China e Brasil, uma relação “livre de perplexidades”

O ano de 2014 entrará definitivamente na história das relações sino-brasileiras. A visita de Estado do presidente chinês, Xi Jinping, entre 17 e 18 de julho de 2014, marca não apenas a comemoração dos 40 anos do estabelecimento das relações diplomáticas entre o Brasil e a República Popular da China, mas abre as portas para uma fase madura dessas relações.

Direto da China, José Medeiros da Silva* e Rafael Gonçalves de Lima**

Brasil China - Blog do Planalto

“Quem tem mais de 40 anos está livre de perplexidades”, disse o presidente Xi Jinping em discurso no Congresso Nacional, um dia antes de iniciar sua visita de Estado ao Brasil.

A visita de Xi Jinping conclui com êxito o que poderíamos denominar de fase inicial do relacionamento entre os dois países. Essa fase poderia ser dividida em quatro etapas. A primeira, se inicia com o estabelecimento das relações diplomáticas, em 1974; a segunda, começa em 1993, com o acordo de Parceria Estratégica; a terceira começa em 2004, quando se estabelece o Diálogo Estratégico e se cria a Comissão Sino-Brasileira de Alto Nível de Concertação e Cooperação, a Cosban, o mecanismo permanente de mais alto nível entre os Governos do Brasil e da China; a quarta e última etapa dessa fase inicial é inaugurada em 2012, quando os dois países se tornam parceiros estratégicos globais.

Livre de perplexidades, causadas em larga medida pelo desconhecimento mútuo que caracteriza o início de qualquer relacionamento, os dois países iniciam agora uma fase mais madura, porém com mais desafios, devido às diferenças no nível de desenvolvimento dos dois países e a complexidade da situação internacional.

A China chega aos 40 anos dessa relação de forma absolutamente madura, tendo clareza sobre o seu projeto de desenvolvimento nacional e do seu papel no mundo. São exemplos dessa maturidade as cerca de 28 universidades na China que oferecem cursos de licenciatura em língua portuguesa para cerca de 1350 alunos chineses e alguns Institutos Confúcio já estabelecidos no Brasil.

Internamente, a China caminha para concretizar a meta dos "Dois Centenários", estabelecida no final de 2012 durante o 18º Congresso Nacional do Partido Comunista da China. O primeiro é o da criação do Partido. Para isso, a China fixou 2020, véspera desse centenário, como a data para concluir a construção de uma sociedade modestamente confortável em todos os sentidos, duplicando em relação a 2010 o seu PIB e a renda per capita. O segundo centenário, 2049, é o da fundação da República Popular da China, quando se objetiva a construção de um país socialista moderno, próspero, poderoso, democrático, civilizado e harmonioso.

No entanto, para materialização dessa meta, a China sabe que é fundamental a manutenção de um ambiente internacional pacífico. Olhando assim, se poderá compreender mais profundamente o significado do Brasil nessa nova fase do relacionamento com o país asiático.

Do lado brasileiro, para que possamos melhor aproveitar as oportunidades que surgirão nessa nova fase com a China, será fundamental a construção de uma unidade nacional em torno de um projeto próprio de desenvolvimento.

Nesses 40 anos, muito já se conseguiu. Em alguns aspectos, como no fluxo de comércio, as relações já refletem uma maturidade. Por exemplo, no primeiro semestre de 2014 o comércio bilateral totalizou US$ 42,28 bilhões, com um saldo de US$ 5,47 bilhões favoráveis ao Brasil.

Em outros aspectos, como no intercâmbio cultural e educacional, temos muito que avançar, principalmente do lado brasileiro. Algumas iniciativas merecem destaque, como a vinda recente para China de 272 alunos brasileiros pelo programa Ciência Sem Fronteiras e o empenho de acadêmicos e instituições brasileiras no estudo de China como o Curso de Língua e Cultura Chinesa da Universidade de São Paulo, o Instituto Brasileiro de Estudos de China e Ásia-Pacífico (Ibecap) e o Laboratório de Estudos Asiáticos da Universidade Federal do Rio de Janeiro (LEA-UFRJ), entre outros.

Brasil e China são atualmente os dois maiores países do mundo em desenvolvimento. Um, representa uma nação com mais de 5000 anos de história, com relevantes ensinamentos e contribuições para a humanidade. O outro, apesar de jovem e ainda verde, como dizia Gilberto Freyre, carrega em si a beleza da miscigenação e continua sua luta para proporcionar melhores condições de vida para o seu povo. As relações entre China e Brasil, se reforçada pelos seus povos, abrirá um novo capítulo na história dos dois países.

*José Medeiros da Silva é Dr. em Ciência Política pela Universidade de São Paulo (USP). Há sete anos vive na China e atualmente trabalha na Rádio Internacional da China, em Beijing.

**Rafael Gonçalves de Lima é bacharel em Relações Internacionais pela Faculdades de Campinas (FACAMP) e atualmente faz mestrado em Relações Internacionais na Universidade de Jilin, na China, com bolsa do governo chinês.