O Vesúvio rentista  

Há um vulcão fumegando nas entranhas da economia do país. Na última quarta, ele cuspiu pela 7ª vez na cabeça da nação. Toca o baile! aconselham especialistas

Por Saul Leblon   

Vesúvio

Há um vulcão fumegando nas entranhas da economia brasileira.

 
Avisos de lava  em ebulição são  emitidos aqui e ali desde abril passado.
 
Na última 4ª feira, ele cuspiu pela sétima vez na cabeça da Nação.
 
A nova elevação de  0,5 ponto  na taxa de juro reafirma  um  desarranjo  em  profundezas intestinas. 

Vozes  tranquilizadoras  adiantam que uma 8ª, quem sabe  9ª, irrupção do Vesúvio rentista é inevitável –benéfica, de fato.

 
O que se passa de fato no interior da cratera  que ora urra, ora faísca e ameaça explodir tudo, é de qualquer forma sonegado à população.
 
Explicações sumárias, supostamente técnicas, ofuscam mais do que esclarecem.
 
Os juros sobem porque  é preciso conter a inflação, explica o coral que convida para o grande baile da restauração ortodoxa.
 
Mas ao subir não  inibiriam eles  o investimento produtivo que se persegue como crucial?
 
E não atrairiam fluxos especulativos de capitais, que valorizam o Real e barateiam as importações -com efeitos dissolventes na estrutura industrial, além de inibir as exportações?
 
Ademais de reduzir o nível de atividade, não penalizariam  a relação dívida/PIB estreitando a margem de manobra fiscal do governo – antessala de cortes ou protelações de investimentos públicos  inadiáveis? 
 
Desse nó nas tripas o distinto público toma conhecimento apenas pelas irrupções intermitentes.
 
Copiosas considerações de vulgarizadores asseveram a pertinência da purga incandescente. O Vesúvio, antes de ser ameaça, é benção.
Toca o baile! – aconselham  especialistas em convencer nações inteiras  a dançar  no ritmo das lavas fumegante, com resultados que não deixam Pompéia sozinha no museu das catástrofes.
 
O  nonsense  aparente  não é aleatório – faz parte da crise.
 
Entorpecer a agenda do país  é um recurso constitutivo da luta pela repartição da riqueza, que só terá  desenlace progressista se a sociedade conquistar  o discernimento  histórico do que está em jogo nesse baile de máscaras.
 
Distinguir a natureza dos interesses em confronto no salão, ademais das escolhas que eles encerram – e as suas implicações, não é café pequeno.
 
Requer, por exemplo, libertar-se da hipnótica orquestração comandada a partir do Jornal Nacional.
 
E adquirir imunidade aos esporões liberados pelos vulgarizadores, que alardeiam os interesses dos endinheirados como se fossem os de toda a nação.
 
Interditar o debate político da encruzilhada brasileira  é uma forma de circunscrever as opções  do país  aos estritos limites da boca do vulcão rentista.
 
As eleições presidenciais de 2014 se oferecem como a oportunidade concreta de ir além das lamúrias e da rendição.
 
Vence-las, sem dúvida é o imperativo.
 
O que se deve perguntar  é como essa vitória deve ser construída para que não seja apenas inercial, mas erga pontes ao passo seguinte da luta pela construção da democracia social brasileira.
 
A barragem de votos pode alterar as bases de um diálogo do qual a sociedade hoje sai invariavelmente chamuscada?
 
Quando o Vesúvio  expele sua lava incandescente é como se dissesse não: ‘O Estado pode flertar com o pleno emprego, mas o estoque da riqueza financeira não deve ser depreciado; e a fatia que ele detém no  fluxo da renda é intocável’.
 
Ou seja, ‘mãos ao alto, isso é um assalto: passe para cá os 3% do PIB  para pagar os juros da dívida pública e garanta uma Selic com ganho real acima da inflação que nada lhe acontecerá’.
 
É tautológico dizer que o ‘governo petista  aceita’  as condições impostas  pelo mercado.
 
O governo se mexe na pinguela estreita que a atual correlação de forças reserva  à mobilidade social brasileira.
 
Correlações de forças, a exemplo das vantagens comparativas na esfera econômica, são uma construção histórica de cada povo e de cada época, não uma fatalidade da natureza.
 
Mas  existem. E tem peso objetivo não apenas no plano interno.
 
Um governo que entre em choque com a tríade rentista (FMI, agencias de risco, grandes bancos) simplesmente não encontra  um guichê internacional para se abrigar dos caças bombardeio  e assegurar um fluxo alternativo  da ordem de dezenas de bilhões de dólares .
 
A inexistência desse contraponto  diz muito do aparente paradoxo entre a anemia eleitoral do conservadorismo  nativo e a sua força de sabotagem vocalizada pela mídia. 
 
Doze  anos de governos progressistas elevaram a participação do salário no PIB para algo em torno de 51% no Brasil ( o dado disponível do IBGE é de 2009; estima-se que tenha se mantido assim até 2012).
 
No ciclo tucano (1995/2003) essa fatia oscilou entre 49% e 46%.
 
Estamos falando, portanto, de uma reversão na luta pela riqueza, que até 2003 premiava invariavelmente as rendas do capital.
 
O que o vulcão rentista passou a urrar, e cada vez mais alto, é que essa espiral  bateu no teto.
 
‘No passara’, avisa.
 
O interdito afeta todo o metabolismo econômico  e contribui significativamente para agravar os impasses  em curso.
 
A saber: descasamento entre demanda e infraestrutura, desequilíbrio cambial, desindustrialização dissolvente  e déficit preocupante  em contas correntes.
 
Não é uma questão de ‘inconsistência do modelo petista’, como alardeiam os zeladores do dinheiro grosso alocados nas editorias de economia.
 
É uma questão de conflito de interesses.
 
A macroeconomia não opera em uma  dimensões celestial onde vigem os mercados autorreguláveis, os agentes racionais e seus querubins  midiáticos.
 
O chão da macroeconomia é a correlação de forças e os sinais são de que ela mudou o patamar de sua tensão no país.
 
Elevar o discernimento social sobre essa encruzilhada e se preparar para superá-la, erguendo linhas de passagem entre as eleições de outubro e o futuro, é a opção concreta que se coloca à frente progressista brasileira.
 
Lamúrias radicais diante de um vulcão não logram vantagem nem no quesito decibéis.
 
Mas tampouco aquiescer aos seus ditames garantirá a indulgência das lavas, como parece crer um certo economicismo  que aconselha ir às urnas vestido de estátua de cinzas.
 
Fonte: Carta Maior