Grande finança, monopolismo, populismo e o risco democrático

A crise generalizada é responsabilidade de um punhado de grandes famílias do capital monopolista, as quais determinam o direcionamento político e econômico por meio dos organismos intergovernamentais. Há uma degradação geral da sociedade como um todo, uma etapa que mostra, sem a possibilidade de refutação, a condição de submissão do Estado ao poder monopolista, que vai do nível mais íntimo das instituições, mesmo as menores.

Por Erman Dovis*

Isto mostra a ferocidade com que a classe monopolista avança para garantir seus interesses. O processo de fascistização em curso é um reflexo desta situação, da qual ainda não se tem plena consciência. A tentativa é de imprimir um conteúdo autoritário com cadência metodológica, cercando a sociedade de um contorno fascista que se intensifica sempre mais. As forças armadas servem aos interesses oligárquicos e privados – caso Maró, na Índia (1), a Lei Fornero (2), as insistentes tentativas de impedir a centro-esquerda de formar um governo – utilizando para isso até mesmo as forças desavisadas da ultraesquerda, que se negam a fazer uma política de alianças -, as privatizações, o desmantelamento das pequenas e médias empresas, são elementos que confirmam essa tendência manifesta.

De resto, o que significa a descaracterização da Constituição antifascista? No curso da história moderna, cada novo Estado, cada novo ordenamento político e social que nasce, seja progressista ou reacionário, se dota de regulamentos próprios que lhe caracterizam e dão identidade. Foi assim na Rússia soviética, que editou sua própria constituição; foi assim também sob o fascismo, que tratou de renovar o sistema legislativo italiano e assim ocorreu depois da vitória sobre o fascismo, quando surgiu aquela Itália renovada, coroada pela Constituição antifascista.

Hoje, portanto, a tentativa de mudar aquela Constituição mostra a vontade oligárquica de forçar definitivamente a passagem para uma condição pós-democrática, que se acentua ano após ano, uma forma de fascismo aberto, no qual a classe monopolista, de uma maneira diferente da de ontem, apodera-se das instituições sem mediações (parece estar em pleno curso o “convite” do colosso JP Morgan, da família Rockfeller, de liberar-se das constituições democráticas europeias).

A eleição de Renzi mostra, por um lado, como as forças monopolistas levam o Partido Democrático a mover-se dentro de um discurso conservador ao mesmo tempo em que emerge, de outro lado, o confronto intermonopolista entre os blocos de Maastricht e Wall Street que se reflete nos acontecimentos atuais. Essa é a leitura que se pode fazer do caso Renzi: o poder monopolista que o sustenta, a sua declaração contra Colaninno e o apoio dado a De Benedetti.

De fato Renzi, Grillo e companhia integram uma estratégia populista que vem sendo adotada para viabilizar o desenho fascistizante: uma estratégia que deve envolver amplos setores da sociedade, tendo como principais sustentáculos o subproletariado e a pequena burguesia. Um populismo que vem sendo concebido de maneira a dar ilusões àquelas classes e setores de que têm algum peso na cena política; enquanto lutam ferozmente para manter suas pequenas conquistas e refutam as contraposições de classe (reivindica-se o novo, sendo direita e esquerda inimigos, representantes de um velho sistema já falido), a classe monopolista ascende com violência e tirania.

Os forconi (3), os fascistas que declaradamente bloqueiam estradas e ferrovias são um fenômeno que vem delimitando essa estratégia e mostram a extrema gravidade da situação: reafirmam-se com bravatas e estão em um nível de organização muito maior do que o da classe operária, dividida e isolada, dado o despreparo dos comunistas que, em boa parte, subestimam o fenômeno e também dada a desorganização de toda a frente democrática da classe que luta contra o monopolismo.

É certo que, para dar maior impulso ao processo em andamento, deverá ocorrer, seguramente, algum evento dramático de impacto nacional.

Ao se permitir a concentração do poder econômico em cada vez menos mãos, sem oposição, está-se gestando um perigo de dimensões importantes: esses poderes ascendentes são a base dos regimes fortes contra a massa trabalhadora e contra o povo. E os regimes “fortes” são, nessa composição de classe em que se apresentam, fascistas.

Graves perigos rondam os países da Europa: o risco da fascistização continental e da guerra.

É fundamental agirmos agora: a classe operária e o seu partido comunista propõem a Frente Democrática da classe em luta contra o monopolismo, uma frente democrática dirigida pela classe operária que deve isolar a classe monopolista, condição indispensável se se propõe a ao menos colocar em discussão os parâmetros impostos pelos organismos internacionais e supranacionais que exercem o comando direto.

Uma frente democrática das forças progressistas que seja o resultado da unidade de ação que a classe operária sempre propôs no curso de sua luta histórica, tanto nas fases de ascenso como nas de defesa. Uma luta que na realidade já demonstra ser continental porque decorre do desenvolvimento do modo de produção capitalista, de caráter monopolista/financeiro. As formações monopolistas assumem contemporaneamente vestes multinacionais e seus interesses abarcam setores muito diferentes entre si e não exclusivamente de produção de mercadorias. O capital se concentra em cada vez menos mãos, centralizando-se não apenas no nível nacional.

Isso significa que o desenvolvimento do capital não se dá unicamente no plano nacional, mas numa dimensão continental, mesmo que disso não se tenha ainda uma consciência difusa, mas restrita a uma vanguarda.

Essa é a tendência da luta na América Latina e o será também na Europa. Isso não significa, por certo, anular a realidade e as prerrogativas nacionais, antes o inverso. A Frente Democrática e Antimonopolista da classe em luta contra o monopolismo direcionará a classe operária a enfrentar definitivamente a capitulação ao fascismo, à guerra e à nova restauração medieval.

*Membro do Partido dos Comunistas Italianos (PdCI); tradução de Rita Coitinho

1 – N.T. O caso a que se refere o texto acorreu em fevereiro de 2012, trata-se da prisão, pela polícia de Kerala (Índia), de dois fuzileiros da marinha italiana, Massimiliano Latorre e Salvador Girone, pelo assassinato de dois pescadores indianos. A versão sustentada pelos italianos é de que os dois homens mortos seriam piratas, o que justificaria a ação dos marinheiros. As autoridades indianas contestam a versão e o caso tornou-se uma crise diplomática entre as duas nações.

2 – N.T. Trata-se da reforma da legislação trabalhista, operada pelo governo Monti. Leva o nome do então ministro Elsa Fornero.

3 – N.T. – Trata-se de uma organização política siciliana.