Projeto de transformação de obras clássicas enfrenta resistência

O anúncio do lançamento de versões adaptadas das obras "O Alienista", de Machado de Assis, e de "A Pata da Gazela", de José de Alencar, pela escritora Patricia Secco, gerou inúmeras críticas entre leitores e no meio acadêmico. O objetivo de Secco é tornar os livros mais acessíveis e, assim, conquistar mais leitores para estes autores, principalmente entre os jovens. 

Machado de Assis

Para isso, a escritora trocou palavras mais "rebuscadas" por outras mais simples e alterou a construção de frases. Serão publicados 300 mil exemplares de "O Alienista" em junho. "Não é produtivo. Há outras formas de aproximar o aluno de um autor tão forte como Machado de Assis, por exemplo. Se há palavras difíceis, por que não produzir uma edição com notas de rodapé ou vocabulário ao final? É melhor dar ferramentas para ele entender o texto do que alterar as palavras, é preciso encontrar métodos para chegar ao aluno e fazer uma seleção adequada dos textos", esclarece Maria Rosa Sekiguchi, professora de literatura da PUC-SP.


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Flávia Amparo, professora de Literatura Portuguesa na UFF e de Língua Portuguesa e Literatura no Colégio Pedro II, também discorda da proposta. "A obra do Machado de Assis em si, já é bastante acessível. Não haveria a necessidade de transformar em uma linguagem facilitada, até porque, pela experiência que temos de aplicar a obra em sala, percebemos uma boa recepção por parte dos alunos. Um bom professor abre caminhos para os alunos, é o mediador entre o texto antigo e o texto moderno. Ele precisa ter bom senso para fazer uma boa escolha da obra que pode trabalhar com o aluno. Machado tem poemas, contos, romances e peças de teatro: é um farto material. Dá para trabalhar desde as séries iniciais até a pós-graduação por causa disso", explica.

Ela também chama a atenção para a tendência de facilitar a linguagem e possíveis consequências. "Com a adaptação, precisamos saber o que se perde, já que aquele não é mais o texto do autor, é uma releitura de outra pessoa. Daqui a pouco, estaremos lendo versões de outros autores e não tendo contato com a obra original. A facilitação da linguagem promove esse risco. É importante para o leitor inicial que ele possa ter contato com o texto e julgar como absorver da melhor forma aquela obra", finaliza.

A Academia Brasileira de Letras (ABL), por sua vez, já se manifestou contra a ação. "A ABL considera que o texto assinado pelo autor é inviolável e, como tal, deve ser preservado”, defende a entidade.

O incentivo governamental ao projeto de Patricia Secco se deu pela Lei Rouanet, por meio da qual o proponente apresenta uma proposta cultural ao Ministério da Cultura (MinC) e, caso seja aprovada, é autorizado a captar recursos junto às pessoas físicas pagadoras de Imposto de Renda (IR) ou empresas tributadas com base no lucro real para a execução do projeto, segundo o site do Minc. "O apoio a um determinado projeto pode ser revertido no total ou em parte para o investidor do valor desembolsado deduzido do imposto devido, dentro dos percentuais permitidos pela legislação tributária. Para empresas, até 4% do imposto devido; para pessoas físicas, até 6% do imposto devido", informa a página.

De acordo com a assessoria do Ministério da Cultura, Secco conseguiu captar R$ 1.039.000. Até o fechamento da matéria, a assessoria não havia respondido sobre o valor dos impostos que as empresas incentivadoras do projeto deixarão de reverter ao governo. Também não foi informado quais companhias foram estas, os critérios para a aprovação das propostas na Lei Rouanet, nem os responsáveis por julgar estes critérios. A escritora não desejou participar da reportagem.

Fonte: Jornal do Brasil