Alexandre Park: Obama reabre as portas do espírito guerreiro nipônico

O primeiro ministro japonês Shinzo Abe abriu as portas à reativação do militarismo nipônico anunciando uma reinterpretação do pacifismo imposto pela Constituição com base numa suposta “necessidade de autodefesa coletiva”. A iniciativa segue-se à visita de Barack Obama ao Japão no âmbito da estratégia militar norte-americana de “pivô para Ásia”.

Alexandre Park, de Tóquio para Jornalistas sem Fronteiras

Tropas do Japão - Toshifumi Kitamura/AFP/Getty Images

As tentativas de regresso à arena militar mundial já andavam no ar em Tóquio desde a instalação deste governo nacionalista, “mas eram balões de ensaio que, pelos vistos, Obama terá acolhido bem vendo neles a possibilidade de juntar um forte aliado asiático à sua estratégia imperial no continente, que tem como ponto fulcral isolar a China e, se possível, provocar militarmente este país”, afirma Tokotsu Kamegawa, figura do movimento pacifista japonês.

Numa intervenção pública, o primeiro ministro Shinzo Abe disse que “é um mal entendido” pensar que os esforços de integração do Japão na “comunidade militar internacional” têm a ver com “intuitos belicistas”. Trata-se, disse, de participar no “esforço pacifista” internacional.

A Constituição japonesa, herdada do pós-guerra e estabelecida segundo a perspectiva de desativar o militarismo imperialista nipônico e evitar o seu renascimento, foi desenhada e imposta pelas potências vencedoras da Segunda Guerra Mundial. Os Estados Unidos, como potência administrante da submissão militar japonesa, são responsáveis pela manutenção desse princípio.

“Se a Alemanha participa militarmente em guerras consideradas necessárias pelos Estados Unidos e a Otan como no Afeganistão e no Iraque, se os drones do AFRICOM norte-americano são lançados de Estugarda contra África, porque não há-de o Japão de ingressar num sistema de defesa coletivo contra os que ameaçam a ordem econômica e política mundial”, diz Fojio Koji, jornalista e conselheiro do governo japonês na área de comunicação.

“A mensagem foi transmitida desta forma a Barack Obama e há muito que vinha também sendo trabalhada por assessores do Departamento de Estado e da CIA”, acrescentou. Koji explica que, segundo os círculos que envolvem o neonacionalismo nipônico – no Japão não existe nada que seja “neo” que “não assente profundamente, ainda hoje, no passado e na tradição” – “o anacronismo do isolamento militar japonês é contraproducente para os interesses dos Estados Unidos e da própria União Europeia, quando Tóquio pode e deve integrar o sistema internacional de defesa simbolizado coletivamente pela Otan e pelas suas expressões orgânicas em outros continentes”.

O conselheiro governamental lembra, a propósito, que “o know-how e grupos operacionais japoneses, com formação militar norte-americana, foram utilizados em forças de manutenção de paz no Afeganistão e no Iraque, pelo que trata-se de potenciar e dar envergadura institucional a este passo”.

“Ouvindo isso, não é de espantar que estejamos a assistir de repente a tantas ações de vários países asiáticos como o Vietnã, a Malásia, as Filipinas, o próprio Japão relacionadas com territórios cuja administração chinesa é contestada há muito”, reage Tokotsu Kamegawa.

“Considero que o comportamento de Pequim, principalmente sobre a exploração de petróleo nas ilhas Paracelso, disputadas com o Vietnã, é reprovável e deveria estar a ser resolvido em negociações e não com batalhas navais de canhões de água e ataques a bens de um ou outro país. Mas essas situações são pretextos agitados agora com oportunismo para tentar responder ao mesmo tempo ao interesse americano de reforçar posições militares na Ásia e às tendências revanchistas japonesas”, acrescentou.

“Não se esqueçam”, advertiu Kamegawa, “de que estes nacionalistas japoneses são os mesmos que incitam a ‘esquecer Hiroxima e Nagasaki’ lá no passado e voltar a ter o Japão em atividades militares que orgulhem o seu povo em vez de o deprimir”. Tokotsu Kamegawa considera que “não é só no Leste da Europa que se pretende reescrever a história da Segunda Guerra Mundial”.

Fonte: Jornalistas sem Fronteiras