Prisioneiro palestino conta trajetória até a longa greve de fome

Só é possível imaginar as expressões dos colonos israelenses que vivem na Montanha de Mashref, perto da Universidade Hebraica de Jerusalém, de onde dá para ver Issawiya, enquanto assistiam às celebrações pela volta do prisioneiro palestino Samer al-Issawi.

Samer Issawi - AFP / Ahmad Gharabli

Issawi retornou vitorioso à sua vila apesar das tentativas desesperadas de Israel para impedir celebrações. As forças da ocupação atrasaram a sua libertação por cerca de 10 horas em 23 de dezembro, e ergueu postos de controle militar próximos à vila, mas jovens rapazes e mães palestinas insistiram em dar as boas vindas ao seu herói.

Com nove meses de greve de fome, em meio à “batalha de estômagos”, Issawi havia sido liberado junto com outros 1.026 palestinos, em troca da volta do soldado israelense Gilad Shalit.

Ele desejou continuar leal àqueles que perderam as suas vidas enquanto planejavam e conduziam o sequestro de Shalit, e não quis que os israelenses detivessem novamente os prisioneiros liberados, forçando-os a servir o resto das suas sentenças.

Desde a primeira intifada [levante popular contra a ocupação, em 1987] até metade da década de 1990, Issawi, que nasceu em 1979, resistiu à ocupação israelense ateando fogo nos carros dos colonos e lançando coquetéis Molotov. Ele disse ao portal libanês Al-Akhbar que foi cuidadoso para não ser preso, porque queria sustentar a sua família, já que os seus quatro irmãos – Raafat, Medhat, Firas e Fadi – estavam presos pelos israelenses.

Mas tudo mudou quando o seu irmão Fadi foi morto nos confrontos que eclodiram em Issawiya, depois do massacre de Hebron, de 1994. O dia em que Samer viu seu irmão em uma poça do seu próprio sangue foi a gota d’água.

Issawi foi preso pela primeira vez em 1998 e sentenciado a um ano e meio na prisão, por lançar coquetéis Molotov. Depois, foi sentenciado a seis meses, por bater em um soldado israelense, até que foi preso de novo, em 2000, por 15 dias, no começo da intifada de Al-Aqsa [a segunda intifada]. Ele foi detido novamente por seis meses, sem acusações.

“Os ataques militares israelenses intensificaram-se durante a segunda intifada, e nós começamos a ouvir os bombardeios a Gaza”, disse Issawi, revelando que, no primeiro dia desde a sua liberação, juntou-se aos escalões da Frente Democrática para a Libertação da Palestina (FDLP). Ele formou uma célula de cinco membros e conduziu 11 operações de tiroteio contra veículos israelenses da colônia de Ma’ale Adumin, a sete quilômetros de Jerusalém.

Estes disparos causaram danos materiais e feriram um soldado. Uma vez que o papel de Issawi foi revelado, os israelenses o caçaram por um ano inteiro, e finalmente o prenderam durante a Operação Escudo Defensivo, em Ramallah, em 2002.

Issawi recusou-se a se apresentar ao tribunal militar de Beit Eil e rejeitou a presença de um advogado, já que não reconhecia a legitimidade da corte. Ele disse aos juízes que se tratavam mais de um circo ambulante que os israelenses traziam junto com eles a cada território que ocupavam. E foi sentenciado a 30 anos na prisão. Ele não estava surpreso: geralmente as sentenças, neste caso, são de prisão perpétua, mesmo que nenhum ferimento tenha sido causado.

Ele afirmou estar confiante de que não cumpriria a sentença completa, e disse ao juiz: “Eu estarei fora antes dos 30 anos”; 10 anos depois, Issawi foi liberado dentro do acordo sobre prisioneiros chamado “Lealdade aos Homens Livres”.

Issawi como Arte

As forças da ocupação prenderam Issawi novamente em 7 de julho de 2012. Seu interrogatório foi contínuo, por 30 dias, e resultou na acusação de que planejava sequestrar soldados israelenses. Enquanto isso, o chefe da inteligência israelense na Cisjordânia ameaçou mandá-lo de volta à prisão para cumprir os 20 anos que restavam da sua sentença.

Issawi deu-se conta de que estava em uma situação grave. Por isso, em 27 de julho, ele começou a recusar as refeições, aceitando apenas uma ou duas fatias e uma colher de labneh e geleia.

Ele manteve esta dieta por 19 dias e foi transferido para a prisão de Nafha. Em 24 de agosto, começou a treinar o seu corpo para uma greve de fome indefinida. Escreveu uma carta aos serviços prisionais e informou-os sobre a sua decisão. Naquela altura, já aceitava apenas um copo de leite, de suco ou de sopa, até que cortou completamente a alimentação e começou a greve de fome em 14 de setembro, o que incluía a recusa de água, de tempos em tempos.

Finalmente, Issawi conseguiu um acordo com os israelenses em abril, que permitiria que ele retornasse para casa, [no distrito de] Jerusalém, dentro de oito meses.

Os israelenses recorreram a diferentes táticas para testar e exaurir Issawi até que ele desistisse da sua greve de fome. Eles o enviaram em ônibus de prisioneiros aos tribunais e moveram-no de prisão em prisão, forçando-o a esperar por horas por seus carcereiros. Também demoliram a casa do seu irmão, Medhat, e atacaram-no, junto com a sua família, no tribunal, apesar da sua saúde deteriorada.

Samer emagreceu até chegar aos 50 quilos e sofreu riscos de saúde consequentes. “Quando dormia sobre o lado direito, me sentia entorpecido, e o mesmo do lado esquerdo. Também não podia dormir de barriga para baixo porque tinha um osso quebrado,” disse ele.

Com a sua família

“Todas as vezes que escutava sobre os palestinos e o povo amante da liberdade à volta do mundo, aderindo a essa batalha, eu esquecia da minha própria dor, principalmente depois do martírio [morte como mártir] de Mahmoud al-Titi e de Mohammed Asfour. Não havia o que eu poderia oferecer a eles, só a persistência nos objetivos que definimos antes da greve de fome. Eu também fiquei emocionado quando um jovem rapaz, que protestava pela primeira vez diante do Tribunal de Magistrados de Jerusalém”, disse.

Issawi afirmou: “A raiva que eu via nos olhos dos carcereiros, depois de sete meses de greve de fome, provou par Amim que eu tinha conseguido levantar as vozes dos prisioneiros e revelar as violações israelenses do acordo de troca dos prisioneiros, enquanto preservava a dignidade dos palestinos. Todos os objetivos foram cumpridos, e a única coisa que falta é voltar para casa.”

Sobre a posição palestina oficial, Samir disse: “Sejamos honestos, todos nós, palestinos, desde o presidente aos cidadãos comuns, não podemos mover-nos de uma região para a outra sem a autorização israelense. Não podemos contar tanto na posição oficial tanto quanto na vontade do povo para exercer pressão e forçar os políticos a tomarem medidas mais sérias. Um negociador palestino pode assinar um acordo, mas ele não será aplicável, no terreno, sem o apoio popular.”

*Título original: "Personalidade do ano: Palestino grevista de fome Samer Issawi"

Fonte: Al-Akhbar
Tradução de Moara Crivelente, da redação do Vermelho