Eric Nepomuceno: O México e suas encruzilhadas

A pouco mais de dois anos de ter estreado presidente novo – Enrique Peña Nieto, do tradicionalíssimo PRI (Partido Revolucionário Institucional), assumiu no dia 1º de dezembro de 2012 – o México vaga à procura de uma saída. Muita coisa mudou no país nesses dois anos, e nem todas para melhor. Na verdade, para melhor o que mudou foi quase nada.

Por Eric Nepomuceno*, na Carta Maior

Pesquisa realizada pela Aliança Cívica revela que 83.52% dos mexicanos são contra a privatização da Pemex| Foto: Xinhua / Alejandro Ayala

Nas bolsas de apostas dos especuladores e investidores – ou seja, os donos dos dinheiros do mundo – Brasil e México são objeto de desejo. Afinal, são as duas maiores economias da América Latina. E os senhores do capital certamente sabem o que fazem quando inflam a imagem ora de um, ora de outro, no pedestal de seus favoritos: é uma boa maneira de despertar o interesse dirigido aos dois países, e ganham bom dinheiro especulando. O Brasil sabe disso, o México sabe disso. E cada um trata, do seu jeito, de administrar essas pressões.


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Além do esforço de se mostrar confiáveis aos dinheiros do mundo, os dois buscam soluções para suas mazelas internas enquanto escarafuncham espaço para ampliar sua presença no cenário externo. E, ao menos nesse ponto específico, a desvantagem acumulada pelo México ao longo dos últimos catorze anos é imensa.

Desde a chegada do direitista Vicente Fox à presidência, em dezembro de 2000, a política externa mexicana sofreu uma guinada brutal, renegando praticamente toda sua tradição e desmantelando o que o país havia sabido construir ao longo de décadas, especialmente junto aos países da América Latina. Seu sucessor, Felipe Calderón, do mesmo Partido de Ação Nacional, o PAN, de origem no catolicismo mais conservador, não fez mais do que arrematar o que Fox havia feito.

Conforme os governos do PAN se prostravam aos pés de Washington com especial devoção ao presidente George W. Bush, afastando-se de sua linha tradicional e perdendo espaço na América Latina, o Brasil, especialmente a partir da eleição de Lula da Silva, alçou voo de maneira firme, abrindo espaço e consolidando seu peso. Quando governos de esquerda foram sendo eleitos ao longo do mapa da América Latina, o isolamento – inédito, diga-se de passagem – mexicano fez-se ainda mais rigoroso.

E pelo que se tem visto desde que o PRI – o mesmo PRI que em 2000 havia perdido o governo depois de reinar absoluto por mais de cinco décadas – elegeu Peña Nieto, tudo indica que o novo presidente não sabe exatamente por onde começar, ou, se souber, sabe que não dispõe dos meios necessários para tentar recompor a presença mexicana no cenário latino-americano.

Ao mesmo tempo, chama a atenção a maneira pela qual Peña Nieto rompe outra das tradições férreas da política mexicana: ele tem procurado cumprir, ao menos no campo da política, as promessas de sua campanha eleitoral, principalmente as reformas que, segundo ele, poderão redesenhar o país.

E aí, curiosamente, várias das iniciativas adotadas pelo Brasil ao longo dos últimos quase vinte anos têm servido, se não de modelo, de exemplo. É o caso da abertura da exploração e produção do petróleo, tema intocável e intocado no imaginário coletivo mexicano, ao capital privado. O petróleo é, na prática, o ganha-pão do México. Desde que o mítico presidente Lázaro Cárdenas nacionalizou o petróleo, em 1938, ninguém jamais sonhara em tomar semelhante atitude. Peña Nieto garante que com essa reforma o país irá receber mais investimentos, criar mais empregos e crescer mais.

Que bom seria se fosse: a economia mexicana, tão cantada em prosa e verso pelas agências classificadoras de risco, anda bambeando além da conta. No ano passado, o PIB cresceu 1,3%. A razão principal: a economia dos Estados Unidos desacelerou com força. E como o México tem com seu vizinho do norte uma dependência absoluta (80% de suas exportações, por exemplo, têm como destino o mercado norte-americano), o panorama não chega a ser exatamente animador.

A não ser, claro, para as tais cada vez mais enigmáticas instituições especializadas em dar notas aos países, orientando investidores, enquanto erram a torto e a direito.

Como tudo, ou quase tudo, pode servir de argumento na hora das apostas do capital, louva-se muito, nos meios financeiros, as tais reformas levadas adiante por Peña Nieto (telecomunicações, por exemplo, além do petróleo) e as que estão em debate, como as reformas fiscais e a trabalhista. Seria conveniente, diante de tanto entusiasmo, recordar que as reformas já aprovadas dependem ainda de uma legislação complementar, ou seja, precisam ser regulamentadas, e ninguém sabe quando isso irá acontecer, e menos ainda que mudanças essas leis complementares poderão fazer no que foi reformado.

Para complicar ainda mais, agora mesmo há tensões palpáveis entre os governos do Canadá, dos Estados Unidos e do México, que conformam o Nafta, a aliança comercial que tem o México na rabeira, como dependente absoluto.

Peña Nieto vem tendo problemas em sua relação com Washington. Põe uma resistência incômoda para que a CIA, o FBI e a DEA, a agência de combate às drogas, continuem atuando com total liberdade em território mexicano. E Barack Obama se mantém firme em sua olímpica inabilidade na hora de se relacionar com a América Latina.

E é nesse panorama confuso, inseguro, cheio de idas e vindas e ainda mais de dúvidas que ninguém consegue dissipar ou esclarecer, que os mexicanos vivem com um fantasma pairando a poucos palmos de suas cabeças: a violência desenfreada dos grandes cartéis de drogas.

Nessa luta inglória, algumas das próprias estruturas do Estado parecem, a cada dia, correr um risco maior.

*é jornalista.