CIA patrocina tentativa de golpe militar na Líbia

Um general com ligações conhecidas à Agência Central de Inteligência (CIA) e uma associação de milícias sob o seu comando desencadearam um conjunto de ações armadas em Trípoli e Benghazi em sintonia com movimentos de forças especiais norte-americanas, em bases militares mediterrânicas.

Armando Vicente, de Trípoli para o Jornalistas sem Fronteiras

Líbia - Esam Omran al-Fetori / Reuters

O general Khalifa Haftar, de 65 anos, que chefia as operações militares já repudiadas pelo governo transitório de Trípoli, declarou que o seu objetivo é “erradicar o terrorismo” no país. Os seus principais alvos operacionais parecem ser milícias de grupos fundamentalistas islâmicos implantadas principalmente na região oriental da Cirenaica, onde se iniciou o golpe contra Khaddafi e que atualmente está praticamente independente de Trípoli.

“Aquilo a que estamos assistindo é um confronto armado entre grupos que foram utilizados pela Otan para mudar o regime líbio”, afirma em Trípoli um adido militar de um país da União Europeia.

Os ataques foram lançados pelo chamado “Exército Nacional Líbio”, organização criada pelo general Haftar, associado às milícias do clã Zenten, o mesmo que mantém aprisionado o filho de Khaddafi, Saif Islam. Os promotores da tentativa de golpe designam-na “Operação Restaurar a Dignidade na Líbia”.

O general Khalifa Haftar tentou dar um golpe de Estado em fevereiro e anunciou, então, a dissolução do Congresso Nacional, o Parlamento, falhando esse objetivo. No passado domingo (18), desencadeou um assalto ao edifício no Parlamento e posteriormente iniciou operações para se apossar de Benghazi, cidade conhecida como “capital da revolução” e que está sob o poder das milícias fundamentalistas islâmicas Ansar al-Sharia.

Algumas horas antes de os grupos armados, sob o comando do general Haftar, terem iniciado o assalto ao edifício do Parlamento em Trípoli, o Pentágono deslocou 200 fuzileiros e aviões militares para a base de Sigonella, na Sicília (Itália), prevendo a necessidade de responder a “uma crise na Líbia”.

Outros aviões militares já tinham sido transferidos da base de Morón, em Espanha, para a mesma base italiana. O porta-voz do Pentágono declarou que “estes movimentos se devem ao fato de acreditarmos que a segurança no Norte da África está se deteriorando e pode representar uma ameaça”.

O grupo sedicioso está usando armas pesadas, aviões e helicópteros militares contra Benghazi, de onde pretende desalojar os fundamentalistas da Ansar- al-Sharia.

“Aniquilar este grupo parece ser um dos objetivos principais das operações”, considera o mesmo adido militar europeu. “Não esqueçamos que é atribuída ao Ansar al-Sharia a responsabilidade pela morte de quatro altos responsáveis norte-americanos em Benghazi, entre eles o embaixador Christopher Stevens, num assalto à Embaixada dos Estados Unidos e aos escritórios da CIA, em 11 de setembro de 2012," acrescentou.

O caso continua a suscitar grande polêmica em Washington. Está em curso no Congresso norte-americano a formação de uma comissão de inquérito aos atentados perante ataques cerrados à equipe do Departamento de Estado de então, chefiada por Hillary Clinton.

“Este processo tem atormentado a carreira da senhora Clinton nos últimos dois anos, pelo que o episódio de agora em Benghazi parece ser também uma cortina de fumaça para lançar a confusão e mais dúvidas sobre o inquérito”, afirma um diplomata canadense em Trípoli. “Se a senhora Clinton ainda pensa na candidatura à presidência, não pode continuar tão condicionada pela herança de Benghazi”, acrescentou.

O general Khalifa Haftar foi companheiro de Khaddafi na revolução que derrubou o rei Idris, em 1967. Posteriormente, comandou a intervenção líbia no Chade e, nessa ocasião, rebelou-se contra o próprio Khaddafi. Foi preso e libertado na sequência de uma intervenção norte-americana junto do chefe do regime de Trípoli. Levado para os Estados Unidos, Haftar foi instalado perto da base da CIA, em Langley, onde recebeu formação.

Quando a Otan tomou o poder na Líbia, o general Haftar foi colocado pelos vencedores na gestão de Benghazi através do seu grupo, “Exército Nacional Líbio”, que nasceu quando ainda recebia instrução na CIA e cuja designação foi retomada agora como protagonista da “Operação Restaurar a Dignidade na Líbia”.

A Líbia está em situação de grande indefinição política. O Congresso Nacional já deveria ter concluído o mandato em fevereiro, o governo de Abdallah al-Thani está demissionário e, entretanto, foi designado como primeiro ministro o fundamentalista islâmico Ahmed Miitig, da corrente Al-Qaida, em uma votação parlamentar que levantou muitas dúvidas e continua gerando polêmica.

Fonte: Jornalistas sem Fronteiras