Jorge Cadima: Dia M

A comemoração dos 70 anos do Dia D – o desembarque dirigido pelos EUA na Normandia em Junho de 1944 – foi um colossal embuste. Foi o Dia M – de Mentira. No seu discurso, Obama conseguiu a proeza de não fazer uma única referência ao papel da URSS na derrota do nazi-fascismo na II Guerra Mundial.

Por Jorge Cadima, no jornal “Avante!”

Pelo contrário, afirmou que “no final desse dia mais longo […] a Muralha de Hitler foi quebrada […]. Foi aqui, nestas costas, que a maré virou na luta comum pela liberdade”. A verdade histórica inapagável é que, muito antes de 6 de Junho de 1944, já se haviam dado as batalhas decisivas da 2ª Guerra Mundial na Frente Leste, onde se concentravam mais de 75% das forças operacionais da Wehrmacht. Os nazistas foram derrotados em Moscou em Janeiro de 1942, em Stalingrado em Fevereiro de 1943, em Kursk em Agosto de 1943. O cerco de Leningrado foi quebrado em Janeiro de 1944. Foi o heroísmo e a coragem do povo soviético e do seu Exército Vermelho que, antes do Dia D, “virou a maré” às hordas nazistas.

Mas a mentira histórica vai mais longe. Logo no final da guerra, boa parte do aparelho de Estado dos EUA (com destaque para a futura CIA) se dedicou a reciclar o aparato nazista para a luta anticomunista e antissoviética. Caso exemplar, relatado em pormenor no livro do jornalista Christoper Simpson “Blowback: o recrutamento americano de nazistas e os seus efeitos na Guerra Fria”, é o de Reinhard Gehlen, “o mais responsável funcionário de Hitler nos serviços secretos militares na Frente Leste”.

Gehlen entregou-se às tropas americanas em maio de 1945, juntamente com toda a documentação dos serviços secretos que chefiava. Ao serviço dos EUA, reagrupou a rede de agentes nazistas no Leste e relançou-os na guerra, nem sempre “fria”: “Já em 1946 Gehlen tinha retomado o financiamento limitado do Exército Vlasov [de colaboracionistas russos] e do exército clandestino ucraniano OUN/UPA”. Este último é o berço dos atuais partidos Svoboda e Setor Direita que desempenharam papel decisivo no golpe de Estado de fevereiro último na Ucrânia. Gehlen não foi apenas um mero agente de Hitler e do imperialismo dos EUA. Entre 1956 e 1968 presidiu os serviços secretos da República Federal da Alemanha, o BND, formados precisamente com base na “Organização Gehlen”. Como lembra Simpson, a importância de Gehlen está diretamente ligada aos seus crimes de guerra: “Gehlen obteve grande parte da sua informação através do seu papel numa das mais terríveis atrocidades da guerra: a tortura, interrogatório e assassinato pela fome de cerca de 4 milhões de prisioneiros de guerra soviéticos”.

Não houve exércitos clandestinos apenas a Leste. Uma falsamente ingênua notícia publicada na revista alemã Der Spiegel em14 de Maio deste ano, titulada “Veteranos nazistas criaram Exército ilegal”, diz que o exército “secreto” era formado por “cerca de 2000 ex-oficiais da Wehrmacht e Waffen-SS do tempo nazista” e “em caso de guerra,[…] o exército secreto podia chegar aos 40 mil combatentes”. Tinham importantes padrinhos: “O envolvimento de figuras destacadas das futuras forças armadas da Alemanha, a Bundeswehr, é uma indicação de quão sério era este empreendimento”. Entre os “mais importantes atores” estava Albert Schnez, um futuro conselheiro da chefia militar da República Federal da Alemanha, e “Hans Speidel – que viria a tornar-se o Comandante Supremo do Exército Aliado da Otan na Europa Central em 1957”, o que evidencia padrinhos bem mais importantes.

Há um fio condutor ligando diretamente o nazismo ao ascenso fascista na Ucrânia em 2014, e esse fio passa pelos EUA, como é também relatado num artigo na revista The Nation , de 28 de março último com o título “Sete décadas de colaboração nazista”: o segredinho sujo ucraniano dos EUA”. A presença do fantoche Porochenko na Normandia é elucidativa da farsa monumental que foi o Dia M. E também da cada vez mais descarada deriva fascitizante das classes dominantes euro-atlânticas.