Jandira Feghali: Um "te amo" sem resposta 

A jovem Francisca Glaiciane Oliveira, de 18 anos, era chamada na Rocinha só de Gleice. Gostava assim. Como muitas meninas que povoam áreas populares e a periferia das nossas cidades, também sonhava em cursar uma faculdade e oferecer, assim, um futuro melhor para sua filha, de apenas dois anos. Antes de desaparecer na segunda-feira (3), talvez tenha sido dela a última lembrança de Gleice: um “te amo” dito pela pequenina na soleira da porta.

Por Jandira Feghali*

Dois dias após seu desaparecimento, Gleice foi encontrada morta. O laudo cadavérico do Instituto Médico Legal aponta estrangulamento e violência sexual. Um crime chocante desenhado pelo corpo amarrado dentro de um bar na própria comunidade. A jovem se tornou mais uma inaceitável vítima das estatísticas de feminicídio no Rio de Janeiro.

A região onde Gleice mora desponta como uma das áreas do estado que mais acumulam ocorrências de ameaça às mulheres. De acordo com números da Secretaria Estadual de Segurança, é a segunda mais violenta, com 3.751 casos em 2012, seguidos de 15 mortes por homicídio doloso (com intenção de matar).

A cultura machista, ainda predominante, tem raízes profundas. Apesar do progresso nas últimas décadas, a cada morte e caso de violência de gênero nos deparamos com a força dessa cultura. É nela que prevalece a visão da mulher como propriedade, da mulher como ser de segunda categoria e sujeita a qualquer tipo de violência. Essa visão fortalece a desigualdade e está na raiz dos casos como o de Gleice.

Precisamos romper com essa concepção econômico-cultural. Da queima de sutiãs, na luta pela emancipação e acesso aos direitos até então negados às mulheres, entramos numa fase mais difícil. Não se trata mais de ir às ruas pelo direito ao voto, pelo divórcio e pelo ingresso nas universidades. Entre tantos avanços, esbarramos num muro alto, onde a violência se dá contra uma pessoa pelo simples fato dela ser mulher. Esse muro só será derrubado quando a sociedade se revoltar contra essa e outras injustiças cometidas.

A luta está em curso. Vemos com esperança uma crescente marcha consciente feita por mulheres vítimas de violência ou não, e pela parceria com homens que almejam a igualdade e a paz. Na busca por justiça, a cidade do Rio já acumula média de 20 mil procedimentos de ações em varas, delegacias e juizados especiais sobre violência de gênero. Além de instaurar os inquéritos, é preciso que a justiça também aplique rigorosamente as leis e impeça a impunidade. Sem morosidade ou interpretação errônea, é, de fato, uma grande sequência de etapas que precisam ser cumpridas com eficácia pelo Estado.

Desejamos e lutamos por um futuro melhor para as mulheres, indicando que há amparo legal sempre. Que o hoje e o ‘amanhã’ sejam mais promissores e livres de desigualdades para todas nós, inclusive para a pequena filha de Gleice e tantas outras crianças privadas da convivência materna pelas atitudes que subjulgam, desrespeitam e violentam as mulheres. Por uma cultura com mais amor e menos dor.

Por uma cultura com mais “te amo” na soleira da porta retribuído a cada retorno ao final do dia.

*É médica, deputada federal pelo PCdoB-RJ e líder da bancada na Câmara.