Palestina-Israel: "Chegou a hora das decisões duras", diz Kerry

O secretário de Estado dos EUA, John Kerry, chegou a Israel na quinta-feira (2), pela décima vez em menos de um ano, de acordo com o jornal israelense Ha’aretz. Uma das suas primeiras mensagens foi a de que, nas próximas semanas, o primeiro-ministro de Israel, Benjamin Netanyhau, e o presidente da Autoridade Palestina, Mahmoud Abbas, terão de tomar “decisões difíceis” que determinarão o futuro das negociações, já estagnadas há demasiado tempo.

Netanyahu e Kerry - Matty Stern / Embaixada dos EUA em Tel-Aviv

Kerry reuniu-se por quase cinco horas com Netanyahu, que virou a mesa em uma denúncia feita pelos palestinos reiteradamente: a falta de interesse na construção da paz. Como é conhecido na carta de estratégias israelenses, o premiê disse questionar o comprometimento da Autoridade Palestina (AP) com as negociações, ao mesmo tempo em que promoveu um longo período de avanço da construção de colônias na Cisjordânia e em Jerusalém Leste, territórios palestinos.

Além disso, a proposta reiterada de princípios absurdos pelos israelenses – através do seu porta-voz estadunidense, Kerry – inclui a desmilitarização do Estado da Palestina a ser efetivado e a permanência de tropas sionistas no seu território, sobretudo na fronteira com a Jordânia.

A recusa em reconhecer o direito ao retorno para os refugiados palestinos, estabelecido por diversas resoluções da Organização das Nações Unidas (ONU), em definir as fronteiras já generosas aos israelenses – as de 1967, como aceitam os palestinos, ou seja, as definidas antes do avanço da ocupação israelense, a partir da Guerra dos Seis Dias – e outras questões centrais, como o status de Jerusalém, são os maiores entraves postos por Israel ao progresso das negociações.

Estas são também questões que a AP tem reivindicado para a discussão de um “acordo-quadro”, ou seja, uma base de partida para um acordo final, como proposto por Kerry. Os palestinos estão exauridos por um processo infinito que ainda não lhes trouxe outros resultados a não ser a virtual “institucionalização” da ocupação, com a bênção tácita, se não declarada, dos EUA e de algumas potências europeias.

Ainda assim, tanto autoridades palestinas quanto israelenses – neste caso, os que têm no sionismo apenas uma ideia romântica de identidade comum judia, seja qual for a interpretação que façam disso, e não a investida colonialista e racista em que esta ideologia de Estado foi assentada – têm elogiado Kerry pela "dedicação ao processo", com várias viagens à região e longas reuniões com os dois líderes, chegando a “ousar” dizer que tem como objetivo para esta rodada de negociações um “acordo final”.

Ousadia porque é esta falta, a de um “fim para o processo”, a denúncia generalizada, mas também a zona de conforto do sionismo, seu protegido. Além disso, uma avaliação superficial pode expor o tal "processo" como um de concessões e "decisões duras" para os palestinos, embora Israel também se empenhe em dizer que "concedeu" demais.

Não apenas os palestinos perderam a maior parte do seu território – restando com apenas 22% dele – como, ainda, o que sobrou ficou dividido entre grandes áreas de ocupação israelense, resultado de um "acordo interino" que acabou permanente, da década de 1990.

Construir as bases de negociação

“Sabemos quais são as questões e os parâmetros” disse Kerry em Jerusalém, onde se reuniu com Netanyahu, nesta quinta. “Está chegando a hora em que os líderes terão de tomar decisões duras. Nas próximas semanas, os dois lados terão de fazer escolhas difíceis.”

O chanceler estadunidense deve ficar na região pelos próximos três dias, quando planeja “trabalhar com os dois lados para diminuir as diferenças a um quadro que assentará as diretrizes para as negociações.” É de se perguntar, entretanto, o que é que vem sendo debatido nesses cinco meses já transcorridos desde a retomada das “negociações”, no fim de julho.

O período acordado para mais esta rodada era de nove meses, ou seja, já se passou quase a metade e ainda nenhum avanço significativo foi constatado pelos que estamos de fora, muito menos pelo povo palestino, que vive a ocupação diariamente. Ainda assim, Kerry repete que o “quadro” cobriria todas as questões centrais: fronteiras, segurança, Jerusalém, refugiados, reconhecimento mútuo, o fim do conflito e das reivindicações jurídicas, de acordo com o Ha’aretz.

Kerry teria enfatizado também que este acordo-quadro seria assentado sobre todas as reivindicações feitas pelos dois lados desde a retomada das negociações, durante as 20 reuniões feitas entre as equipes diplomáticas nestes cinco meses. Também é preciso ressaltar que, ao menos pelo que se soube através da mídia – já que as declarações públicas dos envolvidos foi proibida, apesar de umas escapadas aqui e ali -, não há novidade nessas reivindicações, nenhuma surpresa. São pontos históricos defendidos pelos palestinos, ou exigências redundantes e abusivas, do lado israelense.

Segundo Kerry, o acordo-quadro – e não mais um “interino”, ressalta, para contrapor as denúncias palestinas de mais um acordo sobre nada específico, ou melhor, sem garantia de fim do conflito – deve criar parâmetros fixos nos quais as partes planejarão o destino e o resultado das negociações. “Um quadro acordado vai clarificar e preencher as lacunas entre as partes, para que possam avançar em direção a um tratado de paz final.”

Embora Kerry tenha elogiado, novamente, os dois líderes pelo “comprometimento com as negociações”, Netanyahu já havia discursado antes, quando aproveitou para atacar o presidente Abbas e levantar dúvidas sobre se Israel tinha mesmo um “parceiro para a paz”. “Dadas as ações e palavras dos líderes palestinos, temos dúvidas em Israel sobre o seu compromisso com a paz.” Voltando ao início da década de 2000, e também ao início da década de 1990, e antes disso também, seguramente, pode-se ouvir o mesmo discurso dos líderes israelenses, enquanto o avanço da ocupação se mantém constante. O cinismo é descarado, mas cada vez mais claro.

Kerry deve encontrar-se ainda com o ministro das Relações Exteriores recém-reinstituído ao cargo – após ser liberado das acusações de corrupção que vinha enfrentando – Avigdor Lieberman, que, apesar das posições racistas e destrutivas, com acusações frequentes contra os palestinos e propostas de segregação amplamente denunciadas, disse que era preciso “dar uma chance” à proposta de Kerry.

Nesta sexta (3) à noite, o enviado estadunidense deve reunir-se com o presidente Abbas, em Ramallah, a sede da AP, na Cisjordânia. Depois disso, deve voltar a Jerusalém para outra reunião com Netanyahu e com Abbas, separadamente, e viajar para a Jordânia no domingo (5).

Por Moara Crivelente, da redação do Vermelho,
Com informações do Ha'aretz