México abre as portas à privatização do setor energético

Com sua publicação no Diário Oficial da Federação, a reforma energética mexicana deixou de ser uma proposta governamental polêmica para converter-se em um fato que, segundo seus promotores, trará importantes frutos ao país.

México - Rankia

A oposição legislativa da esquerda e os protestos de vários setores sociais na contramão da medida foram insuficientes para frear sua aprovação, com a qual pela primeira vez em 75 anos se abre o setor dos combustíveis fósseis nacionais ao capital privado.

Desde agosto passado, o presidente Enrique Peña Nieto tinha apresentado seu projeto energético encaminhado a reverter a situação da estatal Petróleos Mexicanos (Pemex), ante uma diminuição em seus níveis de produtividade.

Segundo os argumentos do Executivo e dos próprios diretores da companhia, se o México quer atingir o máximo potencial petroleiro precisa empregar aproximadamente 60 bilhões de dólares anuais, cifra superior à que se destina no presente; daí a necessidade de atrair maior investimento.

A poucos meses de iniciar a atual administração, tanto o dirigente Partido Revolucionário Institucional (PRI) como o conservador Partido Ação Nacional (PAN) realizaram propostas de mudança constitucionais no setor energético para permitir a participação de particulares na indústria nacional de combustíveis fósseis.

O Partido da Revolução Democrática (PRD), a principal força opositora de esquerda, também apresentou uma iniciativa que procurava consolidar a Pemex e a Comissão Federal de Eletricidade (CFE) como empresas públicas com maior autonomia, mas sem realizar modificações na Carta Magna.

Ao anunciar seu projeto, o mandatário mexicano explicou que permitiria que o governo realizasse contratos de utilidade compartilhada com o setor privado, mas não de produção desse tipo, pois sua proposta garantia manter o controle absoluto sobre o petróleo.

Em novembro, dias antes de o Senado começar a debater o tema energético, a imprensa local fez eco de notas dos meios estrangeiros, na perspectiva dos quais priistas e panistas tinham iniciado negociações em segredo para aprovar a reforma com um alcance mais amplo do proposto pelo governo.

Após essas revelações, o presidente nacional do PRD, Jesús Zambrano, comunicou a retirada de sua formação do Pacto por México, ao denunciar essas aludidas conversas secretas em torno de uma medida que consideram lesiva para o país.

Tanto os membros do PRD como os do Partido do Trabalho e do Movimento Cidadão manifestaram no Congresso sua rejeição ao ditame finalmente apresentado pelo PAN e pelo PRI, pois assinalaram que equivalia entregar os recursos ao capital estrangeiro.

No entanto, a maioria parlamentar destas duas últimas forças foi suficiente para dar curso à determinação, e no dia 11 de dezembro passado a Câmara Alta deu-lhe seu aval, depois de sua sede ter estado vários dias submetida a um cerco de opositores da reforma.

A iniciativa ficou desenhada para atrair investidores privados para operar de forma independente no país ou associar-se à Pemex mediante contratos de serviços, de logros e de produção compartilhada, bem como através de licenças.

Com o objetivo de que o México assuma pactos com particulares nacionais e estrangeiros para a produção de combustíveis fósseis, a reforma modificou os artigos 25, 27 e 28 da Constituição, e finalmente resultou numa abertura maior que a compreendida na primeira proposta de Peña Nieto.

Ao mesmo tempo, representou uma mudança radical em relação à legislação vigente desde 1938, quando o ex-presidente Lázaro Cárdenas nacionalizou a indústria energética e estabeleceu que essa atividade seria exclusiva do Estado.

Enquanto os legisladores debateram o tema, nas redondezas do Senado mantiveram-se por uma semana os protestos dos membros do Movimento de Regeneração Nacional, acompanhados de outras organizações, como a Coordenadora Nacional de Trabalhadores da Educação.

No dia seguinte ao da anuência dos senadores, a Câmara dos Deputados seguiu o mesmo caminho e ratificou a lei que, junto com as mudanças à Carta Magna, estabeleceu 21 artigos transitórios para adequar o marco jurídico sobre o tema.

Pouco depois, a reforma energética converteu-se na iniciativa constitucional da atual legislatura, que rapidamente foi aprovada por 17 de 32 legislativos locais, cifra requerida para passar ao Executivo, o que conseguiu em somente 83 horas.

Desse modo, em 18 de dezembro, a Comissão Permanente do Congresso decretou a constitucionalidade da medida, que finalmente foi aprovada por 24 entidades, e a enviou ao chefe do Governo Federal para sua promulgação e publicação.

No sábado, 21 de dezembro, produziu-se então a entrada em vigor da reforma energética, uma ambição de administrações anteriores que Peña Nieto por fim pôde especificar, rodeado de numerosas aclamações e mostras de rejeição.

Entre promessas e temores

Em declarações à Prensa Latina, o presidente do PRD assinalou que as mudanças constitucionais e os artigos transitórios aprovados pelo PRI e o PAN tocam as próprias bases da Carta Magna mexicana.

A reforma equivale a entregar a renda petroleira a mãos privadas, o que representará um dano enorme para o país e a perda da propriedade do Estado sobre a riqueza energética, apontou.

No entanto, ao promulgar a iniciativa, Peña Nieto assinalou que com ela se garantirá a propriedade da nação sobre Pemex, a CFE, os combustíveis e a renda petroleira.

Com a energética abre-se uma nova etapa para o desenvolvimento, expressou o governante, depois de assinalar que se trata de uma medida histórica e fundamental para o futuro dos cidadãos.

Segundo o mandatário, através dela o setor se converterá em uma autêntica fonte de rendimentos econômicos e ajudará o México a enfrentar com sucesso os desafios do século 21.

Entretanto, na perspectiva do líder moral do PRD, Cuauhtémoc Cárdenas, com a reforma energética se levará ao país a um retrocesso político, social e econômico.

O filho do ex-presidente Lázaro Cárdenas, artífice da nacionalização do setor, há 75 anos, recordou, junto a outros membros da esquerda e organizações sociais, as consequências negativas para o México de projetos privatizadores anteriores.

Rosío Vargas, professora da Faculdade de Ciências Políticas e Sociais da Universidade Nacional Autônoma de México, considerou que a reforma estabelece uma privatização total da rede de produção, ao lhe tirar a prerrogativa estratégica ao Estado.

Em meio a essas posturas, e apesar da realização do projeto energético, o PRD ratificou sua determinação em revertê-lo, e mantém a luta por realizar uma consulta popular em 2015 com esse objetivo, pelo que já entregou ao Senado cerca de 1,7 milhão de assinaturas necessárias para iniciar o processo.

Agora, os mexicanos estão à espera das leis secundárias da nova legislação, anunciadas por Peña Nieto para se apresentar em breve, com as quais ficará definido o futuro energético de uma nação que tem no petróleo um de seus pilares fundamentais.

Fonte: Prensa Latina