Governo espanhol propõe restringir aborto "pelo bem da economia"

O Ministério da Justiça espanhol publicou um relatório, nesta segunda-feira (27), sobre a proposta de lei apresentada em dezembro pelo governo de Mariano Rajoy, para tornar o aborto “mais restritivo”, o que seria “positivo” para a economia do país, “devido aos benefícios esperados com o aumento da natalidade.” O projeto prevê a instituição de uma burocracia praticamente intransponível e um profundo retrocesso dos direitos femininos conquistados para a questão.

Espanha - Gustau Nacarino / Reuters

O documento, divulgado pela estação de rádio Cadena Ser, revela que o principal objetivo da proposta de lei é fazer frente à alegada "não diminuição do número de abortos praticados" após a mudança da lei em 2010, aprovada pelo governo socialista de José Luis Rodriguez Zapatero.

A informação é desatualizada, segundo a Cadena Ser, que cita dados do Ministério da Saúde relativos a 2012, publicados em 23 de dezembro, apenas três dias depois da aprovação da proposta de lei no Conselho de Ministros. De acordo com as informações mais recentes, o número de abortos diminuiu de 118.000 para 112.000 em relação a 2011.

O relatório argumenta ainda que a eventual aprovação da lei será “positiva”, porque "deixa de considerar o aborto como um direito da mulher e como um método de planejamento familiar" e porque "apoia a maternidade".

O projeto de lei, aprovado no dia 20 de dezembro, pretende anular a lei de 2010, que autoriza o aborto até às 14 semanas e até às 22 semanas em caso de malformação do feto. É considerado ainda mais restritivo do que a lei aprovada em 1985, ao prever uma autorização de aborto em casos muito precisos: que o aborto seja "necessário por causa de um grave perigo à vida ou à saúde física ou psicológica da mulher, ou que a gravidez tenha sido consequência de um delito contra a liberdade ou integridade sexual da mulher".

Mesmo nestes casos, as mulheres teriam de iniciar um longo caminho administrativo, desde a confirmação da gravidez por um ginecologista. Antes de obter autorização, a mulher seria consultada por um psiquiatra, cujo diagnóstico teria de ser confirmado por uma segunda opinião.

Ultrapassada esta primeira exigência – que terá de ser repetida, caso não haja acordo entre os dois médicos –, segue-se uma consulta à Segurança Social, com informação jurídica e sugestões para a resolução de "problemas e conflitos pessoais", e que serviria também para dar a conhecer alternativas ao aborto, como a custódia administrativa ou a entrega para adoção. Reunidos todos estes elementos, inicia-se um período de reflexão de sete dias, no final dos quais a mulher terá de confirmar se realmente quer seguir em frente com o aborto.

Mas a forte contestação à proposta, que se sente também no interior do Partido Popular (PP), deverá levar, pelo menos, ao seu adiamento por vários meses.

Na semana passada, perante o Congresso, o presidente do governo espanhol apontou nessa direção, ao evitar defender a proposta tal como ela foi feita e ao admitir fazer algumas concessões. O jornal espanhol El País escreve que Mariano Rajoy sentiu-se incomodado por ter de falar sobre a questão, o que se notou pelo fato de não ter esgotado os dois minutos e meio a que tinha direito, algo considerado “pouquíssimo habitual".

Cada vez mais sozinho está o ministro da Justiça, Alberto Ruiz-Gallardón, principal promotor da proposta de lei, avança a mídia espanhola.

Um mês depois do início do debate na Espanha, Rajoy apercebeu-se de que a proposta de lei pode sair pela culatra para o PP, que tem perdido pontos nas sondagens em relação ao Partido Socialista Operário da Espanha (PSOE).

Para além das críticas ao conteúdo da proposta de lei – que é rejeitado por mais de 80% dos espanhóis, segundo as sondagens –, o governo de Mariano Rajoy é também criticado pela forma com que tem gerido o processo.

Com informações do jornal português Público