O Brasil derrotou o Brasil*

Ao resultado de 7 a 1 para a Alemanha deve-se creditar muito mais a desorganização tática do Brasil do que a uma suposta superioridade técnica do selecionado adversário. Essa desorganização levou Davi Luiz ao desespero em resolver tudo sozinho, ficou nítido durante a partida que em várias situações do jogo o zagueiro brasileiro, voluntariamente e sem orientação tática jogou de zagueiro, volante, meia e atacante, no que desarticulou mais ainda nossa seleção.

Camisa da Seleção Brasileira
Tecnicamente nenhuma das duas seleções tinha grande superioridade em relação a outra. Fisicamente, como todos são profissionais, penso que também são equivalentes. Então, o elemento desequilibrador da partida foi a parte tática, e não a suposta “aula de futebol” dada pelo selecionado alemão como querem alguns oportunistas comentaristas de resultados já acontecidos.

Enquanto a Alemanha foi um time compactado em todos os setores do campo, a “seleção canarinho” era uma equipe totalmente dispersa, sobretudo no meio de campo, que é o espaço onde a bola mais circula e onde as jogadas são construídas com o objetivo de redundar em gol. Com efeito, o Brasil ficou vulnerável ao ataque alemão. Não foi por acaso que quase todos os gols da Alemanha aconteceram com muita facilidade, sem muito combate de parte de nosso selecionado, dando a entender para alguns maniqueístas políticos que a ausência de combatividade foi proposital por parte dos jogadores brasileiros. O Brasil jogou como nos velhos tempos do 4-3-3: jogadores com posições fixas, com a defesa jogando em linha e com os pontas bem abertos: Hulk de ponta esquerda e Bernard de ponta direita, em alguns momentos da partida eles inverteram a posição, o que não alterou em nada o rendimento do time; além de um centroavante fixo, o Fred, que, diga-se de passagem, foi figura decorativa no time brasileiro. Desde o primeiro jogo do Brasil que nossa seleção jogou apenas com 10 jogadores competitivos, pois o Fred foi anulado por ele mesmo. Por sua vez a Alemanha atacava e defendia com quase todos os jogadores, apenas o goleiro Neuer, os zagueiros Boateng e Hummels, além do atacante Klose tinham posições fixas na equipe.

A questão é saber, por que Luiz Felipe Scolari adotou um esquema tão aberto e ofensivo contra um forte adversário? Estabelecemos quatro hipóteses para a questão: excesso de confiança, falta de humildade em reconhecer nossas limitações técnicas, despreparo técnico por não conseguir fazer a leitura correta do esquema de jogo do selecionado alemão, ou Felipão, pressionado pelos críticos ou analistas de resultados, sobretudo pelos desatualizados, que sempre o rotularam de retranqueiro, escalou uma equipe ofensiva para provar o contrário. Pensamos que existe um misto entre a segunda e a terceira hipótese. Caso contrário teria alterado nossa maneira de jogar, que jamais poderia ser a mesma que enfrentou o Chile e a Colômbia. E qual seria essa maneira? Felipão deveria escalar nossa equipe da seguinte forma: Júlio César, Maicon, Davi Luiz, Dante e Marcelo. Fernandinho, Paulinho e Luis Gustavo. Hulk pela meia direita e Oscar pela meia esquerda. Como falso centroavante o jogador William. Este ficaria um pouco na frente, mas não como centroavante fixo. Com essa formação, Maicon e Marcelo teriam mais liberdade para fazer algumas vezes o papel de pontas, pois teríamos os três cabeças de áreas para dar cobertura a eles. Sem a bola todos voltariam, deixando apenas William fixo na frente para segurar os zagueiros alemães. Com essa formação haveria uma forte compactação de jogadores no meio de campo e na defesa brasileira, dificultando o toque de bola do time alemão, que naquela partida, por conta da fragilidade na marcação do time brasileiro ficou acima da média.

Por que a Alemanha não goleou seleções de menores expressões em relação ao Brasil com quem jogou? É bem verdade que venceu Portugal na primeira partida por 4 a 0. Creditamos esta vitória muito mais pela flagrante fragilidade técnica e tática do time português, reconhecida pelo próprio Cristiano Ronaldo, do que por uma suposta superioridade flagrante do time alemão. Empatou com Gana em 2 a 2, venceu os EUA por 1 a 0, empatou no tempo normal em 0 a 0 com a Argélia e venceu na prorrogação por 2 a 1, e finalmente venceu a França no sufoco por 1 a 0. Estas seleções com humildade adotaram uma tática cautelosa diante de um adversário taticamente bem aplicado. Utilizaram esquemas de jogos atualizados para a realidade de hoje: jogadores sem posições fixas, embora alguns tivessem cacoetes para certas posições, onde todos tinham potenciais para atacar e defender. Defenderam-se em bloco com ocupações dos espaços do meio campo para trás, e de posse da bola saindo no contra ataque com velocidade em direção do campo do adversário. Dependendo das necessidades objetivas do jogo e das variações do adversário, estas predisposições táticas sofreram pequenas variações ao longo da partida.

Alguns comentaristas esportivos creditaram a derrota brasileira para as ausências de Thiago Silva e Neymar. É impossível saber se caso os dois estivessem em campo qual seria o resultado do jogo, em compensação, como analista nosso entendimento na interpretação dos sinais da partida é que eles escaparam da derrota. Com a presença deles, talvez a vitória alemã tivesse sido por um placar menos elástico, tendo em vista que com Neymar em campo, assim como Messi pela Argentina, o adversário fica mais cauteloso e muitas vezes destaca dois ou três jogadores para a marcação dos craques. E o próprio Neymar que numa ou noutra arrancada individual pudesse converter seu ímpeto em gol para o Brasil. Todavia, creio que o resultado final seria o da vitória alemã, tendo em vista que estamos profundamente convencidos que o elemento definidor da partida não foi o suposto “apagão” como afirmou Felipão, nem muito menos a suposta superioridade técnica do time alemão, mas foi o grosseiro erro tático do selecionado brasileiro e não a baixa qualidade técnica de seus jogadores. Mantida a disposição tática daquela fatídica partida, com qualquer formação em campo, incluindo-se até Pelé, o Brasil perderia o jogo. Enfim, o Brasil derrotou o Brasil.
 

*Carlos Alberto Nascimento de Andrade
Professor da Universidade do Estado do Rio Grande do Norte – UERN ([email protected])