser – e estão sendo – usados para fins positivos. Mas os drones armados estão também a ser instalados, sem o devido processo legal, para atingir remotamente indivíduos.

Os chamados “robôs assassinos” – sistemas de armamento autônomo que podem selecionar e atingir um alvo sem a intervenção humana – já não são ficção científica, mas uma realidade. A sua provável instalação futura coloca profundamente sérias dúvidas sob o ponto de vista ético e legal.

É necessária uma vigilância continuada para assegurar que as novas tecnologias avancem, e não destruam, os direitos humanos. Não importa a escala de tais mudanças, a existência do direito internacional dos direitos humanos e direito internacional humanitário para regular a conduta nos conflitos armados continua a ser necessária.

Os Estados devem assegurar que os direitos sejam aplicados

No plano internacional, uma enorme quantidade de trabalho continua por fazer, de modo a transformar os direitos humanos de promessas abstratas em melhorias genuínas nas vidas cotidianas de todas as pessoas, especialmente das que são atualmente marginalizadas ou excluídas.

O Escritório das Nações Unidas para os Direitos Humanos vai continuar trabalhando com todos os nossos parceiros para tentar prevenir que ocorram violações de direitos humanos. Vamos continuar a nos expressar livremente sobre as violações dos direitos humanos.

Vamos continuar a perguntar aos Estados para que façam a sua parte – de longe a maior parte – de modo a assegurar que os erros trágicos do passado não sejam repetidos e que os direitos humanos para todos sejam protegidos e promovidos.

Podemos – e devemos – fazer melhor. A visão e os objetivos formulados há 20 anos em Viena continuam válidos. Continua a fazer sentido lutar por eles agora – durante os próximos 20 anos – e depois disso.

Com informações do Alto Comissariado da ONU para os Direitos Humanos