Hugo Moldiz Mercado: O que tramam os EUA contra a Bolívia?
Em uma guinada tática voltada para a Bolívia, que prenuncia um endurecimento das ações de subversão contra o governo socialista, o Departamento do Estado norte-americano enviou Jefferson Brown para que “limpe a casa” e dois meses depois — em julho — deixa o lugar vazio para Peter Brennan, que mudará todos os funcionários do alto escalão diplomático, algo pouco usual na prática diplomática.
Por Hugo Moldiz Mercado, no Rebelión
Publicado 02/06/2014 18:24
A Casa Branca parece ter determinado dar uma guinada, para pior, nas relações bilaterais com a Bolívia. Após tirar Larry Memmott — considerado uma “pomba” pelos serviços secretos estadunidenses — o Departamento do Estado enviou como encarregado de negócios interino o “falcão” Jefferson Brown, que tão só estará até junho, para depois deixar o lugar a outro “falcão” muito mais experiente: Peter Brennan.
Mas os movimentos na embaixada dos Estados Unidos em La Paz não acabam com a mudança do seu encarregado de negócios, o cargo mais alto da representação estadunidense na Bolívia, depois eu o presidente Evo Morales expulsasse, em 2008, o embaixador Philip Golberg por atividades subversivas, em coordenação com setores da oposição mais dura e antidemocrática, entrincheirados na cidade de Santa Cruz. Tudo aponta a que a equipe diplomática será substituída por completo, para dar maior peso aos serviços secretos e se incrementarão as ações de desestabilização do governo de Evo Morales, no âmbito da uma contra-ofensiva imperial na região.
Brown chegou à Bolívia poucas horas depois de ter sido nomeado, em 23 de abril. De acordo com fontes confiáveis bem ligadas aos escritórios do Departamento do Estado, em julho próximo se produzirá a mudança total dos funcionários com categoria de diplomatas. Isso quer dizer que, após a saída de Memmott, a tarefa mais importante de Brown — um funcionário de carreira, que já cumpriu missões no Brasil, El Salvador, Paraguai, Equador e Argentina, entre outras — é “limpar a casa”, para que depois venha Brennan, quem foi ministro conselheiro e responsável pela área política na Costa Rica, Nicarágua, Paquistão e no gabinete Cuba, em Washington.
Estes movimentos na embaixada dos EUA em La Paz, pouco usuais na organização e na prática diplomáticas, confirmam a nota publicada em La Época, em 17 de março passado, na qual se diz que a saída repentina do encarregado de negócios nesse momento, Larry Memmott, produziu-se por pressões da CIA e da segurança do Departamento de Estado, cujos altos funcionários ficaram convencidos de que o diplomata acabou sendo uma “pomba” e que em La Paz é preciso ter um “falcão”.
A mudança foi atribuída a razões de saúde de um dos familiares do encarregado de negócios. Mas, aos poucos, tudo ficou a nu, quando se soube que a ordem de retirada também envolvia Mitchel Ferguson, que chegou como segundo de Memmott, mas que depois foi enviado como responsável do gabinete político, substituindo Geoffrey Frederick Schadrack, o homem da CIA em Bolívia. A saída de Memmott e Ferguson também foi pouco usual. O Departamento de Estado deu-lhes um prazo máximo de dez dias para abandonarem a Bolívia.
Apesar de que durante a gestão de Memmott as atividades dos serviços secretos não foram interrompidas, discrepâncias acerca de onde devia estar o maior peso das ações da embaixada dos EUA em La Paz criaram tensões no relacionamento entre o encarregado de negócios e os responsáveis pela comunidade de inteligência estadunidense. Isso não quer dizer que Memmott ignorasse ou se opusesse às tarefas de inteligência, mas sua inclinação a dar maior prioridade à política — mediante os serviços de ação cívica — para ganhar a confiança do governo de Evo Morales, acabaram criando desgosto nos durões de Washington.
É por isso que duas ações importantes dos serviços secretos não foram informadas a Memmott, como normalmente acontece, sem que isso represente dar mais pormenores. A primeira delas, em maio de 2013, com a entrada ilegal de dois agentes da DEA, com profundas ligações com a CIA, para montar um dossiê contra o vice-ministro de Defesa Social, Felipe Cáceres, sobre atividades de narcotráfico. Tratava-se dos agentes David Wayne Paiz e Bert Davi Castorino, os quais chegaram à cidade de Santa Cruz em um voo comercial da linha aérea COPA, vindo da cidade do Panamá.
A segunda efetuou-se em 15 de dezembro do ano passado, quando um operativo montado pela CIA tornou possível a fuga do cidadão estadunidense de origem judaica, Jacob Ostreicher, o qual estava sob detenção domiciliar, acusado de delitos de narcotráfico. A cabeça da operação em La Paz foi Geoffrey Frederick Schadrack, residente da CIA que, sob o disfarce de funcionário do gabinete político, conduz as operações da agência de inteligência na Bolívia e que convenceu o Encarregado de Negócios estadunidense, na época, de ajudar “por razões humanitárias” à implementação do plano de fuga, sem dizer-lhe nada acerca do relacionamento do empresário judaico-estadunidense com a CIA. Embora tenha circulado o boato de que Memmott fez um manejo pouco rigoroso dos recursos da embaixada dos EUA ou guardou silêncio ante algumas atividades extramatrimoniais de um dos seus estreitos colaboradores, a chegada de um grupo de auditores dos serviços secretos, quatro dias depois da saída do Encarregado de Negócios, permite pensar que não só foram números o que se veio investigar.
Jefferson Brown vem “limpar a casa”. Suas ações permitem ter uma ideia do que representa essa missão. Apesar do pouco tempo que estará na Bolívia, o diplomata estadunidense se mostrou muito ativo. Mal chegou se reuniu com políticos e analistas da oposição boliviana para “examinar” as duas sondagens de intenção de voto, publicadas na última semana de abril. Depois, iniciou uma visita a várias legações diplomáticas de outros países.
A presença de Brown, por só dois meses, e a chegada de Peter Brennan, em julho, faz aumentar a desconfiança. Os antecedentes de ambos são um sinal de que a Casa Branca determinou endurecer suas posições contra o presidente Evo Morales, quem se projeta como o seguro vencedor das eleições de 12 de outubro próximo, com o que se converteria no chefe de Estado com 14 anos de gestão ininterrupta.
Brennan chegará à La Paz na etapa prévia à reta final da campanha eleitoral, na qual Washington espera que a oposição possa conformar um único front, para contestar as aspirações de reeleição de Evo Morales, o qual passará à história por ter liderado a revolução mais profunda da Bolívia e por ter recebido o maior caudal de votos de que a democracia do país não registra antecedentes (54% nas eleições de 2005 e 64% nas eleições de 2009).
Prevê-se que Brown e Brennan continuem trabalhando para tentar conseguir a unidade da oposição na Bolívia, mas com certeza ao segundo cabe levar adiante a estratégia do “golpe mole”, a nova modalidade de desestabilização que Washington leva na frente. Eis a Venezuela como a melhor prova disso.
Brennan, designado como Encarregado de Negócios desde julho, tem desempenhado em seu papel de segundo no comando, na Costa Rica e Nicarágua, um papel duro na ingerência dos Estados Unidos, segundo mostram as revelações feitas pelo Wikileaks e outras notícias geradas em ambos os países. Em 2007, Brennan pressionou o governo costarriquenho de Oscar Árias para que policiais desse país (diante da falta de Forças Armadas) treinassem “discretamente” na Academia do Comando Sul.
Durante o governo de Enrique Bolaños na Nicarágua, Brennan também desempenhou um papel de aberta ingerência. Em março de 2003, o diplomata estadunidense informou ao chefe do Estado Major do Exército da Nicarágua, general Julio César Avilés, que ficava suspensa a ajuda militar anual a esse país — estimada em US$ 2,3 milhões — até tanto não fossem destruídos todos os mísseis e a capacidade de defesa militar que o governo sandinista tinha montado, em quase uma década de revolução.
A experiência de Brennan, tal como a de Brown, naquilo que a Usaid e a NED denominam de “iniciativas democráticas” foi dedicada, ainda, a múltiplas ações subversivas contra Cuba: em 13 de janeiro de 2011, junto a três altos funcionários do Departamento de Estado, o diplomata que chegará à Bolívia aproveitou uma visita a Havana para tratar de temas migratórios, para reunir-se clandestinamente com um grupo de dissidentes cubanos, cujas ações de subversão são organizadas e financiadas pelo governo dos Estados Unidos.
O diplomata estadunidense, que era um dos responsáveis por garantir estabilidade política para os militares do seu país no Paquistão e de promover a viagem de jovens desse país aos Estados Unidos, para tratar de temas referidos a “iniciativas democráticas”, foi o bastante ativo, a partir de sua condição de “chefe do Gabinete dos Assuntos Cubanos” em Washington, pois impulsionou uma série de ações para conseguir a liberdade de Alan Gross, um empreiteiro contratado pela Usaid, para instalar uma rede ilegal de telecomunicações em Cuba e que agora está na prisão, após ter sido sentenciado a 15 anos de cárcere, em 2009.
Com Brennan a cargo do “Gabinete Cuba”, as ações estadunidenses contra a Ilha caribenha aumentaram. Não seria nada estranho que o recentemente descoberto programa Zunzuneo — um programa de Twitter cubano para conectar a dissidência — tenha tido suas origens na gestão de quem será, a partir de agora, encarregado de negócios dos EUA na Bolívia, a partir de julho.