Haggai Matar: Israel suspende deslocamento de beduínos, e depois?

Os ativistas da campanha “Pare o Plano Prawer” podem celebrar seu grande sucesso em suspendê-lo. Há duas semanas, as apostas estavam todas em uma luta arrastada: um ato que passaria no Parlamento, seguido de um longo e complicado processo de recursos à Suprema Corte de Justiça, com uma escalada simultânea nos confrontos violentos entre novas forças da polícia (estabelecidas pelo plano) e os residentes beduínos das vilas não reconhecidas do deserto de Negev.

Por Haggai Matar*, na +972 Magazine

Plano Prawer beduíno - EPA

Mas a maré virou duas semanas atrás, quando confrontos entre manifestantes e a polícia em Hura e Haifa [no norte de Israel] chacoalharam o país. A negligência da mídia israelense sobre o Plano Prawer e a resistência a ele no local (desde que a resistência mantivesse-se pacífica) foi jogada de lado quando pedras e balas de borracha começaram a voar. De repente, todos estavam falando dos beduínos e das demolições de casas.

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Reações ao “dia da ira” aconteceram em diversos níveis: no terreno, a polícia usou força excessiva, enquanto as cortes prolongaram repetidamente as detenções de manifestantes anti-Prawer de formas que só podem ser descritas como um estado de emergência (13 deles ainda estão atrás das grades).

O ativismo no local encorajou a oposição no Knesset [Parlamento] a ser mais assertiva, exigir respostas sobre a proposta feita e advertir sobre os riscos que podem esperar o país caso ele seguisse adiante com o planejado.

Enquanto autoridades do governo estavam tentando retratar os protestos como marginais, alegando que a vasta maioria dos beduínos apoia o plano, um dos seus promotores principais, o ministro Benny Begin foi forçado a admitir, no começo da semana, que nunca havia mostrado o plano em detalhes aos beduínos, e por isso não poderia ter obtido apoio deles.

Isto aumentou uma divisão já existente dentro da direita, enquanto [o chanceler Avigdor] Lieberman, [o ministro da Economia Naftali] Bennett e partes do Likud [partido do premiê Benjamin Netanyahu] apressaram-se para atacar o plano por alocar demasiada terra aos beduínos. Atacado de todos os lados, o governo foi eventualmente forçado a descartar o plano inteiro.

Mas o que isso significa para as dezenas de milhares de beduínos que vivem em vilas não reconhecidas no Negev [no sul de Israel], sem a infraestrutura básica e em constante temor pelas demolições? Falando em termos gerais, há três resultados possíveis para o fim do Plano Prawer.

Primeiro, e o que me parece mais provável, o governo pode retirar-se completamente das suas visões de “limpar” o Negev e aceitar pela continuidade do atual estado das coisas (com a possibilidade de outro comitê, que poderia levar anos para alcançar qualquer tipo de decisão). Isso é definitivamente melhor para os beduínos do o Plano Prawer em si, mas ainda significa uma vida de pobreza e medo, ordens de demolição, recursos jurídicos e a destruição ocasional de lares – como é o caso de Al-Araqib e, agora, Umm al-Hiran.

A segunda opção é a de que os gaviões extremos no poder, ao invés dos beduínos e da esquerda, tomarão o crédito por descartar o plano e tentarão impulsionar um novo e mais radical de desenraizamento com pouca ou nenhuma compensação. Entretanto, tal iniciativa pode ser mais difícil de promover entre os pragmáticos no governo, e seria mais complicado explicar à Suprema Corte (que já estaria ciente das concessões feitas como parte do plano). Só é possível imaginar a mídia, agora desperta para a questão toda, sendo mais crítica sobre tal jogada.

A terceira e menos provável opção é a de o governo começar um processo de diálogo com os beduínos, revisar os planos feitos pelos líderes locais e as ONGs e considerar reconhecer as vilas e desenvolver o Negev para todos os seus habitantes. Enquanto isso é irrealista sob a atual administração, é o que os beduínos e os ativistas da esquerda continuam defendendo. Talvez, no futuro, não pareça tão absurdo quanto parece agora. Afinal de contas, apenas há duas semanas, ninguém imaginaria que o plano seria descartado.

*Haggai Matar é jornalista independente e colaborador da revista eletrônica israelense +972 Magazine.
**Título original: O que espera os beduínos em um Israel pós-Prawer?

Fonte: +972 Magazine
Tradução de Moara Crivelente, da redação do Vermelho