Audifax Rios: Chuva de adivinhação

Por *Audifax Rios

Ora, a lua surgiu embarcada, vermelha e grande, por trás da silhueta do carnaubal que margeia o Rio das Garças, aura acinzentada a indicar uma boa quadra invernosa como preconizavam os acreditados profetas de chuva de patrasmente. Profeta agora é figurinha difícil, os computadores dos serviços meteorológicos ditam as normas celestiais, escaneiam caminhos de São Thiago e outras estrelas; galáxias e constelações ficaram apenas nos sonetos parnasianos e nos compêndios de geografia de remotos educandários. Indagora estes últimos quixotes reúnem-se em congressos meio aos pedregulhos do Quixadá, ambiente propício para analisar os moinhos de vento legados pelos bruxos de outrora que se baseavam, outrossim, nas florações dos arbustos e cardumes miúdos e bichinhos aparentemente insignificantes como os pebas do sertanejo Roque Macedo.

Aqui por essas bandas andamos entrevistando uns adivinhos já modernizados, isto já vai pra lá de quarentanos, material para uma monografia sobre o assunto premiada em concurso. Dorico Braga era mais rezador que adivinhador e suas experiências calcadas na crendice dispensavam comprovações. Transmitia ensinamentos avoengos, adaptava os postulados consagrados aos ditames dos órgãos oficiais de meteorologia, e dessa salada tirava suas próprias conclusões as quais saía a derramar pela feira do mercado e o patamar da matriz a uma platéia crédula em suas benditas palavras saídas de um quengo embranquecido pela carapinha nonagenária.

Quando menino, nas andanças cartoriais do pai pela zona rural, conhecemos nas Intãs ou Espinhos, um senhor, igualmente avançado em idade, dado a vaticínios de secas e invernos, acreditado e solicitado naqueles arredores por agricultores e criadores desconfiados das benesses divinas. Eduardo Rocha, se não me engano, remelentos olhos azuis, cara de santo, vestes de personagem da história sagrada. Dava a impressão de que todas as chuvas passavam pela sua peneira e os verões brabos traziam sua assinatura de fogo. Mas os lavradores botavam mesmo fé nos santos dos altares, com esplendor de ouro e andor de madeira de lei. Estes tinham o aval da Santa Madre e confabulavam diretamente com as autoridades celestiais bem familiarizadas com o Sete Estrelo e o Cruzeiro do Sul. Não um Roque Macedo, mago humano e magro, cujo incenso aplicado nos ritos era a inhaca de seus malditos pebas e o vinho sagrado não passava de suor dos vazios muares. Quantos aos santos cristianizados, sim, eram imagens de gesso e madeira, porém detinham dotes sobejamente comprovados em milagres de corpo e alma, pagos com muita reza, terra e espórtulas em dinheiro vivo.

Enquanto isso vamos verificando casas de joão de barro, ovas dos aruás; procissões de formigas com os filhotes na cabeça feitos véus de noiva; florações do pau branco, frutificações dos cajus e carnaúbas; ovas de curimatãs e tucunarés… E levantando a cabeça para o alto, desvendando o topo embranquecido do Mucuripe, divisando a barra do sol no poente, apontando a estrela d’alva chorosa e acompanhando as aves que planam neste vasto céu de anil.

Esperemos com fé, há de chover. Senão tá todo mundo pebado. E os políticos instalarão mais uma vez as tenazes da indústria da seca. No ano em que os estádios de futebol parecerão enormes cacimbões ou douradas piscinas lotadas de uma multidão a esperar ansiosa uma chuva de gols. Enquanto no sertão brabo o pobre agricultor ainda caminha olhando para o céu à cata de algum prenúncio benfazejo. Na tevê os novos profetas não são tão convincentes apesar do aparato tecnológico. O matuto ainda pensa que se a chuva vem do céu é porque é de Deus. Não será máquina de gringo que vai gerar a invernada, como na conhecida anedota. Go home, parceiro, terra em que um jumento sabe mais que o computador não comporta nossa ciência.

Ora, a lua amiudou, as tardes estão quentes, tudo voltou como dantes no sertão de Santa Ana. Desçam dos céus Dorico Braga, Eduardo Rocha, Roque Macedo, vocês que são mestres no metiê vejam como se comportam os animais, as plantas e as estrelas e troquem isso em miúdos, em gotas d’água para molhar a terra e os olhos dos que trabalham nela. Bendito seja.

*Audifax Rios é artista plástico e colunista do O Povo

Fonte: O Povo

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