Neukirch e Repinski: Alemanha planeja reforçar seu papel militar

O ministro alemão das Relações Exteriores Frank-Walter Steinmeier e a ministra da Defes, Ursula von der Leyen, querem que a Alemanha assuma um papel de maior relevo na política mundial, incluindo missões militares no estrangeiro. Para se entender o significado desse “relevo” basta uma pequena resenha recente: Iugoslávia, Afeganistão, Iraque.

Por Ralf Neukirch e Gordon Repinski*

Chanceler da Alemanha Angela Merkel - AP Photo/Eckehard Schulz

A Alemanha – agora com um governo que integra o SPD – não quer ficar atrás das aventuras neocoloniais da França de Hollande e quer desempenhar um papel chave no processo de evolução da UE enquanto bloco político-militar. A reunião da última semana entre o ministro dos estrangeiros alemão Frank Walter Steinmeier e o seu homólogo francês Laurent Fabius dificilmente poderia ter sido mais harmoniosa.

Ternos cinzentos, camisas brancas, gravatas azuis, ambos pareciam ter combinado até a indumentária quando falaram à imprensa. Steinmeier disse que se sentia em casa depois de visitar o ministro francês dos negócios estrangeiros pela terceira vez em duas semanas. Fabius educadamente elogiou a amizade com o seu caro “Frank-Walter”.

As relações entre Berlim e Paris estão melhor agora do que estiveram durante muito tempo, e isso é evidente não apenas nas efusivas trocas de elogios. Os franceses querem agora seguir o exemplo alemão em política econômica, depois de lhe terem resistido durante dois anos. Berlim quer, por seu turno, dar a Paris maior apoio nas missões militares em África no futuro. “A Europa não pode deixar a França sozinha”, afirmou Steinmeier.

É um grande passo não apenas para a França, mas também para a Alemanha. O novo governo alemão, que iniciou funções há apenas um mês, traça um novo rumo em termos de política externa. A questão central para o antecessor de Steinmeier, Guido Westerwelle, era: “Como poderemos manter-nos fora de conflitos armados?” Westerwelle favorecia uma cultura de contenção militar, que significava deixar as tarefas desagradáveis para os outros.

Agora, dois ministros da nova coligação da chanceler Angela Merkel, que junta os seus conservadores com os sociais-democratas do centro-esquerda, trataram de abandonar o legado de Westerwelle. Steinmeier e a ministra da Defesa Leyen acreditam que uma grande potência econômica como a Alemanha não pode continuar a manter-se à margem. Querem mostrar aos aliados da Alemanha que podem contar com este país. “Não podemos olhar para o lado quando crimes e violações têm lugar”, disse von der Leyen ao Der Spiegel numa entrevista.

Quando o perigo espreita

A nova abordagem já levou a mudanças concretas de política. A Alemanha planeja enviar mais tropas para apoiar a campanha da França contra os islamitas no Mali. O governo também considera fornecer aviões militares para transporte e evacuação médica de emergência na República Centro-Africana. Este rumo não é inteiramente novo.

Quando foi chefe de gabinete do chanceler Gerhard Schröder, entre 1998 e 2005, Steinmeier ajudou a formular uma política externa mais agressiva. Steinmeier não quer levar a Alemanha a aventuras militares no estrangeiro. Mas ele, tal como von der Leyden, compreendeu o prejuízo causado por Westerwelle em discursos em que este apelou a uma “política de contenção militar”.

A posição de Westerwelle consistia em manter o papel passivo que a RFA desempenhara durante a Guerra Fria, antes de a Alemanha obter soberania com a unificação. Embora a sua posição fosse maioritariamente motivada por questões de política interna, estava de acordo com a acusação velada de que Londres, Paris e Washington eram demasiado beligerantes. E os parceiros da Alemanha não apreciavam isso. A Alemanha ganhou uma reputação de país moralista sempre pronto a apontar o dedo a outros, mas sem querer envolver-se quando o perigo espreita.

Steinmeier e von der Leyen querem que isso mude. “Queremos relançar o Ministério dos Negócios Estrangeiros”, afirmou o Secretário de Estado Markus Ederer, conselheiro próximo de Steinmeier, na semana passada. Outro alto funcionário do Ministério disse-o de forma ainda mais clara: “A cada mês que passa se torna mais difícil justificar uma política de contenção militar.”

Von der Leyen concorda. Ela pretende usar o Ministério da Defesa para forjar uma política europeia comum de segurança e colocar a Alemanha, e a si própria, claro, na linha da frente deste desenvolvimento. Mas o projeto apenas será credível se a Alemanha se comprometer.

Merkel desiludida com as missões militares

A posição adotada pelos dois ministros contraria a política de Merkel nos últimos quatro anos. Merkel não travou os planos para o reforço da missão no Mali, mas os seus colaboradores tentaram evitar dar a impressão de que isso é parte de uma mudança política. “Não há nenhuma mudança fundamental em relação a missões no estrangeiro”, disse um antigo funcionário do governo.

Nos seus oito anos de governo até hoje, Merkel deixou de acreditar na noção de que a intervenção militar pode trazer melhorias. Desiludiu-se particularmente com a missão das Forças Armadas Alemãs no Afeganistão. Além disso, tende a ser influenciada pelas sondagens de opinião, que mostram que os alemães estão cépticos relativamente ao envolvimento do exército em missões de combate.

O resultado é que o curso da política externa da Alemanha promete ser matéria de debate no Gabinete de Merkel nos próximos anos. Há duas semanas tornou-se evidente até que ponto a situação é delicada.

Merkel, von der Leyen, Steinmeier e o líder do SPD Sigmar Gabriel reuniram-se à margem de uma reunião do governo que antecedeu um encontro de ministros dos estrangeiros da UE para determinar o modo como a Europa deve apoiar a missão militar francesa em África. Ficou claro que Berlim teria de chegar a uma posição comum.

Numa cúpula da UE em dezembro, Merkel respondera negativamente às pretensões dos franceses de maior apoio da Europa. Mas nessa altura, contudo, ela não usou o seu direito de veto. Quis enviar aos franceses a mensagem de que não ficariam isolados. Mas tornou-se claro até que ponto Merkel desconfia da missão militar quando referiu que uma maioria parlamentar era necessária para a operação. A sua mensagem foi clara: não foi ainda tomada uma decisão final.

Ainda assim, Steinmeier e von der Leyen podem assinalar a mudança de opinião preliminar de Merkel como um sucesso. Mesmo antes do seu juramento de tomada de posse, o ministro dos estrangeiros considerara o modo como poderia recuperar alguma da influência que o seu gabinete perdera no Governo em anos recentes. Ele sabe que mesmo os pequenos passos têm valor.

A Alemanha oferece-se para destruir as armas químicas da Síria

Logo após a tomada de posse em dezembro passado, Steinmeier procurou saber se seria possível trazer para a Alemanha as armas químicas da Síria para serem destruídas. O seu antecessor, Guido Westerwelle, opusera-se à ideia, receando que o transporte de armas químicas ocasionaria os protestos violentos e inflamados que acompanham o transporte marítimo de resíduos radioativos no país.

De fato, quando o conselheiro de Merkel para a política externa Christoph Heusgen disse, em Novembro passado, que a Alemanha poderia desempenhar um papel na eliminação das armas químicas da Síria, o porta-voz de Merkel Steffen Seibert rapidamente expressou a sua desaprovação. Merkel não quis arriscar um conflito com Westerwelle sobre a questão.

Do ponto de vista de Steinmeier, a destruição das armas químicas sírias oferece uma oportunidade fulcral à Alemanha para demonstrar a sua vontade de assumir maior responsabilidade sem ter que arriscar demasiado. Von der Leyen concordou, durante uma reunião que tiveram no princípio deste mês. Juntos, convenceram Merkel.

Steinmeier também gostaria de se envolver mais nos assuntos europeus que o seu antecessor. O Ministro dos Estrangeiros francês Fabius mal pôde disfarçar o seu desprezo por Westerwelle quando os dois se encontraram. Agora, expressou a sua vontade de acompanhar Steinmeier em viagens. “O Ministro dos Negócios Estrangeiros compreendeu que a chave para o projeto europeu se encontra nas relações franco-alemãs”, afirma Ulrike Guérot, da Open Society Initiative for Europe.

Volker Perthes, diretor do Instituto Alemão para os Assuntos de Segurança e Internacionais, também crê que o passo na direção da França dado pelo ministro da defesa e pelo ministro dos estrangeiros é um passo importante. “Estes sinais são muitas vezes o pré-requisito de mudanças substanciais”, afirmou.

A questão central ainda é, contudo, saber se von der Leyen e Steinmeier podem trilhar um caminho no domínio da política externa no governo de Merkel.

O fato de terem ambos ideias similares quanto ao papel da Alemanha no mundo irá certamente ajudar. Steinmeier gostaria de fortalecer as instituições europeias enquanto von der Leyen, no seu papel anterior como ministra do trabalho, expressou o seu apoio a uns “Estados Unidos da Europa”. Merkel, por outro lado, tem pouco tempo para estes devaneios. Já tem que chegue para se ocupar.

Tradicionalmente, contudo, o ministro dos Negócios Estrangeiros e o ministro da Defesa têm estado envolvidos numa competição feroz que não tornará fácil estabelecer uma harmonia duradoura.

Além disso, von der Leyen ainda não tem a certeza de poder confiar em Steinmeier. Quando os planos para a missão da Alemanha no Mali foram parar ao jornal Süddeutsche Zeitung, no princípio deste mês, isso foi para além de uma simples indiscrição. O ministro dos estrangeiros negou, mas a ministra da defesa não ficou convencida.

Ainda assim, os dois planeiam apresentar-se como representantes de uma Alemanha em mudança na Conferência de Segurança de Munique, que começa na sexta-feira. Em anos recentes, Berlim esteve na posição desconfortável de ter que defender a sua passividade na Conferência. Este ano, os alemães querem mudar esta narrativa.

É uma mensagem que o Chefe de Estado alemão, o Presidente Joachim Gauck, planeia fazer passar também. No seu discurso de abertura, Gauck planeia apelar aos alemães para que reconheçam o seu lugar no mundo, de acordo com os planos do seu gabinete.

Apelo a uma política europeia de defesa conjunta

A Ministra da Defesa von der Leyen não apenas está interessada em melhorar a imagem da Alemanha entre os seus aliados. Também gostaria de desenvolver uma política europeia de defesa conjunta digna desse nome. Até agora, esse plano falhou sempre, face à oposição de países como a França e a Inglaterra, que não sonhariam em delegar qualquer controlo das suas forças armadas a Bruxelas, sacrificando assim uma parte da sua soberania.

Von der Leyen espera que Paris e Londres possam começar a reconsiderar a sua posição, dados os constrangimentos financeiros que todos os governos europeus sentem atualmente.
Os orçamentos da defesa estão a diminuir e mesmo os grandes países começam a pensar se valerá a pena comprar meios aéreos de transporte dispendiosos ou caças quando o seu aliado além-fronteiras já tem esses aviões nos seus hangares.

Tal partilha de recursos de capacidade militar é, até agora, nada mais que teoria, pela qual a Alemanha é parcialmente responsável. No rescaldo do voto no Conselho de Segurança sobre a Líbia em 2001, em que se absteve, a Alemanha retirou as suas tropas mesmo dos voos AWACS (Sistema Aéreo de Alerta e Controle) de vigilância no Mediterrâneo. A França e a Inglaterra não querem tornar-se dependentes das capacidades alemãs que poderão não ter a possibilidade de usar em caso de necessidade.

Von der Leyen gostaria de aumentar a credibilidade da Alemanha e abordou mesmo o tópico de um exército conjunto europeu. Apenas há um ano, o seu antecessor Thomas de Maizière rejeitou o conceito na Conferência de Segurança de Munique.

Até que ponto Steinmeier e von der Leyen poderão levar as suas novas ideias políticas depende, em larga medida, de Merkel. Em anos recentes, o governo nem sempre ficou agradado com a escolha de palavras de Westerwelle, mas apoiou a sua política de contenção militar.

Merkel acredita que o papel da política externa alemã deve ser, em primeiro lugar, dar aos seus aliados em regiões difíceis a possibilidade de resolver por si mesmos as crises em que estão envolvidos. Para isso, ela autorizou exportações substanciais de armas alemãs para países autoritários como a Indonésia e a Arábia Saudita.

Na semana passada, durante um retiro do seu gabinete perto de Berlim, Steinmeier e von der Leyen apresentaram a sua visão duma nova política dos estrangeiros alemã, com o Ministro dos Estrangeiros a concentrar-se no Mali e a Ministra da Defesa a falar da África central. Quando acabaram, Merkel disse: “Não vou dizer agora sim ou não à missão.” Não poderia haver uma formulação mais precisa do modo como Merkel está na política.

*Ralf Neukirch é um jornalista alemão, correspondente da revista Der Spiegel ("O Espelho") em Berlim; Gordon Repinski é jornalista, correspondente do diário alemão Die Tageszeitung ("O Jornal Diário") em Berlim.

Fonte: O Diário