Esther Vivas: Espanha 2014, um ano mais pobre

Entramos em 2014, e o fazemos um pouco mais pobres. Nossos salários foram congelados, se é que temos emprego, ou até diminuíram; poucos são os que esperam o início do novo ano com um aumento do rendimento. Isso já aconteceu à história. Novas tradições se impõem: o aumento da tarifa de energia, do transporte público, da água. E, para que não se perca o “costume”, o ritual até se repete, às vezes, durante o ano.

Por Esther Vivas*, no jornal Público espanhol

O ano de 2013 terminou com o polêmico leilão elétrico que ameaça aumentar o recibo da energia em 11%, com um custo muito acima da média europeia, colocando-o na terceira eletricidade mais cara da Europa. Finalmente, o Governo interveio e o freou por decreto urgente. Como vemos, se o Partido Popular quer, ele pode. Mas, em geral, não há muita vontade em ir contra os interesses das multinacionais da vez. Agora, entretanto, o Governo nos “cola” a um aumento de 2,3%, por enquanto, e ainda temos que agradecer.

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O aumento do preço do transporte público é outra das tarefas tradicionais do ano novo. Se incrementa o preço do trem em quase 2% e, em Barcelona, para não ser menos, o do metrô, em um abusivo 5%, com o cartão mais utilizado, o T-10 (de 10 viagens). Ainda assim, se pegam o AVE (trem de alta velocidade), coisa “tão frequente” entre a maioria dos cidadãos, não se preocupe, porque seu preço foi congelado.

Sortudos são também aqueles condutores das estradas de Castelldefels a Sitges e de Montgat a Mataró, onde a Generalitat (governo da comunidade autônoma) de Catalunha reduziu o pedágio em 30% e em 10%, respectivamente, sempre e quando se utilizar o cartão “teletac”, o sistema de pagamento automático. Assim funciona Convergência e União (CiU, aliança partidária da direita catalã) e o “Governo dos melhores”, abaixando o custo do transporte privado, enquanto aumenta o transporte público.

E, em Barcelona, seguimos acumulando aumentos: a água, também é incrementada. Se aqui o dinheiro “não sai pelas orelhas”, sobretudo no Ajuntamento (órgão próximo à “prefeitura” da municipalidade), já vimos com a “macrofesta” de fim de ano em Montjuïc. Assim, os turistas estão satisfeitos. A água subirá 8,5% em média na área metropolitana de Barcelona, graças aos votos da CiU e do Partido dos Socialistas da Catalunha (PSC) e da abstenção da Esquerda Republicana da Catalunha (ERC). Sim, ao final, aqueles que tanto criticam os cortes são os primeiros a afiar as tesouras. Não esqueçamos. E tudo isso à espera de um novo aumento da fatura da água, quando, em uns meses, entrar em vigor o aumento do cano, recolhido nos orçamentos de 2014 da Generalitat.

Enquanto isso, o salário mínimo interprofissional segue congelado, como no ano passado, em exíguos 645 euros mensais, a recompensa dos funcionários está ainda mais: pelo quarto ano seguido, sua remuneração está abaixo de zero, ou seja, recebendo o mesmo que em 2010. As aposentadorias de dez milhões de jubilados que trabalharam toda a sua vida já não se valorizam com o IPC, mas muito abaixo dele; neste ano, subirão apenas 0,25%, o mínimo estabelecido pelo Governo. Um aumento que dá apenas para um café.

Entramos neste 2014 um pouco mais pobres. Nosso nível aquisitivo cai paulatinamente, como quem não quer nada. E passa um ano, e outro, e cada vez temos menos. Querem que normalizemos a pobreza. Não recordam dessas reportagens, não faz muito tempo, sobre os “mileuristas” (geração de licenciados que recebem baixa remuneração)? Essa nova precariedade. Hoje, ofereça um trabalho de mil euros e choverão currículos. E ainda, alguns, como o presidente do Governo (Mariano Rajoy, do PP), se atrevem a dizer que, com este 2014, chega o “início da recuperação”. Bando de ladrões e mentirosos.

*Esther Vivas é uma jornalista catalã, socióloga e pesquisadora em movimentos sociais e políticas agrícolas e alimentares, coautora do livro "Planeta Indignado: Ocupando o Futuro" (2012), publicado na Espanha.

**Título original "2014: Um ano mais pobres"

Fonte: Público.es
Tradução de Moara Crivelente, da redação do Vermelho