Diogo Santos: Aécio Neves de outros carnavais

Não. Este não é um texto sobre as noites badaladas do presidenciável do PSDB. Sinceramente, julgo serem infrutíferas e, em boa medida, de mau gosto, as tentativas moralistas de desqualificá-lo. Quem nunca olhou o limite da própria parcimônia por cima dos ombros que atire a primeira pedra. Se o leitor busca este tipo de abordagem, sinto muito, não a encontrará. 

Por Diogo Santos*

Todavia, meu objetivo é, sim, desqualificá-lo. O caminho que seguirei é uma breve comparação entre seu discurso e sua prática no período em que foi governador de Minas.

Quando no início de 2013, o presidenciável tucano fez o xoxo discurso que chamou de “os treze fracassos do PT”, em pelo menos quatro pontos foi tocado no tema do desenvolvimento econômico. O argumento do senador era que Brasil estava com desenvolvimento comprometido. Em primeiro lugar há de se recordar que os governos do tucano FHC foram os responsáveis pelo naufrágio da possibilidade de um desenvolvimento soberano do Brasil na década de 1990.

Deixemos FHC de lado, vamos olhar para o exemplo de Minas. Em doze anos de governos tucanos o estado ficou ainda mais dependente da exportação de bens primários e manufaturados baseados em recursos primários (bens com grau de transformação muito baixo, por exemplo, minério de ferro). Cerca de 70% da pauta de exportação mineira são representados por estes dois conjuntos de bens. Em 2000 as exportações de ferro e aço representavam 23% do total exportado por Minas, em 2009 este valor era de 16%, ou seja, ampliou a dependência de Minas em relação à exportação de mineiro de ferro.

O Banco de Desenvolvimento de Minas Gerais, que nos tempos do ciclo desenvolvimentismo brasileiro e mineiro fora protagonista no planeamento e fomento à indústria, reduziu sua participação no total de empréstimos concedidos em Minas durante os governos tucanos – passou de 1,66% em 2004 para 0,85% em 2009. O reduzido papel do banco reflete a falta de política industrial destes governos.

A Cemig no período tucano deixou de ser motor do desenvolvimento do estado e do país para atender aos interesses dos acionistas privados da companhia. A última usina hidrelétrica construída em Minas foi decisão do governo estadual de Itamar Franco (1999-2002). Os encargos da dívida pública do estado com a Cemig são mais onerosos que os encargos da dívida com a União. Para contornar esta situação o governo optou não por renegociar a dívida, mas sim contratar um empréstimo no mercado internacional de R$ 4,7 bilhões para fazer o pagamento. Esta medida garantiu por um lado que o interesse dos acionistas fosse religiosamente garantido e por outro expôs o estado ainda mais às exigências do capital financeiro internacional. Além disso, é de amplo conhecimento que Minas pratica as tarifas de energia mais altas do país.

Recorrentemente o presidenciável tucano faz ecoar o canto histérico das maritacas do mercado financeiro sobre a necessidade de eficiência na gestão do Estado. A tomar de exemplo os governos tucanos em Minas, Estado eficiente significa ao povo o mínimo. Ou menos. Os governos de Aécio Neves e Antônio Anastasia investiram em educação e saúde abaixo do definido pela Constituição. Os estados devem investir 25% da receita de impostos em educação e 12% em saúde. Em 2012, foram investidos em Minas 22,95% e 10,58% em educação e saúde, respectivamente. Valores dos anos anteriores foram ainda menores.

Minas, entre todos os estados da Federação, foi o que mais tomou empréstimos no mercado internacional na última década (R$ 7,5 bilhões), chegando atualmente à beira de uma crise fiscal devido aos quase R$ 90 bilhões da dívida pública. Tamanha dívida fez do governo de Minas um dócil cumpridor das exigências do capital financeiro. O famoso programa “choque de gestão” é a carta compromisso do governo com esta fração do capital. Em meados de 2013, o governador Antônio Anastasia anunciou uma reforma administrativa em que até papel e cafezinho dos eventos foram cortados. Também foram suspensos cursos de qualificação dos servidores estaduais. Mas não se preocupem, dizia o governador, tudo isso dará eficiência à máquina pública.

Outro exemplo de (in)eficiência e zelo com o dinheiro público dos governos de Minas é demonstrado no caso da exploração do raro nióbio na cidade de Araxá. O Brasil detém nas minas de Araxá 98% das reservas de nióbio do mundo. Este mineral tem aplicações importantes como em motores de foguetes e na indústria nuclear, ou seja, possui alta relevância geopolítica. Contudo, uma série de descasos cerca a exploração do nióbio. Em primeiro lugar a Companhia Brasileira de Metalurgia e Mineração (CBMM), empresa privada, detém o monopólio da exploração do metal, sem licitação; em segundo lugar não há estatísticas claras da quantidade explorada; e por último existem suspeitas inclusive levantadas pelo TCE-MG de que a CBMM informa um preço de venda do quilo do mineral abaixo do preço vigente no comércio internacional, o que reduz o valor arrecadado pelo estado.

Por último, há uma dimensão do discurso do senador tucano que pelo nível de cinismo merecia uma análise psicanalítica. Aécio Neves, do alto de sua face reluzente pelo uso nada homeopático de lustra-móveis, acusa o governo federal de criar um país de maravilhas com altos gastos em propagandas oficiais que não se assemelha com a situação real. É publico e notório o fato de que os últimos governos de Minas lançaram mão de diversas estratégias de marketing para ocultar e desvirtuar a verdadeira natureza destes governos.

Vamos citar somente alguns exemplos. O próprio alardeado programa “choque de gestão” é majoritariamente composto de manobras contábeis e menos de resultados efetivos, o que serviu para a fabricação da enganosa peça publicitária do déficit zero do estado; programas federais, com recursos federais, ganham outros nomes em Minas e são divulgados como realizações do governo local (fato este divulgado inclusive pela Folha de S. Paulo); programas sociais focalizados são divulgados como se todo o estado fosse contemplado; por fim, o governo de Minas gastou entre 2007 e 2011 R$ 581 milhões em propaganda. Para avaliar a magnitude deste valor compare com o gasto do governo de São Paulo no mesmo período (R$ 609 milhões), em seguida considere que a economia de São Paulo é três vezes maior que a economia mineira! Não nos enganemos: passam-se os carnavais, mudam-se as fantasias, mas o enredo liberal é o mesmo.

* Diogo Santos é secretário estadual de Juventude do PCdoB em Minas, graduando em Ciências Econômicas pela UFMG e membro da Fundação Maurício Grabois em Minas.