Por que a #LeydeMedios mexicana é tão perigosa para a internet? 

Há duas semanas, ativistas mexicanos chamaram a atenção da comunidade internacional para os absurdos de uma proposta de lei de telecomunicações enviada pelo presidente Enrique Peña Nieto (EPN) ao Senado daquele país. Combinando protestos nas redes e nas ruas, os manifestantes conseguiram levar a hashtag #EPNvsInternet ao trending topic mundial, com quase um milhão de mensagens compartilhadas no Twitter.

Por Murilo Machado, na Carta Capital 

Por que a #LeydeMedios mexicana é tão perigosa para a internet? - Contra el Silencio

Desde então, diversos protestos irromperam em várias cidades do México, sendo o principal deles a corrente humana entre a sede da Televisa em Chapultepec até a residência oficial de Los Pinos (de onde a polícia não deixou que se aproximassem), palácio do presidente, no último dia 26 de abril.

Mas por que tanto alarde? Será que a proposta é tão nociva?

A julgar pelas questões relativas à internet (a lei de mídia contempla outros aspectos), a resposta é “sim, e muito”. Se, no Brasil, a presidenta Dilma Rousseff sancionou um Marco Civil amplamente debatido pela sociedade, no qual se tenta ao máximo eliminar qualquer tentativa de violar a neutralidade da rede, o caso mexicano vai bem no caminho oposto: sem grandes discussões, a proposta apresentada prevê vigilância expressa sobre internautas e interrupção de serviços sem necessidade de ordem judicial.

Por ora, o PRI (Partido Revolucionário Institucional, sigla de EPN) reagiu aos protestos e recuou da proposta, prometendo alterar os pontos problemáticos antes de o texto ir a votação, agora prevista para junho. Mas não é tão simples. Primeiro, porque o responsável por apresentar a versão do presidente à casa é o senador Lozano Alarcón, do conservador PAN (Partido da Ação Nacional). Ele, que também é presidente da Comissão de Comunicações e Transporte do Senado, é acusado pelos colegas de excluí-los das discussões sobre a revisão da proposta, violando procedimentos parlamentares básicos. Ao se defender, Alarcón tuitou: “Só digo que nossa lei sobre #telecomunicações elimina qualquer censura ou bloqueio na internet, e outras tantas preocupações”.

Em segundo lugar, os principais ativistas da campanha #EPNvsInternet têm denunciado que a patota PRI/PAN tentará aprovar a proposta com pouca ou nenhuma alteração quando as atenções do país estiverem voltadas à Copa do Mundo no Brasil.

Voltando. Enquanto esperamos pelas novas articulações, vejamos abaixo, em alguns pontos, por que a proposta de Peña Nieto é o exemplo do que jamais deve ser seguido em matéria de legislação para internet (o texto original está aqui):

1. Na introdução da proposta (se quiser espiar, está na p. 29), o governo defende solenemente que “as empresas não devem limitar, degradar, restringir ou discriminar o acesso a qualquer serviço, seja provido em sua rede ou em outras, nem limitar o direito dos usuários do serviço de internet a incorporar ou utilizar qualquer classe desses instrumentos, dispositivos ou aparatos que se conectem a sua rede”. Bonito, não? Está na seção “Neutralidade da rede”. Mas seria ainda mais bonito se, no próprio decreto (artigo 197, parágrafo VII), não houvesse a clara determinação de “bloquear, inibir ou anular de maneira temporária os sinais de telecomunicações em eventos e lugares críticos para a segurança pública e nacional quando solicitado pelas autoridades competentes”. Não sei vocês, mas quando leio “eventos críticos”, na verdade leio “manifestações conta o governo”; e, por “lugares críticos para a segurança pública”, entendo “aglomeração de manifestantes”.

2. O terceiro parágrafo do artigo 145 também começa em grande estilo: “As concessionárias ou autorizadas a prestar o serviço de acesso à internet […] deverão preservar a privacidade dos usuários e a segurança da rede”. E também termina em tragédia: “Poderão bloquear o acesso a determinados conteúdos, aplicações ou serviços sob pedido expresso do usuário, quando houver ordem de autoridade ou sejam contrário a alguma normatividade”.

3. A proposta prevê (na parte VIII, intitulada “Da colaboração com a justiça”) que os provedores de internet poderão armazenar por até 2 anos os dados e os registros de comunicações dos usuários, incluindo apenas: a origem e o destino dessas comunicações, a data, a hora, a duração das mensagens e… o nome do titular de uma linha e o endereço físico do dispositivo de comunicação. Querem mais ou podemos parar por aqui?

4. Ok, vamos um pouco além. Ainda sobre a morte da neutralidade da rede, o artigo 146 sentencia: “As concessionárias e autorizadas que prestarem o serviço de acesso à internet poderão fazer ofertas segundo as necessidades dos segmentos de mercado e clientes, diferenciando entre níveis de capacidade, velocidade e qualidade”. Da forma como está redigido este e os próximos artigos, a proposta permite que um determinado provedor dê prioridade de acesso e de velocidade a determinados sites (tal como o Netflix, por exemplo, como já ocorre nos EUA). É o típico cenário em que pode mais quem paga mais, fazendo da internet uma grande rede de TV a cabo.

5. O projeto permite interferir diretamente nas comunicações pessoais, sem qualquer tipo de controle judicial, o que viola princípios básicos de direitos humanos. O artigo 190 (número bem sugestivo) obriga que as concessionárias autorizadas a comercializar e os provedores de serviços, aplicações e conteúdos permitam “que as autoridades facultadas pela lei exerçam o controle e a execução da intervenção das comunicações privadas”, além de “conferir todo o apoio que estas lhes solicitarem, em conformidade com as leis correspondentes”. Sim, intervir nas comunicações privadas.

6. Por fim, para minar de vez com os movimentos sociais, os protestos e suas lideranças, recorre-se ao artigo 189, no seguinte trecho: “As concessionárias de telecomunicações e as autorizadas estão obrigadas a proporcionar a localização geográfica em tempo real, de qualquer tipo de dispositivo de comunicação, quando solicitada pelos titulares das instâncias de segurança ou dos servidores públicos aos quais for delegada essa faculdade”.