Bachelet volta ao poder no Chile sob expectativas por reformas

Quatro anos depois de deixar a presidência do Chile com 83% de aprovação, Michelle Bachelet retorna ao cargo nesta terça-feira (11), depois de vencer as eleições de dezembro com 63% dos votos.

Por Victor Farinelli, na Opera Mundi

Primeiros cem dias de governo darão a tônica do governo da presidenta| Foto: Página de Michelle Bachelet no Facebook

Antes mesmo de ser iniciado, o novo mandato da chilena está cercado de expectativas quanto à possibilidade de impulsionar as reformas educacional, tributária e constitucional. Essas foram as três principais bandeiras de Bachelet desde que voltou ao seu país, em março de 2013, após três anos em Nova York, como representante maior da ONU Mulheres.

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Apesar dos questionamentos que recebeu durante a campanha, por não ter impulsionado as mesmas ideias durante seu primeiro mandato – razão alegada por grande parte dos analistas políticos chilenos para explicar a perda de influência da centro-esquerda chilena, que passou 20 anos no poder, entre 1990 e 2010, depois da queda de Augusto Pinochet,–, o discurso convenceu o eleitorado. Para ir adiante com seus projetos, porém, ela dependerá de negociações no Congresso, pois não tem o apoio necessário para passar as reformas educativa e constitucional.

A Nova Maioria, coalizão formada por Bachelet em 2013, só tem os votos suficientes para aprovar a reforma tributária, com os votos do Partido Comunista e da Esquerda Autônoma.

“Não será fácil para um governo com maiorias frágeis lidar com os movimentos sociais por um lado, exigindo as reformas prometidas, e por outro com uma oposição que, ávida por demonstrar força, vê na obstrução dos projetos mais importantes de Bachelet a melhor oportunidade de aparecer”, afirma o analista político Claudio Fuentes, da Universidade Diego Portales.

Tais dificuldades foram reconhecidas pelas novas autoridades chilenas, principalmente pelo ministro do Interior, Rodrigo Peñailillo. “Temos que saber dialogar com os movimentos sociais. Esse é um pedido tácito da presidenta Bachelet, que quer um governo que saiba entender os anseios da cidadania e reproduzi-los no Congresso. Não se trata de instrumentalizar os movimentos, e sim de saber escutar”.

Como sinal de como deverá atuar a coalizão governista, Peñailillo apresentou nessa coletiva um livro contendo as 50 medidas que o novo governo tomará durante os três primeiros meses. Entre elas se destacam duas das três grandes reformas prometidas na campanha, com prioridade para a reforma tributária, que poderia ser aprovada já nesse primeiro trimestre, caso a bancada governista faça valer sua maioria.

A apresentação do projeto-de-lei da reforma educacional também faz parte das medidas para os primeiros cem dias. Contudo, sua tramitação certamente vai requerer maior deliberação, inclusive porque seu sucesso depende diretamente do resultado da reforma tributária, cujo principal objetivo é arrecadar os recursos necessários para financiar a gratuidade na rede pública de educação – onde, atualmente, se cobra mensalidade em todos os seus níveis, exceto na pré-escola.

“Se concluir a reforma tributária nos primeiros cem dias, o governo conseguirá o apoio das ruas para enfrentar a votação da reforma educacional, a qual só conseguirá aprovar com pressão sobre os oposicionistas para votarem a favor do projeto”, analisa Claudio Fuentes a Opera Mundi.

Constituição da ditadura

A reforma constitucional, a terceira prometida por Bachelet, terá que esperar mais. O Chile ainda é regido pela Constituição de 1980, imposta pela ditadura de Pinochet. Desde 2013 se intensificaram as manifestações e iniciativas de chilenos no país e no exterior em defesa de uma assembleia legislativa que dê origem a uma nova carta magna.

Porém, a dificuldade em aprovar esse projeto será maior, segundo Claudio Fuentes: “nesse caso não está em jogo somente uma questão de votos mais ou votos menos. Alguns políticos e partidos sobrevivem do atual sistema político, e não falo somente da oposição, alguns governistas também”.

Fuentes acredita que a reforma constitucional pode se transformar na principal frustração com o novo governo, principalmente por parte dos movimentos sociais. “Bachelet não prometeu uma assembleia constituinte, mas é isso o que as ruas estão pedindo. Ela não fechou a porta para essa possibilidade e agora é o que se está demandando. Qualquer coisa diferente disso pode cair mal, mas dependerá de o quão participativo poderá ser o mecanismo com o que o governo pretende fazer essa reforma”, comenta Fuentes.

Posse e simbolismo

A cerimônia de posse reunirá nesta terça-feira (11) dezenas de líderes internacionais, como Dilma Rousseff, o uruguaio José Mujica, a argentina Cristina Kirchner, o vice-presidente dos EUA, Joe Biden, entre outros. Na quarta-feira (12), a Unasul (União de Nações Sul-Americanas) aproveitará a presença de políticos e diplomatas para realizar uma reunião sobre a crise na Venezuela.

Bachelet receberá a faixa das mãos de Isabel Allende, que assumirá o Senado do país. O protagonismo das duas políticas é simbólico, tendo em vista os 40 anos do golpe de estado no país, celebrados em setembro de 2013. Ambas são filhas de vítimas emblemáticas da ditadura de Pinochet.

Isabel Allende é filha do ex-presidente Salvador Allende, deposto pelos militares, no dia 11 de setembro de 1973. Naquela ocasião, um dos poucos uniformizados que resistiram foi o brigadeiro Alberto Bachelet, pai de Michelle Bachelet que faleceu meses depois de ser preso, em decorrência das torturas sofridas.