A alternância do poder e o problema do "purismo" no Maranhão

 Enquanto não compreendermos que uma das problemáticas que nos cinge e nos emperra é a dominância de um mesmo grupo político por décadas seguidas, se reproduzindo à custa da exclusão permanente de milhões de maranhenses, dificilmente poderemos mudar.

 De fato, se a população não compreender que o projeto liderado por esse grupo jamais responderá às questões do nosso tempo, por que implicaria em revelar o vazio dele mesmo, apenas simulacros de projetos pessoais de poder, a mudança demorará. Nada mais contraditório do que dizer que esse projeto é pautado no planejamento, posto que a inexistência ou a efemeridade de planejamento mais lhes caracterize. O que há é tão somente o ir fazendo e fazendo o que traz benefícios imediatos e mediatos, tanto político-eleitorais, quanto garantidores da própria reprodução.
A unidade das oposições é o ponto nevrálgico. Existem duas posições no cenário político do Maranhão: se opor ao atual governo do grupo dominante e sua perspectiva de continuar no poder ou submeter-se, aliar-se e apoiar esse grupo. O se opor abrange um complexo. Envolve forças de esquerda, de direita, de centro e muitos ex-integrantes do grupo dominante. E como se percebe o “se opor” não possui uma organicidade ou unicidade.
A chave é a especificidade política local: a oligarquia como grupo dominante politicamente hegemônico a ser vencido. Ainda que dentro dessa oligarquia tenhamos facções, a diretiva do oligarca impõe uma unidade de ação cuja força não se pode desprezar ou subavaliar.
A ausência de generosidade das lideranças e a incapacidade de perceber a oportunidade histórica vindoura são duas limitações à unidade das oposições. Por um lado, há o “purismo”, vamos chamar assim. As categorias analíticas descontextualizadas ou desatualizadas (luta de classes, socialismo, comunismo, etc) impedem a firmatura de um compromisso básico de unidade política entre as forças desse complexo. Por outro lado, existem também projetos pessoais de poder nesse conjunto, incapazes de ceder frente a um projeto maior, generoso e diversificado.
Isso não é um nó-cego, a unidade das oposições ou a formação de frentes amplas não é uma novidade em política, nem na América Latina, nem na Europa. O ponto é como conferir unidade em áreas estratégicas (educação, saúde e segurança) na diversidade de interesses e compromissos políticos firmados, garantindo a implementação majoritária do projeto vencedor. O contrário, a cegueira, está em esquecer as especificidades e as oportunidades de cada conjuntura política, imobilizando-a em uma estrutura atualizada, mas imutável.
As mobilizações sociais que tomaram as ruas em 2013, no Maranhão, trouxeram essa especificidade na pauta de suas reivindicações: a oligarquia como inimigo número 1. O “comum” das mobilizações locais tem esse elemento como convergência do descontentamento de classes e frações de classes, em geral, excluídas ou inconformadas com a situação social.
A unidade política demanda liderança e projeto. A liderança é uma pessoalidade. Ao longo da história do Maranhão ela já foi o próprio José Sarney, Neiva Moreira, Jackson Lago, dentre outros – nem preciso dizer da diferença abissal entre os dois últimos e o primeiro. Os adeptos do “purismo” querem um projeto sem liderança. Temem o nascimento de uma nova oligarquia. Projeto sem liderança constrói o debate político, levanta bandeiras dos movimentos sociais, critica a oligarquia e as práticas oligárquicas, entretanto, não alcança e não convence a maioria que vota.
Construir esse projeto comum e aceitar uma liderança que o corporifique é e sempre será um risco e uma possibilidade. O risco da liderança não cumprir com plenitude os eixos centrais do projeto comum e a possibilidade de ser cumprido. Em relação ao risco o caminho é romper e recomeçar. Quanto à possibilidade o caminho é apoiá-la de forma efetiva, intensiva e consistente.
Entendo ser fundante, nesse “comum”, a introdução de novos sujeitos políticos na arena de disputas pelo fundo público.
O filme “Uma história de amor e fúria”, dirigido por Luiz Bolognesi e lançado no segundo semestre de 2013 apresenta a história do Brasil, passado e futuro, a partir da relação de um homem imortal e uma mulher que se reencontram ao longo dessa história. Um dos cenários é o Maranhão. O contexto é a Balaiada de 1838. O personagem é fabricante de balaio e oprimido pela classe dominante do Império. Ele e sua família sofrem nas mãos de um coronel da Guarda Nacional. A opressão o faz uma das lideranças da Balaiada. O amor o coloca na luta pela libertação dos oprimidos.
Essa dualidade contraditória retratada pelo filme, amor e fúria, nos deve alimentar para a construção do diferente. Amor como incômodo quanto à realidade de imobilismo político e corrupção generalizada e fúria para somar forças em prol da transformação dessa realidade.
Ignacio Rangel em um de seus escritos chamaria isso de dualidade entre o antigo e o novo. Aquilo que tem sido a prática política histórica de nossa formação social e o que diverge diametralmente dessa prática. O antigo é a democracia restritiva do Império e das primeiras décadas da República, vivíssima na forma oligárquica de governar. A participação popular e a mudança regular dos governantes, características da democracia brasileira contemporânea lhe são avessas. O novo que não consegue nascer e se afirmar. Penso que apesar dos avanços, ainda é difícil contestar que o Maranhão não viva “na democracia de mentira”, conforme denúncia de Marcellino Machado do início do século XX.
O Balanço de Gestão Política, teorizado por Carlos Matus, é o primeiro elemento a ser considerado para uma mudança no Maranhão. Esse balanço sintetiza os resultados positivos e negativos em relação às demandas políticas dos atores sociais e da população em geral. A democracia está essencialmente vinculada à distribuição do poder político, fortalecê-la passa pela criação de novas instâncias consultivas, deliberativas e decisórias, isto é, instâncias que materializem a descentralização e a desconcentração do poder.

Fonte:Blog do Almada