Jones Carvalho: Pelo fim da impunidade!

Há um consenso no Brasil: a impunidade é a regra, a justiça a exceção. Mas de onde vem essa concepção?

Por Jones Carvalho*

 Em 1964, portanto há 50 anos, foi dado um Golpe de Estado. O presidente legitimamente eleito foi deposto, assumiu o presidente da Câmara e, em seguida, o Congresso Nacional, sem os deputados que foram cassados, deu posse a um militar, o General do Exército Humberto de Alencar Castelo Branco, o primeiro dos ditadores dos 21 anos de regime de exceção.

Muitos dizem que foi uma Ditadura Militar, por estarem no comando os generais, mas o fato é que muitos civis, inclusive os deputados que davam posse aos ditadores, além dos governadores e prefeitos biônicos, participaram de forma efetiva das ações e deram respaldo à ditadura. Todo aparato policial civil também esteve a serviço dos ditadores. Podemos dizer, sem dúvida, que foi uma Ditadura Fascista, mas não podemos classificá-la exclusivamente como militar. Mesmo porque, os militares que defenderam a ordem constitucional também foram perseguidos e até mesmo torturados e mortos.

Durante esse período, muitos brasileiros e brasileiras foram presos, torturados e mortos. Foram treinados agrupamentos para exterminar índios, o que foi feito aos milhares. Mulheres presas eram estupradas, filhos retirados dos pais.

Montou-se aparatos públicos de tortura, com treinamentos efetuados por estrangeiros, em especial norte americanos. Organizou-se esquemas de “desovas” de vítimas no mar, cremados ou enterrados clandestinamente sem identificação.

No momento em que a luta pela redemocratização se fortalecia, as elites que organizaram e se beneficiaram com o regime ditatorial, aproveitaram a força que ainda tinham para fazer uma “Lei de Anistia” que permitia a volta dos exilados, a libertação de presos, mas colocava no mesmo patamar torturados e torturadores, ironicamente "anistiados" juntos. Não bastassem terem sido presos pelo fato de lutar pela libertação do país, ainda foram colocados ao lado dos seus algozes, como se tivessem cometido os mesmos crimes

A Anistia é para apaziguar, fechar feridas. A Anistia contempla tanto os que lutaram contra a Ditadura, como aqueles que derrubaram um governo democraticamente eleito. Porém, não há lei que possa anistiar crimes hediondos. Crimes condenados por todas as leis internacionais não podem ser acobertados por “leis nacionais”.

Se crimes como genocídio, estupro, tortura, assassinatos e ocultação de cadáveres não são punidos, apesar de toda a sociedade saber dessas práticas, como podemos acreditar que crimes menores serão punidos?

Se queremos acabar com a impunidade temos que passar a limpo nossa história. Identificar entre os civis e os militares aqueles que praticaram tais crimes hediondos e puni-los. Só a partir daí poderemos mudar a cultura de impunidade implantada pela ditadura em nosso país.

*Jones Carvalho é formado em filosofia, ouvidor-geral do Estado da Bahia e presidente da Associação Nacional de Ouvidores Públicos (ANOP).