Juan Manuel Karg: O cumprimento de Obama a Raúl Castro

A opinião pública internacional ficou impressionada quando, na terça-feira passada (10), o presidente dos Estados Unidos, Barack Obama, saudou ao seu homólogo cubano, Raúl Castro, em Johannesburgo, África do Sul. A imagem, reproduzida por centenas de meios de comunicação em todo o mundo, aconteceu durante o funeral de Nelson Mandela, no Estádio Soccer City. Abre-se um novo período na relação entre ambos países?

Por Juan Manuel Karg*, na Adital

Aperto de mão entre Barack Obama e Raúl Castro foi considerado um fato histórico | Foto: Getty Imagens

Após o cumprimento, diversos analistas políticos de todas as latitudes deram seu parecer sobre o fugaz encontro. Falou-se insistentemente de um "novo tempo” para a relação entre os EUA e Cuba. A palavra reconciliação foi repetida incessantemente em alguns multimeios informativos –inclusive, tentando atribui-lo ao "espírito” de Mandela- mais como vocação futura do que como síntese do que acabava de acontecer.

É importante falar sobre as repercussões do "mundo político” para não cair em análises simplistas e apressadas. O primeiro que tomou a palavra –somente horas após o fato- foi John Kerry, Secretário de Estados dos EUA, afirmando que "o presidente esteve em um funeral internacional e não escolheu quem estaria por lá”, dando a entender que o encontro havia sido espontâneo -e longe do interesse do próprio Obama-. A congressista republicana Ileana Ros-Lehtinen foi além e criticou a atitude do presidente norte-americano, ao afirmar que o cumprimento foi um "golpe de propaganda” para o governo cubano.

Esse encontro mudará a política dos EUA ante Cuba?

Vários elementos prévios nos mostram certo ceticismo a respeito. Em primeiro lugar, a manutenção –e o aprofundamento- do bloqueio econômico, comercial e financeiro sofrido pela Ilha desde 1962, cujas perdas são estimadas em mais de 1 bilhão de dólares durante esse tempo. "O bloqueio tem aumentado no setor financeiro no Governo de Obama”, disse em outubro passado o chanceler cubano Bruno Rodríguez, após assegurar ante a ONU que as transações monetárias de Cuba eram vigiadas pelo "enorme sistema de espionagem global” dos EUA –que já foi denunciado por diferentes países, entre eles o Brasil-. É a própria ONU quem, há 22 anos, initerruptamente, denuncia o bloqueio, com um repúdio massivo que em 2013 expressou-se através de 188 votos dentre 193 países votantes-.

Em segundo lugar, o caso dos cinco antiterroristas cubanos condenados nos EUA: Gerardo Hernández, Ramón Labañino, Antonio Guerrero e Fernando González permanecem encarcerados há mais de 15 anos por delitos nunca provados, enquanto René González saiu da prisão em 2011, regressando a Cuba este ano após renunciar à cidadania estadunidense. Em reiteradas ocasiões, Cuba manifestou sua vontade de diálogo para encontrar uma solução "recíproca” ante esse caso e o do cidadão norte-americano Alan Gross, contratista da Usaid (Agência de Desenvolvimento Internacional dos EUA) que permanece preso há 4 anos na Ilha, sob cargos de violação das leis cubanas. No entanto, até o momento, essa vontade de diálogo por parte do governo de Raúl Castro não foi "correspondida” por seu homólogo estadunidense.

O terceiro ponto tem a ver com outra briga pelos Direitos Humanos: em 2009, antes de chegar à Casa Branca, Barack Obama afirmou que durante seu mandato fecharia a prisão de Guantânamo, onde vivem uma situação condenável sob todo ponto de vista: dos 164 presos encerrados após sua criação, em 2002, somente 3 foram julgados de forma bastante irregular. Mais da metade -84 presos- já têm aprovada a transferência a seus países de origem; porém, continuam vendo passar seus dias nesse centro de detenção/base militar pela ineficiência da administração de Washington. Recentemente, após a denúncia de funcionários estadunidenses retirados, soube-se que durante os primeiros anos do centro de detenção, a CIA converteu alguns detidos em "agentes duplos”, sob a condição de poder retornar velozmente a seus países em troca de prestar colaboração com os EUA na luta contra o "terrorismo”, em troca de dinheiro e segurança para suas famílias.

Para que exista um verdadeira mudança na política entre ambos países, Obama deve repensar alguns pontos, considerando que a vontade de diálogo do governo cubano sobre os mesmos já foi apresentada. Os Estados Unidos têm que prestar atenção a diversas vozes –sociais, políticas e de Direitos Humanos- da comunidade internacional que pedem uma virada na política para com a Ilha, reclamando o fim do bloqueio, a liberdade dos Cinco e o fechamento de Guantânamo. Definitivamente, não são necessários cumprimentos protocolares; mas, ações concretas. Sobre essas medidas, tão urgentes quanto necessárias, é que ambos países poderão estabelecer uma nova relação.

*é mestrando em estudos sociais latino-americanos na Universidade de Buenos Aires (UBA).