"Desenvolvimento é política e integração é sobrevivência", diz Correa

O presidente equatoriano, Rafael Correa, foi recebido com ânimo pelo público que o aguardava no Salão Nobre da Faculdade de Direito da USP, em São Paulo, nesta terça-feira (15). Antes de iniciar a palestra “Revolução Econômica e Educacional em Curso no Equador”, o chefe de Estado afirmou sentir-se bastante à vontade no meio acadêmico, afinal, além de ter o título de doutor, antes de assumir a presidência ele foi professor universitário.

Por Théa Rodrigues, de São Paulo para o Portal Vermelho

Rafael Correa USP - Presidência do Equador

Correa agradeceu, em português, os aplausos dos estudantes, autoridades, especialistas e migrantes que formavam a plateia de 700 pessoas, para logo depois convidar a todos para visitar o Equador: “Os receberemos de braços abertos”. O Portal Vermelho esteve no Largo São Francisco para conferir a palestra do líder latino-americano.

Uma das primeiras coisas que o presidente equatoriano fez questão de pontuar foi a importância de os países latino-americanos se articularem para ajuda mútua e para resolver problemas em comum. “A integração, não é somente um sonho de nossos libertadores, mas uma necessidade de sobrevivência, sobretudo, para as economias pequenas e abertas de Nossa América”, disse.

Para Correa, a questão do desenvolvimento de um país é um problema político, e não técnico. “O desenvolvimento é basicamente um problema político, sobre quem manda em uma sociedade: as elites ou a grande maioria, o capital ou os seres humanos, o mercado ou a sociedade”, afirmou.

“Temos de ter bem claras as relações de poder quando estudamos desenvolvimento”, disse Correa, que classificou as “elites dominantes” como as maiores responsáveis pela concentração de renda e exclusão social da região latino-americana.

Segundo ele, o maior prejuízo disto pode ser visto na economia. Para o chefe de Estado, os governos latino-americanos não podem “desvincular política e economia” no momento de definir caminhos para melhorar a vida de suas populações. Para Correa, “um economista que não leva em conta as relações de poder, é um completo inútil”.

O Equador e a Revolução Cidadã

Em sua fala, Correa fez críticas ao neoliberalismo e apresentou dados positivos na economia e na educação de seu país obtidos, segundo ele, ao optar pela agenda socialista de seu governo.

Ele recordou a crise econômica enfrentada pelo Equador em 1999, resultado da aplicação, segundo ele, de um projeto de gestão neoliberal ao país, o que resultou no congelamento dos depósitos bancários e no êxodo de mais de 2 milhões de habitantes.

"A solução da crise foi recuperar o poder dos mercados e entregá-lo à sociedade", afirmou. "Se antes quem mandava no Equador eram os banqueiros, os credores e o capital internacional, hoje quem manda é o povo".

Rafael Correa impulsionou a chamada Revolução Cidadã no Equador. Com a ajuda de uma coalizão de movimentos políticos e sociais, o presidente eleito pela primeira vez em 2006, baseou-se no conceito do “Socialismo do século 21” e na revolução liberal de Eloy Alfaro para criar as cinco bases fundamentais da Revolução Cidadã: revolução constitucional; luta contra a corrupção; revolução econômica; revolução educacional e saúde; e resgate da dignidade, soberania e busca pela integração latino-americana.

Ele exaltou o fato de ter implantado seu modelo de forma "totalmente democrática" ao lembrar que, desde que chegou à presidência, “a Revolução Cidadã teve 10 vitórias eleitorais”. Correa aproveitou para responder as acusações de censura à imprensa crítica ao seu governo: "No Equador se perseguem delitos, não pessoas", ressaltou.

O presidente defendeu as políticas de distribuição de renda aplicadas pela sua gestão dizendo que "o melhor indicador da boa vontade da política econômica não é a taxa de crescimento, mas a diminuição da pobreza, principalmente a pobreza extrema". Da mesma forma, afirmou que sua gestão, iniciada em 2007 (Correa está em seu terceiro mandato) mantém uma taxa média de crescimento do PIB de 4,3% ao ano.

Em relação às políticas educativas, o chefe de Estado ressaltou o oferecimento de pré-escola pública e de universidades públicas (em contraposição a instituições privadas "de garagem", que disse terem proliferado no país na década de 1990) como forma de o país produzir inovação e ganhar independência em relação às nações desenvolvidas. Para ilustrar seu ponto, utilizou uma frase de Simón Bolívar: "Não nos conquistarão pela força, mas pela ignorância".

Fundo monetário latino-americano

Rafael Correa defendeu projetos como o Banco do Sul, um fundo monetário de países sul-americanos que auxilie nações vizinhas que passam por crises econômicas, como a Argentina, sem que seja necessário recorrer a instituições ligadas a países centrais, como o FMI.

Em maio deste ano, o Conselho de Ministros das Relações Exteriores da União de Nações Sul-Americanas (Unasul), reunido no Equador, decidiu pela implementação definitiva do Banco do Sul, fundo monetário idealizado pelo presidente da Venezuela, Hugo Chávez.

O Banco do Sul contará com um fundo de 7 bilhões de dólares e é uma alternativa aos impopulares Fundo Monetário Internacional (FMI), ao Banco Mundial e ao Banco Interamericano de Desenvolvimento.

"É um absurdo que os países latino-americanos ainda tenham reservas no exterior", disse e apontou para criação mecanismos com moedas de conversão para evitar o uso do dólar no comércio regional.

Direitos humanos

O Equador é signatário de todos os tratados interamericanos de Direitos Humanos. Sobre isso, o chefe de Estado voltou a criticar os Estados Unidos, que apesar de não terem ratificado nenhum documento, mantêm em seu território a sede da Comissão Interamericana de Direitos Humanos (CIDH).

Em outra ocasião, ele havia afirmado que a CIDH se converteu em um “instrumento de perseguição aos governos progressistas” da América Latina e Caribe. A CIDH, com sede em Washington, e a Corte Interamericana de Direitos Humanos, instalada em Costa Rica, são parte do Sistema Interamericano de Direitos Humanos da Organização dos Estados Americanos (OEA).

O acadêmico Correa

A familiaridade com o ambiente universitário faz com que Correa ofereça conferências durante suas visitas internacionais. Só neste ano, ele já esteve na Universidade da Costa Rica, na Universidade de Harvard, nos Estados Unidos, e na Universidade de Barcelona, na Espanha, onde foi agraciado com o título de doutor honoris causa.


Ao lado do prefeito de SP, Fernando Haddad, Rafael Correa assina o livro de visitantes ilustres
da Faculdade de Direito da USP. Foto: Théa Rodrigues.

Além de presidente, ele é doutor em Economia e autor de quatro livros, por isso, segundo ele, “a academia é seu habitat natural”. Antes de ser eleito foi professor da Universidade São Francisco de Quito.

Em sua tese de doutorado, intitulada “Três ensaios sobre o desenvolvimento contemporâneo latino-americano”, Correa afirma que as reformas estruturais aplicadas na região a partir de 1980 falharam em relação ao fomento do crescimento.

A palestra faz parte de uma pequena visita que o líder equatoriano realiza pelo país. Na manhã desta terça-feira (15), o presidente esteve em São José dos Campos (SP) para visitar o parque tecnológico da cidade, conhecida por sediar os hangares da Embraer, e firmar convênios de cooperação universitária.

Também almoçou com o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva e conversou com o prefeito de São Paulo, Fernando Haddad. Nesta quarta-feira (16), ele participa da cúpula de chefes de Estado da União de Nações Sul-Americanas (Unasul), Cuba, México e Costa Rica com os líderes dos Brics, grupo formado por Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul.

Durante sua exposição na USP, Correa agradeceu o convite feito pela presidenta Dilma Rousseff para que ele participasse da Cúpula Unasul-Brics e aproveitou para elogiá-la. “Não há dúvidas de que vivemos uma nova era na América do Sul, quando vemos os países com as maiores economias da região, Brasil, Argentina e Chile, sendo presididos por três extraordinárias mulheres”, disse.