Fausto Nilo – 70 anos: Tempo, espaço e poesia

Com 70 anos recém-completados, o compositor e arquiteto Fausto Nilo passa a limpo sua história, vivida entre melodias, carnavais, traços, desenhos e construções. Leia a seguir a entrevista concedida ao jornal O Povo e publicada neste sábado (12/04):

No último 5 de abril, Fausto Nilo Costa Júnior completou 70 anos. A festa foi discreta, reservada aos mais chegados. No entanto, figura celebrada que é, não se negou a aproveitar a efeméride para avaliar a própria trajetória. E foi num dia chuvoso, do escritório onde tem uma visão ampliada de Fortaleza, que o compositor e arquiteto recebeu O Povo para uma conversa sobre a vida. E, na vida de Fausto Nilo, o poeta e o arquiteto se confundem o tempo inteiro. A história de um frevo termina com uma análise sobre as ruas e chega até as pessoas que andam pelas ruas. Não há separação. É tudo misturado. A seguir, uma parte da conversa, cujo nascedouro é o cearense de Quixeramobim, mas que atravessa o cotidiano de muitos brasileiros.

Você planejou alguma coisa para esse aniversário de 70 anos?

Não, de jeito nenhum. Acho até que desmobilizei algumas coisas. Realmente, foram ofertadas algumas articulações de acontecimentos, mas, meus amigos sabem disso, eu sou uma pessoa que conduzo isso com muita discrição. Não sou muito chegado a autofesta.

Composição e arquitetura. Existe um ponto onde essas atividades se encontram?

Ser arquiteto precisa ter paciência, desenhar mil vezes. Como meta, eu tenho que criar espaços com uma semântica precisa e com uma carga de significação crescente para ser distribuída com as pessoas. E isso, para adquirir destreza, é como quem toca violão. Aqueles caras que tocam bem, eles toleraram muitas horas de repetição. Essa atividade (arquitetura) eu comecei como auxiliar, com 15 anos e meio. E na outra (compositor), eu era um ouvinte obsessivo.

Muita gente fala sobre o pouco caso que se dá aos artistas locais. Você, no entanto, parece ser bem querido na cidade.

Sou muito querido mesmo na cidade. Tenho consciência disso cada vez mais. Não tenho queixa de nada, de ninguém. Tem pessoas que veem de outra maneira, seja na arquitetura, seja na música, e isso tem que ser respeitado. Mas a maioria gosta de mim. O guarda ali, sempre que eu passo na esquina, diz: “Fausto Nilo, grande poeta”. Se eu andar na Praça do Ferreira, chegam: “Ah, você fez uma música que eu e minha mulher ouvimos muito”. É uma coisa legal.

Como você faz música?

Eu faço letras sobre melodias na maioria das vezes. Só no começo eu fiz letras num papel pra entregar a alguém (colocar a melodia), mas prefiro o contrário. Tenho muita música pra fazer. Com o Dominguinhos, eu tenho 30 e tantas músicas sem letras. As que fizemos antes, que ainda estão inéditas, gradativamente vão ser gravadas. Se ninguém me desse nenhuma música, até morrer eu ainda tenho trabalho pra fazer. Tenho uma música com a Sueli Costa (“Fumaça das horas”) gravada pela Nana Caymmi, que passei 15 anos com a melodia. Um dia, cliquei nela por acaso, comecei a ouvir, sentei e fiz.

Há um novo disco vindo aí?

Estou pensando. E esse é só com músicas que eu já escrevi pensando em cantar. Não são canções que eu fiz para intérpretes. Quando é para os intérpretes, você faz de uma forma solta. Não se sabe quem vai cantar aquilo. O João Donato diz que, pra gravar mais, tem que fazer música unissex. (No novo disco) estou na revisão das letras, dando um acabamento. Tem músicas com o Fagner, que ele me deu há 20 anos, um período que eu gosto muito. Tem Geraldo Azevedo, Dominguinhos, Ritchie, Zeca Baleiro. Quero fazer até o fim do ano.

Fortaleza tem sido muito discutida por causa de assuntos como a Praça Portugal, o Cocó, o trânsito. Como você tem visto esse debate?

No Brasil, o ritmo não é coordenado por um plano compreensivo. É um ritmo de oportunidade à vida. Embora estejamos numa democracia em construção, não alcançamos ainda aquela etapa do controle social dos projetos. No Brasil, um gestor pode ter uma ideia na cabeça dele e amanhã a obra começa. Isso é feito com naturalidade, uma coisa que pro urbanista é sempre complicado. Um gestor entra e faz uma obra. O outro chega e não dá continuidade. E a cidade que herdamos é fruto disso.

E quais seriam as consequências desse descuido com a cidade?

Um Centro que dorme vazio, que depois de 18 horas se transforma naquele deserto, produz um prejuízo. É um espaço com coeficiente de uso baixo. Ali tem infraestrutura e há uma subutilização disso. E sofre muito com isso. O patrimônio, a herança cultural edificada. O Centro tem edificações importantes, como o Theatro José de Alencar, e eles estão pedindo socorro no oceano do declínio em que estão mergulhados.

Como arquiteto, artista e cidadão, o que é bom e o que é ruim em morar em Fortaleza?

Gosto muito da cidade porque nela eu tenho a memória pessoal. Dos 15 anos que morei fora, 14 eu acreditei que não voltaria, que me contentaria em vir duas vezes por ano. Mas acabei voltando, até por uma acomodação de interesses familiares. Com minhas filhas aqui, a vida é mais acessível, mais fácil. E eu tinha vontade de voltar à arquitetura e ao urbanismo na minha cidade. Vivo aqui nesse bairro (Meireles) e escolhi essa solução que se faz quando é possível nas metrópoles, que é fazer uma caminhadazinha da minha casa até o escritório. Com isso, eu dispensei o automóvel. Uso táxi e ando a pé. E sei que, ali mais distante, tem uma situação de precariedade humilhante. Todo mundo sabe, essa cidade recebeu uma carga migratória excessiva. Poucas vezes no mundo uma cidade cresceu tanto num período tão rápido. O padrão predominante que a lei autoriza construir e estimula é muralha. É a cidade do muro.

Neste ano, o Dragão do Mar completa seus 15 anos. O que gostaria de dar de presente pra ele?

Ah! Queria dar uma reforma de monitoria. Você estuda o equipamento depois de uns anos de uso e vai vendo em que o projeto falhou, melhora aquilo que ele não cumpriu e vai melhorando naquilo que o uso revelou que pode ser alterado pra melhorar.

Depoimentos

“Fausto sempre foi o cara mais próximo de mim ao longo da carreira. Parceiro e amigo de nossas maravilhosas aventuras. Tenho por ele um carinho especial. Desejo muita saúde e disposição pra gente continuar na mesma batida. Pássaros Urbanos neles, parceiro” – Fagner

“Fausto é um dos mais importantes parceiros musicais que tenho. É talentoso em tudo que faz. É uma das cabeças pensantes mais importantes do cenário cultural, pois além de ter uma visão contemporânea , atualizada e ampla, tem uma enorme memória musical do passado" – Geraldo Azevedo.

“Na minha casa, ele escreveu a letra de 'Flor da Paisagem'. O Robertinho (de Recife) era meu hóspede. Foi feita na minha sala. O Fausto tem uma importância extraordinária na minha vida. Eu amo esse cara. Registro aqui toda a minha admiração por este amigo e parceiro" – Amelinha

“Ele é um pensador soberbo – da sociedade, do urbanismo, da música como algo para além da arte. E mesmo sendo desse tamanho imenso, se você o encontrar andando pelas ruas de Fortaleza, ele vai conversar com você como se fosse um homem do povo” – Zeca Baleiro

“Fausto é a essência da letra de música, da palavra cantada, da palavra pela primazia do som com sentido e beleza. Sempre admirei muito os seus versos pelo uso imagético da palavra… meio retrato, meio cinema, mas sendo música" – Alan Mendonça, compositor

“Ele foi um dos primeiros nomes da música cearense que conheci e que me inspirou. Sua poética e relação com a arte, o lugar e as pessoas influencia não apenas a minha trajetória, mas também a de muitos artistas que conheço. Vida longa!” – Caio Castelo, músico

Fonte: O Povo