Os desafios e semelhanças das três presidentas da América do Sul

Eleita para governar o Chile pela segunda vez, Michelle Bachelet assumirá a presidência do país no dia 11 de março com o desafio de não decepcionar os eleitores que querem um governo diferente do neoliberal Sebastian Piñera. Com isso, ela deve se aproximar politicamente de países sul-americanos, especialmente Brasil e Argentina, que carregam entre si as semelhanças e os problemas criados por terem saído de ditaduras há pouco tempo, embora de formas distintas.

Por Débora Fogliatto, no Sul21

Os desafios e semelhanças das três presidentas da América do Sul - Reprodução

Cristina Kirchner, Michelle Bachelet e Dilma Rousseff foram as primeiras mulheres eleitas para governar seus países, todas pelo menos 15 anos após a redemocratização de nações que passaram por períodos ditatoriais. Apesar deste traço histórico em comum, as situações dos três países, atualmente, é bastante distinta. Conforme explica o professor associado de Economia da UFRGS e economista da FEE Luiz Augusto Faria, Bachelet ainda tem, neste segundo mandato, “a dívida que o Brasil e a Argentina já estão pagando” no que diz respeito a programas sociais e melhorias de serviços públicos.

A socialista Bachelet governou o país de 2006 a 2010, sendo sucedida pelo atual presidente, e agora voltará ao comando em uma situação política diferente. O Chile passou por mobilizações estudantis que pediam por educação pública, começando em 2007, ainda no seu governo, e se acentuando durante os anos de Piñera. Agora, a presidenta-eleita promete fazer uma ampla reforma na educação e construir novas escolas públicas. A situação do congresso no país, com a eleição de alguns dos líderes dos protestos estudantis, pode colaborar para que Bachelet consiga realizar mais projetos de cunho esquerdista do que foi possível em seu mandato anterior.

Nos três países sul-americanos, os governos ditatoriais privatizaram serviços até então estatizados. No Chile e na Argentina, isso foi ainda mais marcante, mas no segundo país a re-estatização já está sendo realizada, especialmente desde o governo de Nestor Kirchner (2007-2010), antecessor de Cristina. “O Estado argentino se fortaleceu com a re-estatização de serviços como a previdência e a companhia de petróleo. Já no Chile isso nunca aconteceu. Outro fator é que a educação pública foi destruída no país, tudo é pago”, esclarece Faria.

O cientista político e professor da ESPM, Bruno Lima Rocha, aponta que, apesar de semelhanças entre os projetos das três presidentas, em termos de avanços relacionados ao fim das desigualdades sociais, ainda há diferenças gritantes. “Temos que ser justos, o governo da Cristina tem uma incidência do papel do Estado maior que no Brasil, e no governo Dilma é muito maior que no do Chile. Apenas agora no retorno da Bachelet é que ela se compromete com uma agenda social e com o desmonte de parte da herança de Augusto Pinochet”, explica, referindo-se ao ditador que comandou o Chile entre 1973 e 1990 e que realizou as privatizações no país.

E é com este novo mandato que Bachelet poderá se “reorientar”, conforme definiu Rocha. “Ela volta com uma agenda social, que na coalizão de seu primeiro governo sempre foi um pouco tímida. Agora, inclusive ao mobilizar os líderes da luta estudantil, ela pode se reorientar”, considera o cientista político. A Concertación, coalizão que comandou o país por vinte anos, até o primeiro mandato de Bachelet, passou por algumas mudanças e, agora chamada Nueva Mayoría, enfrenta o desafio de ser cobrada pelos movimentos sociais e estudantis.

Economicamente, enquanto Brasil e Argentina têm muitas semelhanças, com o olhar voltado para os vizinhos da América do Sul, o Chile tem um histórico de exportações para os Estados Unidos e para a Ásia. “Há uma ação norte-americana que quer de certa forma cercar o Brasil, a Argentina e Venezuela, pelo Pacífico, com o projeto de Aliança do Pacífico. Mas ao mesmo tempo, o Peru, o Chile e a Colômbia fazem parte da Unasul, e quando o Chile foi presidente (durante o primeiro governo de Bachelet), o mandato da Unasul foi muito sul-americano”, aponta Faria, destacando que espera “que esse tipo de política volte” a partir de 2014.

Ao contrário do Chile, onde os serviços continuam privatizados e a economia é voltada para as exportações, na Argentina, onde a presidenta Cristina Kirchner encerra seu mandato em 2015, o poder Executivo tem as rédeas do país. “A Cristina é uma dirigente peronista prática, modelada para a situação atual. Não institucionalizar seu governo é parte de um governo argentino típico”, definiu Bruno Lima Rocha, em uma referência ao modelo político criado a partir do pensamento do ex-presidente Juan Perón, que tem como bandeiras a justiça social, um governo centralizado e popular.
O país passa por um momento de tensão econômica, com a desvalorização da moeda e o temor inflacionário. A presidenta continua implantando medidas de investimento social, e anunciou na quarta-feira (5) passada o aumento dos benefícios aos aposentados e pensionistas. Em discurso em rede nacional, Kirchner criticou os que chamam seu governo de “inflacionário” e “populista”, afirmando que “os direitos na Argentina continuam a ser ampliados”.

E mesmo com as aproximações entre os governos de Dilma Rousseff e Cristina Kirchner, ambas com histórico de militância política com viés esquerdista, os dois países se diferem em formas estruturais e históricas. “A melhor definição é de um colega meu, a de que a Argentina é como se fosse um cavalo indomável correndo campo a fora. E o Brasil é um elefante, anda a passos muito lentos. A Argentina é um país em construção permanente”, comparou o cientista político. Luiz Augusto Faria afirma que, em termos de economia internacional, é inegável a aproximação entre Brasil e Argentina, o que marcou o primeiro ano de gestão de Dilma.

Os dois países contam com programas sociais contra a miséria e a pobreza, buscando promover a inclusão social, e isso ainda é “muito tímido” no Chile, conforme explicou Faria. “O grande desafio de Bachelet é encarar isso, porque o modelo econômico chileno é muito excludente, é um modelo exportador de recursos naturais do país”, esclareceu. Na avaliação dos especialistas, a presidenta do Chile, que assume o governo em pouco mais de 30 dias, provavelmente irá tentar aproximar politicamente seu país das vizinhas Cristina Kirchner e Dilma Rousseff.