Miguel do Rosário: A nova investida da mídia contra José Dirceu

A nova investida da mídia contra José Dirceu, que descobriu que o ex-ministro, já como advogado privado e tentando ganhar a vida longe do governo, abriu uma empresa no Panamá, é simplesmente cansativa.

Miguel do Rosário*, no blog Tijolaço

Depois que foi revelado que o Saint Peter, o hotel onde Dirceu iria trabalhar, tinha uma empresa no Panamá, descobriu-se que a Globo também tinha, o grupo Abril também tinha, e a família do prefeito do Rio de Janeiro Eduardo Paes também tinha. Todos esses, com exceção da Globo, que usou outra firma, operaram com a mesma empresa do hotel Saint Peter, a Truston.

A Morgan & Morgan, que todo mundo usa, é a maior firma do Panamá. A maioria dos brasileiros que abre uma firma nesse paraíso fiscal utiliza os serviços dela.

Ontem[21]  eu descobri, e publiquei aqui [abaixo] no Tijolaço, que Jorge Fagali Neto, amigo de Aloysio Nunes, importante quadro do PSDB-SP, e um dos homens do “trensalão”, era representante de uma empresa no Panamá que também usou os serviços da Truston; mais ainda, usou o mesmo funcionário, o famigerado José Eugenio Silva Ritter, usado pelo hotel St Peter.

Ou seja, o problema não é ter empresa no Panamá, que não é ilegal. O problema é a imprensa brasileira se concentrar apenas no que pode atingir José Dirceu. Custava informar aos leitores que Globo, Abril, família Paes e tucanos também tem empresas no Panamá, a maioria usando o mesmo endereço da Truston? E que Dirceu não é dono disso tudo?

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Trensalão levou tucanos ao Panamá!

Esse final de ano está cheio de situações irônicas. Lembram daquela deputada brasileira na Itália, Renata Bueno, que apareceu na televisão dizendo que tinha informações sobre Henrique Pizzolato e que poderia fazer pressão junto ao governo italiano para prenderem o sujeito?
Esta semana, o jogo se inverteu. O marido de Bueno, o atleticano Juliano Borgheti, foi condenado e emitiu-se voz de prisão contra ele, pela briga em que ele se meteu num estádio em Joinville. E a polícia passou a suspeitar que ele estivesse na Itália!

Só que Borghetti acabou se entregando a polícia. Ele diz que nunca chegou a sair do Brasil.
A outra ironia é esta. Lembram-se do hotel onde Dirceu tentou trabalhar? Lembram como a Globo viajou até o Panamá, quando descobriu que uma das empresas tinha sede lá. O repórter encontrou o presidente de fachada da empresa e fez um circo que obrigou Dirceu a largar o emprego e procurar outro.

Pois é, agora vejam a coincidência, essa matéria sobre Dirceu foi publicada no dia 3 de dezembro. Agora, dois dias depois, estoura na mídia uma outra bomba, dessa vez contra tucanos.

A ironia é que um dos principais investigados nessa rodada, o tucano Jorge Fagali Neto, era o representante de uma conta no Panamá a qual, segundo a PF, servia para distribuir propina aos aliados. Reparem bem, ele não era um empregado de um hotel que tinha uma empresa sediada no Panamá; ele era o representante da empresa.

Fagali Neto era homem de confiança de Aloysio Nunes, lobista da Alstom, e arrecadava para campanhas tucanas há bastante tempo. Uma secretária de Fagali entregou uma carta à PF, algumas semanas trás, com emails comprometedores entre ele e Aloysio Nunes.
Ironia das ironias: o mesmo rapaz entrevistado pelo Jornal Nacional, e que seria o “presidente da Truston”, a empresa que administrava o hotel onde Dirceu iria trabalhar, o mesmo José Eugenio Silva Ritter, também aparece como presidente da WOLER CONSULTANTS S.A., offshore operada por nosso amigo Fagali Neto.

A data de criação da empresa, 21 de setembro de 2007, ajusta-se perfeitamente ao período em que os trensaleiros mais movimentaram recursos numa conta em Genebra, conforme informou a Justiça suíça.

Fagali é um dos 11 indiciados pela Polícia Federal por suspeita de ilegalidades envolvendo contratos da Alstom com o governo estadual. Os investigadores afirmam que ele cometeu os crimes de corrupção, lavagem de dinheiro e evasão de divisas. Fagali nega.

Antes de se tornar consultor da Alstom, Jorge Fagali Neto foi secretário dos Transportes em 1994 (no governo Luiz Antônio Fleury Filho), tendo sucedido Aloysio, que deixou o cargo em 1993. Hoje, Fagali tem US$ 6,5 milhões bloqueados na Suíça por suspeita de lavagem de dinheiro.

Só que dessa vez, a imprensa ficou quietinha. Aloysio Nunes permanece tão espetacularmente blindado que colunistas políticos da grande imprensa continuam a citá-lo como possível vice de Aécio Neves sem fazer sequer uma menção a seu envolvimento cada vez maior com o escândalo do trensalão.

Abaixo, os documentos da Woler Consultants, no registro público do Panamá. Na segunda página, confira o nome do presidente: José E. Silva, é a mesma abreviação em que aparece na empresa que controla o hotel onde Dirceu trabalharia. Os nomes do Tesoureiro e Secretário também são os mesmos. Esse é o tipo de informação que você, dificilmente, lerá no Globo…



Artigo publicado no dia 21 de dezembro de 2013.

*é blogueiro há mais de dez anos. Nasceu em 1975, no Rio de Janeiro, cidade onde ainda amarra seu cavalo