Diogo Santos: Para disputar a Modernidade brasileira

O economista desenvolvimentista Albert Hirschman dizia que uma sociedade precisa estar disposta a levar adiante seu processo de desenvolvimento, visto que o caminho é marcado por escolhas difíceis a serem feitas, mudanças profundas de tradições, abandono de valores passados, além da inescapável incerteza sobre o futuro. O desenvolvimento é um processo genuinamente moderno. Ou mais, é o desenvolvimento que trás as formações sociais concretas à Modernidade.

Por Diogo Santos*, para o Vermelho

E a Modernidade é o palco preferido das contradições. Quando as cortinas do moderno se abrem, as contradições se exibem luminosas em cada ponto de tensão do tecido social. Umas mais, outras menos; umas no primeiro ato, outras no desfecho; e há aquelas que permanecem nos bastidores décadas a fio e estas são as mais profundas. Diante da modernidade, e do desenvolvimento, uma vez que o último é parte constituinte da primeira, duas posturas que se advogam avançadas duelam ao longo do tempo para impor sua hegemonia às sociedades.

A primeira é a que iguala Modernidade à decadência. Essa postura se aferra aos obstáculos e dificuldades que emergem de um processo de desenvolvimento para afirmar que ele é negativo e que, portanto, deve ser abandonado. O passadismo é a ideologia desta postura. O que foi é sempre melhor que o presente. O futuro melhor é a busca de uma idealizada Origem perdida da qual a “humanidade” se afastou e que em boa dose é culpa doDesenvolvimento.

A outra postura é a que diz que a Modernidade deve ser radicalizada. A Modernidade é, para esta visão, intrinsicamente contraditória e difusa, esta é a sua regra e não sua anomalia. É preciso analisar em cada contradição o que ela anuncia de novo ou de velho e jamais negar o avanço por medo de enfrentar o retrocesso. Cada contradição é uma oportunidade de luta para derrotar os inimigos do povo. Mais ainda, nunca se pode perder de vista a contradição principal de cada época, sob pena de se assemelhar aos conservadores, estes sim contrários à Modernidade, pois esta lhes arranca privilégios. Buscar respostas novas para as exigências impostas pelo tempo presente é a motivação principal desta postura. E um processo de Desenvolvimento, pela quantidade de contradições que trás à superfície, se assemelha a um campo de batalha em que cada fração das classes sociais deseja moldá-lo para melhor atender a seus interesses.Nós brasileiros vivenciamos neste momento, à flor da pele, a batalha entre estas duas posturas e no centro da disputa está o significado da Copa do Mundo de 2014.

A realização deste grande evento é disputada por países de todo o mundo, pois é consolidada a noção de que ele é sempre uma oportunidade para o país sede de se projetar na árdua luta geopolítica e econômica mundial. E em tempos de crise sistêmica do capitalismo, revolvimento do equilíbrio de poder mundial e afirmação nacional do Brasil, a realização da Copa é um enorme trunfo de que o país dispõe para impulsionar seus objetivos estratégicos.

As cifras das oportunidades econômicas abertas pela Copa são por si eloquentes. Milhões de empregos gerados, bilhões de reais em investimentos em mobilidade urbana, portos, aeroportos, telecomunicações e turismo; milhões de reais arrecadados em impostos e injeção de bilhões na renda nacional. Todavia, no turvo debate que ocorre em torno do sentido da Copa esta dimensão do tema é oportunamente negligenciada para atender aos objetivos de quem deseja convencer a nação de que a Copa é um péssimo negócio.

No que cabe aos conservadores é natural que utilizem desta tática, uma vez que, não podendo evitar que o maior evento de projeção mundial do Brasil pelo menos desde a Redemocratização aconteça sobre um governo de Centro-Esquerda, é preciso no mínimo garantir que a população não tenha clareza do alcance deste evento para o país. Entretanto, as concepções que defendem que o mais importante da disputa em torno do sentido do evento é ressaltar as dificuldades que surgem com a Copa, como as desocupações, lançam mão da mesma tática descrita acima. Vão além, responsabilizam a Copa por gargalos estruturais do capitalismo brasileiro e chegam ao limite da irresponsabilidade de afirmar que a Copa retira recursos públicos das áreas sociais. O mesmo ímpeto que se vê para criticar os R$ 7 bilhões em empréstimos do BNDES para a construção de estádios não é visto para criticar os R$ 249 bilhões gastos com pagamentos de juros dos títulos da divida pública somente em 2013.

A Copa trás consigo um enorme apoio ao desenvolvimento brasileiro, o qual como descrito acima é um processo contraditório. Deslocar a atenção da sociedade da imensa positividade do evento e colocar em primeiro plano as dificuldades é negar que o Brasil pode ser um país moderno e capaz de construir com suas próprias forças uma grande nação soberana.

Esta postura, ademais, não tem nitidez de que a contradição principal do Brasil atual é exatamente se o país será capaz de conduzir uma estratégia nacional de desenvolvimento ou voltará a ser um peru de natal do capital financeiro nacional e internacional. O sucesso da Copa e sua capacidade de contribuir com o desenvolvimento nacional se entrelaçam completamente com a contradição principal. Como dito no inicio, toda sociedade deve ser permanentemente convencida de que seu desenvolvimento é o caminho de sua realização plena, pois no percurso há flores e dores. É preciso que as forças politicas comprometidas com a afirmação nacional apontem para o povo qual é o sentido geral dos temas mais relevantes da agenda do país.

A nação deve se encher de entusiasmo pela sua capacidade de realização e com isso realimentar o impulso desenvolvimentista.Talvez contribuísse um pouco mais se o governo federal buscasse mecanismos de melhor enfrentar este assunto durante o período de preparação para a Copa, entretanto sabemos que o cerco da Imprensa de Direita é feroz.

Contudo, em nada contribui para isto, ou pior, atrapalha, afirmações como as feita nesta terça pelo governador do Rio Grande do Sul, Tarso Genro. Mesmo no contexto divulgado pelo portal do Governo do estado, afirmações do tipo “a decisão de assumir a Copa nessas condições foi uma roubada” ou “é uma oportunidade, apesar de todas as injustiças” desvirtua flagrantemente toda a positividade da Copa para o Brasil e ainda remete à ideia de que o evento tem gotas de benefícios em um mar de problemas. A Imprensa de Direita regozijou-se com estas afirmações.

É preciso dizer, contudo, que o governador Tarso Genro é um brasileiro democrático de profundo comprometimento com o povo e há poucas semanas atrás havia defendido a importância da Copa para o Brasil com muita clareza. No mesmo evento em que o governador fez estas afirmações, Antônio Lassance do IPEA afirmou que “a Copa virou uma espécie de Judas. Ninguém lembra que 30% dos gastos foram destinados para estádios, enquanto os restantes 70% foram aplicados em obras de mobilidade urbana, projetos de segurança, ampliação de aeroportos, qualificação profissional e outros setores.”

Isto sim deixa claro para o povo qual é a disputa central em torno do significado da Copa.

*Diogo Santos é secretário estadual de Juventude do PCdoB em Minas, granduando em Ciências Econômicas pela UFMG e membro da Fundação Maurício Grabois em Minas. Foi presidente da União Estadual dos Estudantes de Minas Gerais na gestão 2007-2009.