Entidades promovem ato em repúdio a programas policiais

Representantes de diversas entidades e movimentos sociais participaram na tarde dessa quarta-feira (15/01), em Fortaleza, de caminhada e ato público em repúdio aos programas policiais.

A manifestação denominada Nossa Dor Não é Espetáculo foi uma das medidas articuladas após a exibição, no último 7, ao meio dia, de uma reportagem de 17 minutos contendo cenas do estupro de uma menina de 9 anos. A matéria foi veiculada no programa policial Cidade 190, da TV Cidade, afiliada da Rede Record no Ceará. A caminhada começou na Praça Portugal, na Aldeota, e seguiu pela Avenida Desembargador Moreira até a sede da emissora, onde houve o ato público.

Em nota assinada pelas entidades e movimentos sociais e distribuída durante a manifestação é enfatizado: “Não se trata, contudo, de um caso isolado. Desde 1990, quando o primeiro programa policial produzido no Ceará foi ao ar, assistimos, diariamente, violações de direitos de toda ordem: apelo à violência, criminalização da pobreza, exposição e ridicularização de vítimas e agressores. Até onde pode chegar o abuso e a irresponsabilidade ‘jornalística’ de um canal de TV através de seus programas policiais?” (Conheça o texto na íntegra no final desta notícia)

O ato e a nota, bem como denúncias a orgãos como Ministério Público, Ministério das Comunicações, Conselho Nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente e outros foram deliberações aprovadas em reunião no último dia 9 no Centro de Defesa da Criança e do Adolescente do Ceará (Cedeca-Ceará) em Fortaleza. Participaram representantes de cerca de 35 entidades. Logo após a repercussão negativa da exibição da matéria com as cenas de estupro, a TV Cidade divulgou nota informando que exibiu as imagens a pedido do pai da menina.

Pior programa

Com cartazes coloridos, os manifestantes ocuparam parte da pista da Avenida Desembargador Moreira, ganhando o apoio de pessoas que passavam. Uma delas, a auxiliar de consultório odontológico, Fátima Matias, contou que não tem o hábito de assistir aos programas policiais. Mas, por coincidência, viu a reportagem sobre o estupro da menina. “As imagens são fortes e eles ficaram repetindo várias vezes”. Na opinião dela, os programas policiais mostram violência demais, podem até continuar existindo mas sem dar tanta ênfase às cenas de violência.

Em frente à TV Cidade, os manifestantes colaram cartazes na grades de proteção da emissora com dizeres como “exploração sexual de criança e adolescente é crime; mostrar as imagens também”, “controle social não é censura”, “fim dos programas policiais” e o slogan do evento “nossa dor não é espetáculo”. O ato teve momento de irreverência com a entrega simbólica do Troféu Carniça ao Cidade 190, considerado pelos manifestantes o ‘pior programa policial’.

Comunicação e Direitos Humanos

A advogada Nadja Bortolotti, integrante da coordenação colegiada do Cedeca-Ceará, disse que a entidade vem acompanhando a mídia no que diz respeito à questão dos direitos da criança e do adolescente e, nesse monitoramento, foi observado que não são violados somente esses direitos mas os direitos humanos em geral. É consenso a necessidade de mudar esse quadro.

Para presidente do Sindicato dos Jornalistas Profissionais no Estado do Ceará, Samira Castro, não dá mais para, na hora do almoço, às famílias receberem desses programas cenas como as do estupro do menina, cadáveres na rua, sangue e toda sorte de violências. Segundo Samira, esses programas “ditos jornalísticos” não o são. “São entretenimento de mau gosto”. Ela defende o fim desse tipo de programa. Considera que casos policiais sejam tratados em programas jornalísticos obedecendo critérios realmente do jornalismo. Advertiu ainda sobre a necessidades das emissoras de TV cumprirem à classificação indicativa por faixa etária.

Raquel Dantas, do Coletivo Intervozes, também manifestou opinião a favor do fim desses programas “pautados pela violação dos direitos humanos”. Informou que já foi feito um documento a ser encaminhado ao Ministério das Comunicações denunciando os abusos, como a exibição das cenas de estupro da criança de 9 anos.

Com cartazes coloridos, os manifestantes ocuparam parte da pista da Avenida Desembargador Moreira, ganhando o apoio de pessoas que passavam. Uma delas, a auxiliar de consultório odontológico, Fátima Matias, contou que não tem o hábito de assistir aos programas policiais. Mas, por coincidência, viu a reportagem sobre o estupro da menina. “As imagens são fortes e eles ficaram repetindo várias vezes”. Na opinião dela, os programas policiais mostram violência demais, podem até continuar existindo mas sem dar tanta ênfase às cenas de violência.

Ato na Câmara Municipal

Outra manifestação de repúdio aos programas policiais está programada para o dia 14 de fevereiro, na Câmara Municipal de Fortaleza. O apresentador do programa Cidade 190, Vitor Valim é vereador.

Conheça o texto completo da nota e as entidades que a assinaram:

Nota pública – Repúdio aos programas policiais: nossa dor não é espetáculo

Na tarde do dia 7 de janeiro de 2014, o programa policial Cidade 190, da emissora TV Cidade, afiliada da Rede Record no Ceará, exibiu uma reportagem de mais de 17 minutos com cenas de estupro de uma criança de nove anos. O flagrante, feito através de uma gravação por uma câmera dos pais, foi veiculado pela emissora local repetidas vezes durante a matéria, enquanto a repórter entrevistava a família. Durante a transmissão do crime cometido por um vizinho, o telespectador pode ver os rostos, corpos e toda a cena de violência, apenas a imagem dos genitais do agressor e da criança fica embaçada. A criança pode ser identificada por aparecer de corpo inteiro, pela exposição dos familiares, do nome da rua, bairro e número da casa da vítima.

O vídeo do caso teve grande repercussão nas redes sociais e no site oficial da emissora chegando a ter 30 mil visualizações até as 17h desta do dia 08 de janeiro de 2014. Somente foram retiradas do ar as cenas de sexo explícito, por solicitação à coordenação de jornalismo da TV Cidade. As demais cenas com os familiares e o agressor permaneceram e, ainda, ensejaram a produção de novas reportagens, inclusive uma em que expõem o diálogo prévio entre o agressor e a criança, sem a preservação da imagem ou distorção da voz.

Mesmo após ser informada que a veiculação das imagens em questão configurava crime, a emissora voltou a veicular o caso na tarde do dia 08 de janeiro de 2014, bem como outros programas policiais também o fizeram, como o Rota 22, da TV Diário.

Não se trata, contudo, de um caso isolado. Desde 1990, quando o primeiro programa policial produzido no Ceará foi ao ar, assistimos, diariamente, violações de direitos de toda ordem: apelo à violência, criminalização da pobreza, exposição e ridicularização de vítimas e agressores. Até onde pode chegar o abuso e a irresponsabilidade ‘jornalística’ de um canal de TV através de seus programas policiais?

O vídeo do estupro em questão retrata agressões aos direitos da criança em diversos aspectos, desrespeitando a legislação infantojuvenil e as normas em vigor para a radiodifusão. Mostra-se reiteradamente o ato sexual entre o homem e a criança, caracterizando o crime previsto no artigo 217-A do Código Penal, Estupro de Vulnerável. Ao mesmo tempo, viola-se o Art. 241-A do Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), que estabelece como crime “oferecer, trocar, disponibilizar, transmitir, distribuir, publicar ou divulgar por qualquer meio, inclusive por meio de sistema de informática ou telemático, fotografia, vídeo ou outro registro que contenha cena de sexo explícito ou pornográfica envolvendo criança ou adolescente”, com pena de 3 a 6 anos de reclusão. A Constituição Federal em seu artigo 5º, inciso X, prevê ainda a proteção à imagem, afirmando que são invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas, não sendo possível, deste modo, a exibição da criança ainda que mediante autorização de seus pais ou responsáveis.

Destacamos ainda que o Código Brasileiro de Telecomunicações (CBT), Lei nº 4.117/62, determina: “os serviços de informação, divertimento, propaganda e publicidade das empresas de radiodifusão estão subordinados às finalidades educativas e culturais inerentes à radiodifusão, visando aos superiores interesses do País” (Art.38, d); e “a liberdade de radiodifusão não exclui a punição dos que praticarem abusos no seu exercício” (Art. 52).

Vale lembrar que o Código de Ética dos Jornalistas Brasileiros afirma, em diferentes artigos, a responsabilidade social dos meios de comunicação: são deveres do jornalista “defender os princípios expressos na Declaração Universal dos Direitos Humanos” (Art. 6º, I), “respeitar o direito à intimidade, à privacidade, à honra e à imagem do cidadão” (Art. 6º, VIII); e “defender os direitos do cidadão, contribuindo para a promoção das garantias individuais e coletivas, em especial as das crianças, adolescentes, mulheres, idosos, negros e minorias” (Art. 6º, XI). O inciso III do Art. 2º, diz que a “liberdade de imprensa, direito e pressuposto do exercício do jornalismo, implica compromisso com a responsabilidade social inerente à profissão”. Diz ainda que o jornalista não pode “expor pessoas ameaçadas, exploradas ou sob risco de vida, sendo vedada a sua identificação, mesmo que parcial, pela voz, traços físicos, indicação de locais de trabalho ou residência, ou quaisquer outros sinais” nem “usar o jornalismo para incitar a violência, a intolerância, o arbítrio e o crime” (Art. 7º, IV e V). No inciso II do Art. 11, o Código afirma que o jornalista não pode divulgar informações “de caráter mórbido, sensacionalista ou contrário aos valores humanos, especialmente em cobertura de crimes e acidentes”.

Apesar do caso em questão ser emblemático, a violação de direitos de crianças e adolescentes em programas policiais não é prerrogativa exclusiva da TV Cidade; trata-se de uma prática comum a todos os programas policiais. Esta emissora já foi alvo de uma Ação Civil Pública em 2003 proposta pelo Ministério Público Federal por violação aos direitos humanos, a qual envolveu outras emissoras (TV Diário e TV Jangadeiro). A decisão da ação determina que “os programas de cunho jornalístico-policial vêm desrespeitando vários dispositivos do artigo 5º da Constituição Federal, como o direito à honra e à imagem das pessoas, bem como aviltando a dignidade da pessoa humana”, ACP n° 2003.81.00.031437-4).

Os programas policiais utilizam-se do grande poder da mídia para moldar e formar opiniões. Incita-se, a todo momento, à violência e à intolerância, seja pela incitação da população a fazer “justiça com as próprias mãos”, seja pela polícia ao estimular a tortura. Ancoradas na ‘liberdade de imprensa’ as emissoras distorcem as finalidades pedagógicas e recreativas da concessão pública de radiodifusão e violam direitos em nome da audiência. Esta realidade precisa mudar.

Portanto exigimos:

– Responsabilização imediata da emissora TV Cidade (Cidade 190) e de seu corpo editorial pela transmissão do vídeo que expõe criança em cena de violência sexual;

– Retirada imediata de circulação da reportagem e de vídeos que identifiquem a criança e sua família;

– Atuação dos Ministério Público Estadual e Federal de modo a garantir que os programas policiais veiculados no Estado do Ceará respeitem a legislação protetiva de crianças e adolescentes, responsabilizando-os por quaisquer violações de direitos;

– Adoção pelo Departamento de Justiça, Classificação, Títulos e Qualificação, vinculado a Secretaria Nacional de Justiça do Ministério da Justiça (DEJUS/SNJ), conforme portaria 1220/2007 no Ministério da Justiça, de procedimento de classificação indicativa para os programas policiais no Ceará tendo em vista que tais programas não se enquadram como jornalísticos ou noticiosos, pois recorrentemente violam o Código de Ética dos Jornalistas Brasileiros, como o inciso II do Art. 11, que afirma que o jornalista não pode divulgar informações “de caráter mórbido, sensacionalista ou contrário aos valores humanos, especialmente em cobertura de crimes e acidentes”, ou ainda no inciso III do Art. 2º, no qual a “liberdade de imprensa, direito e pressuposto do exercício do jornalismo, implica compromisso com a responsabilidade social inerente à profissão”.

– Cumprimento por parte de todas as emissoras que veiculam programas policiais das normas legais previstas aos concessionários de serviços de radiodifusão, como as previstas no capítulo V da Constituição Federal, da Comunicação Social, notadamente a determinação que as liberdades de expressão e de informação respeitem outros direitos fundamentais previstos, como o direito à privacidade e à intimidade dos indivíduos; além das normas do Decreto Presidencial 52.795/63, que regulamenta os serviços de radiodifusão, proibindo as concessionárias de “transmitir programas que atentem contra o sentimento público, expondo pessoas a situações que, de alguma forma, redundem em constrangimento, ainda que seu objetivo seja jornalístico” (Art.28, item 12).

Subscrevem essa nota (em ordem alfabética):

Agência da Boa Notícia
ANDI – Comunicação e Direitos
ANDES Regional NE 1
Articulação Psicanalistas e Psicólogos Iara Iavelberg (ARPIA)
Associação Barraca da Amizade
Associação Cearense de Imprensa
Associação Estação da Luz
Associação Mundial de Rádios Comunitárias (AMARC/Brasil)
Associação Nacional dos Centros de Defesa da Criança e Adolescente (ANCED)
Associação para o Desenvolvimento Social e Cidadania do Planalto Pici e Adjacências (ADEP)
Campo de Juventude Nacional Rompendo Amarras
Cáritas Arquidiocesana de Fortaleza
Cáritas Brasileira Regional Ceará
Casa de Cultura e Defesa da Mulher Chiquinha Gonzaga
Catavento Comunicação e Educação
Ceará Periferia
Central de Movimentos Populares (CMP-CE)
Centro Acadêmico Livre de Serviço Social da Universidade Estadual do Ceará (CALSS)
Centro de Assessoria Jurídica Universitária da UFC (CAJU)
Centro de Defesa e Promoção dos Direitos Humanos da Arquidiocese de Fortaleza
Centro de Defesa da Criança e do Adolescente do Ceará (CEDECA Ceará)
Centro de Defesa da Criança e do Adolescente David Arantes de Limeira – SP
Centro de Defesa da Criança e do Adolescente de Emaús (CEDECA Emaús)
Centro de Defesa da Criança e do Adolescente Interlagos (CEDECA Interlagos)
Centro de Defesa da Criança e do Adolescente Maria dos Anjos (CDCA-RO)
Centro de Defesa dos Direitos da Criança e do Adolescente Zumbi dos Palmares – AL
Coletivo É Preciso Ter RAÇA!
Coletivo Flor de Urucum – Direitos Humanos, Comunicação e Justiça
Coletivo Nacional de Juventude Negra (ENEGRECER)
Coletivo Plantando Informação
Comitê Cearense pela Desmilitarização da Polícia e da Política
Comitê Nacional de Enfrentamento a Violência Sexual contra Crianças e Adolescentes
Conselho Regional de Psicologia – CRP 11
Consulta Popular
Diretório Central dos Estudantes José Montenegro de Lima (DCE do IFCE)
Diretório Central dos Estudantes da Universidade Federal do Ceará
ECPAT Brasil
Executiva Nacional dos Estudantes de Comunicação Social – ENECOS (Coletivo Ceará)
Escritório de Direitos Humanos e Assessoria Jurídica Popular Frei Tito de Alencar (EFTA)
Federação dos Trabalhadores e Trabalhadoras na Agricultura Familiar do Ceará (FETRAF Ceará/CUT)
Federação Nacional dos Jornalistas (FENAJ)
Fórum Cearense de Mulheres
Fórum Permanente das ONGs de Defesa dos Direitos da Criança e do Adolescente do Ceará (Fórum DCA)
Instituto Palmares de Promoção da Igualdade
Intervozes – Coletivo Brasil de Comunicação Social
Laboratório de Direitos Humanos Cidadania e Ética da Universidade Estadual do Ceará (Labvida)
Levante Popular da Juventude
Mandato Cidade em Movimento – Vereadora Toinha Rocha (PSOL)
Mandato Ecos da Cidade – Vereador João Alfredo (PSOL)
Marcha Mundial das Mulheres
MOVIDA-CE – Movimento em Favor da Vida – Ceará
Movimento Mulheres em Luta
Movimento Nacional de Direitos Humanos (MNDH)
Movimento Proparque [Rio Branco]
NIGÉRIA Comunicação e Audiovisual
Núcleo Cearense de Estudos e Pesquisa sobre a Criança (NUCEPEC)
ONG Fábrica de Imagens – ações educativas em cidadania e gênero
ONG Instituto Janus
Organização de Direitos Humanos – Projeto Legal
Partido Socialismo e Liberdade Ceará (PSOL Ceará)
Pastoral do Menor
Rede Nacional de Advogadas e Advogados Populares
Serviço de Assessoria Jurídica Universitária Popular da UNIFOR Ceará (SAJU)
Setorial de Mulheres Rosa Luxemburgo (PSOL Ceará)
Sindicato dos Jornalistas Profissionais no Estado do Ceará (Sindjorce)
Terre des Hommes Lausanne no Brasil
União da Juventude Comunista (UJC)
União dos Grafiteiros

Fonte: Agência da Boa Notícia